Desertificação obriga a lutar ou fugir
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 25/11/2016 – “Depois de alguns anos sem chuvas, vizinhos disseram que nossas árvores consumiam muita água subterrânea e as cortamos”, contou Maria, uma mãe solteira da região de Bangalala, na região central da Tanzânia. “Nossa colheita diminuiu e minha mãe fechou sua banca no mercado local. Meu pai e eu nos mudamos para o vale do rio Ruvu Mferejini”, prosseguiu. Sua terrível história é apresentada como exemplo pela Convenção das Nações Unidas para a Luta Contra a Desertificação (UNCCD).
“Meu irmão teve que abandonar a escola para ajudar a família. Procurou trabalho, mas ganhava pouco. Minha mãe ficou em Bangalala para que minha filha pudesse ir à escola, porque no vale não existem”, acrescentou Maria.“Mas, então, perdi meus cultivos e, no começo deste ano, voltei a me mudar, mas deixei meu pai. Espero poder cultivar muito mais, pois estou certa de que as pessoas com quem deixei meu pai também terão que se mudar. Quando vai terminar tanta mudança? Não posso mais pagar por isso”, lamentou.
Seu caso não é o único. Há muitas mulheres em situação semelhante na província sudanesa de Darfu, em Mali, Chade ou Afeganistão, antes que os conflitos locais por água ou terras se transformassem em guerras civis, violência sexual ou genocídio, afirma o último relatório da UNCCD.
“Tampouco a situação é exclusiva da África subsaariana, onde meio milhão de habitantes vivem no meio rural e a maioria depende de suas terras, o que faz da desertificação uma ameaça constante à sua subsistência”, alerta o estudo Desertificação, Essa Invisível Linha de Frente.
No mundo, mais de 1,5 bilhão de pessoas dependem de suas terras, que sofrem degradação, e 74% delas, como Maria, são pobres, afirma a UNCCD, com sede em Bonn, na Alemanha. A desertificação é uma crise silenciosa e invisível que desestabiliza comunidades em todo o mundo, afirma a Convenção, na qual 169 Estados partes declararam sofrer as consequências do fenômeno.
“Os efeitos da mudança climática atentam contra diferentes modelos de subsistência, o que gera enfrentamentos inter étnicos dentro e entre os Estados, e os países frágeis se armam para controlar a situação”, alerta o documento. Registra também que os efeitos da desertificação são sentidos cada vez mais em escala global, pois as vítimas se tornam refugiadas, deslocadas internas e são obrigadas a emigrar ou se radicalizar em conflitos avivados pela escassez de recursos.
“Se pretendemos restabelecer a paz, a segurança e a estabilidade internacional – em um contexto em que eventos climáticos variáveis ameaçam o sustento de um número crescente de pessoas, no qual diminuem as possibilidades de sobrevivência e ficam sobrecarregadas as capacidades estatais –, então devemos fazer mais para combater a desertificação, reverter a degradação do solo e mitigar os efeitos da seca”, destaca o documento.Do contrário, muitos pequenos agricultores pobres e comunidades dependentes da terra deverão enfrentar duas possibilidades: lutar ou fugir.
Por sua vez, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estima que a desertificação afeta entre 25% e 30% da superfície da terra, e cerca de 1,2 bilhão de pessoas em pelo menos cem países estão em risco. Em consequência, mais de US$ 42 bilhões em perda de produtividade ou fornecimento de assistência ocorrem a cada ano. O grau de desertificação aumenta, embora varie de uma região para outra,acrescenta.
“A África, com cerca de 66% de suas terras desertas ou secas, sofre particularmente a desertificação. Já houve fome em grande escala na região do Sahel, o que obrigou seus habitantes a emigrarem em busca de terras mais amigáveis”, ressalta o Pnuma. A desertificação é causada por cultivo e pastoreio excessivos, ou práticas de risco inadequadas e desmatamento. Essas atividades são consequência da má gestão da terra, derivada de más condições socioeconômicas que sofrem os agricultores.
“Somente 7,8 bilhões de hectares servem para produzir alimentos no mundo”, explicou Monique Barbut, secretária executiva da UNCCD. “Cerca de dois bilhões de hectares já estão degradados e, destes, 500 milhões ficaram totalmente abandonados. Mas sua fertilidade pode ser recuperada para ser usada no futuro”, acrescentou.
Como obtemos 99,7% das calorias que consumimos da terra, a degradação do solo ameaça nossa segurança alimentar, apontou Barbut. “Seus efeitos são especialmente duros para as pessoas mais pobres que dependem diretamente da terra para conseguir alimentos, emprego e água. Quando já não podem produzir, não têm outra opção que não seja emigrar ou lutar pelo pouco que lhes resta”, acrescentou.
“A menos que mudemos de estratégia, quando aparecer a seca e as chuvas falharem, o futuro de 400 milhões de agricultores africanos que dependem da agricultura irrigada apenas pela chuva para subsistência, por exemplo, correrá perigo”, escreveu Barbut em um artigo para a IPS.Esse tipo de agricultura representa mais de 95% das terras cultivadas da África subsaariana, e só a escassez de água poderia custar a algumas regiões cerca de 6% do produto interno bruto, estimou.
“A menos que mudemos de estratégia, as pessoas terão que decidir se erguem do desastre causado pela seca e em seguida se reconstroem, ouse simplesmente partem. É uma espécie de loucura obrigar nossa gente a tomar essa decisão tão difícil”, ressaltou Barbut.
Em 2008, a insegurança alimentar causou conflitos em cerca de 30 países, segundo a UNCCD. Mas são as comunidades rurais, como a de Bangalala, que dependem da agricultura irrigada apenas por chuva, as que contribuem para a segurança alimentar. O sustento de aproximadamente dois bilhões de pessoas no mundo depende de 500 milhões de pequenos agricultores.
“A desertificação nem sempre deriva em conflitos. Mas é um amplificador de deslocamentos, migrações forçadas, radicalização, do extremismo e da violência”, alerta a UNCCD.E acrescenta que a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos considera a mudança climática como grande desafio, pelos conflitos que pode causar devido aos refugiados ou aos recursos, e pelo sofrimento derivado da seca e da fome, dos desastres naturais e da degradação do solo em todo o mundo.
“Por isso, investir em soluções práticas que transformam a vida das pessoas e reduzem a vulnerabilidade das comunidades, como a de Maria, será mais barato e melhor do que investirmos em muros, guerras e assistência”,enfatiza a agência. Envolverde/IPS
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