Um grupo de ONGs enviou ao governo uma carta de repúdio ao que eles chamam de “pacote de medidas que aprofunda os retrocessos em questões socioambientais, rifando os direitos territoriais indígenas e a regulação ambiental e colocando o país na contramão das respostas que exige a crise climática.”
Na carta, nove organizações, entre elas Greenpeace, Instituto Socioambiental, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Fundação SOS Mata Atlântica, afirmam que as propostas ignoram eventos como a crise hídrica e energética, “que demandam o aumento da conservação ambiental, e não sua redução”.
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-08-2015.
Entre as medidas criticadas pelo grupo estão as que propõem: a revisão do marco jurídico do setor de mineração, como forma de atrair investimentos produtivos; a revisão da legislação de licenciamento de investimentos em zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas, como forma de incentivar novos investimentos produtivos; a revisão dos marcos jurídicos que regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com as atividades produtivas; e o estabelecimento de um processo para acelerar o licenciamento ambiental para obras estruturantes do PAC.
Ao final da carta, as organizações “alertam para o risco de as propostas promoverem violência e destruição de patrimônio das populações indígenas e o agravamento de catástrofes ambientais como falta de água, inundações e enchentes e de seus impactos negativos na economia, como redução de produção agrícola e de energia.”
Paulo Barreto, um dos principais pesquisadores do Imazon, disse que o pacote de medidas mantem a velha lógica de opôr ambiente e desenvolvimento. “Ao propor um ‘fast-track’ para o licenciamento ambiental, o projeto coloca o licenciamento como trava ao desenvolvimento. Eu concordo que ele tem de ser mais eficaz mesmo, mas para garantir a proteção. Hoje ele é enrolado, mas no final não garante proteção ao ambiente. Há de fato muitas ineficiências nessa história, mas eles tentam vender a ideia de que simplificar é a solução. Mas só querem acelerar os projetos.”
Evidências científicas
Ele lembrou uma série de pesquisas que foram divulgadas nos últimos anos que mostram a importância de manter áreas protegidas para garantir tanto a segurança hídrica e energética. Um estudo de 2013, por exemplo, mostrou que a capacidade de geração de energia de Belo Monte está diretamente ligada à manutenção de florestas no seu entorno. Quanto mais mata, mais a capacidade de retenção de água no reservatório e, portanto, de produção de eletricidade.
O trabalho analisou que nos níveis atuais de desmatamento, o volume de chuva já é entre 6% e 7% menor do que com a cobertura florestal completa. Já num pior cenário, em que a perda da vegetação volte a crescer e atinja 40% do bioma, em 2050, o volume de chuva reduziria de 11% a 15%, fazendo com que a capacidade de produção de energia da hidrelétrica caia a 25% da capacidade máxima da planta ou a 40% das próprias projeções da usina. Por outro lado, se houvesse uma recuperação de tudo o que já foi desmatado na Amazônia, a produção de Belo Monte chegaria a sua capacidade máxima instalada, de 11,2 mil megawatts.
Outra pesquisa, de 2011, mostra que 80% da energia hidrelétrica do país vem de usinas que têm pelo menos um tributário que passa antes por dentro de uma unidade de conservação. Além disso, mais de um terço da água para consumo humano é diretamente captada nessas áreas protegidas ou em rios que se beneficiam de sua proteção.
“O que surpreende é que nada disso é considerado. O governo continua tratando esses assuntos como sendo de menor importância”, complementa Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental. “Sem contar que hoje as grandes obras de infraestrutura estão totalmente permeadas por processos de corrupção. É um absurdo que se queira facilitar que elas ocorram, diminuindo a regulação.”
Para Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “não existe compatibilidade nenhuma entre a Agenda Brasil com a agenda de clima”. E critica: “As novas propostas “não ajudam a construir um país melhor, com segurança energética e hídrica, não aumenta a nossa resiliência às mudanças climáticas. O governo ainda não entendeu que desenvolvimento tem de ser o desenvolvimento sustentável”.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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