A infância atual necessita brincar ao ar livre, artigo de Samanta Sivers
Brincar é como respirar e pode ser a atitude precursora e desencadeadora das maiores aprendizagens de uma criança e a natureza
[EcoDebate] Papais, mamães, avós, professores… lembram da sua infância, quando ainda não havia tecnologia tão avançada e brincávamos muito ao ar livre? Era tão bom, saudável, libertador! E nos traz lembranças agradáveis, não é mesmo? Pois bem, vou trazer aqui uma questão que pode até parecer meio chocante, mas é verdadeira: você sabia que há pesquisas que apontam que presidiários passam mais tempo ao ar livre do que mais da metade das crianças? Diante dessa desconcertante afirmação, é provável que elenquemos a falta de segurança e a preferência dos pequenos pela tecnologia como possíveis fatores que afetariam a realidade da atual infância.
Em contrapartida, ao invés de buscar uma justificativa, sejamos honestos: a cada dia nos deparamos mais frequentemente com transtornos que comprometem a atenção, que acarretam na hiperatividade, dificuldades de aprendizagem, incapacidade de concentração. Além disso, a obesidade infantil atinge níveis alarmantes, decorrentes também, é claro, de uma alimentação ruim, mas especialmente de um sedentarismo recorde.
Não almejo abordar os problemas referentes a esse tema, mas sim pensar de forma otimista e em maneiras reais de amenizá-los. As pessoas que moram em casas já têm um ponto a seu favor. Para quem vive em apartamento, uma dica: em algum lugar da sua cidade deve haver um parque, uma área de recreação, uma praça, um gramado… Encontrar o local é o ponto de partida. Criar o hábito de estar neste espaço, considerando a rotina da família, também. Mas fazer isso diariamente é possível? Provavelmente não! Então sejamos realistas, será que uma vez por semana daria?
A criança é um ser do presente, ela vive no aqui e agora, mediante as interações que faz com o espaço em que está e com as pessoas que estão ao seu redor. Portanto, não se aflija caso não tenha um extenso repertório brincante. Lembre-se das suas brincadeiras de infância… quem nunca brincou de elefante colorido, siga o mestre, estátua, passa anel? Corra, vire cambalhotas, salte com a criança! Pule corda, elástico, obstáculos, amarelinha, solte bolhas de sabão, pipa, ou o que for. Conecte-se com a textura da terra, da areia, da água. Interaja com os elementos da natureza que os rodeiam!
Pensemos na prática…
Uma brincadeira simples e adaptável a várias idades é a caça ao tesouro. Já para crianças menores de 3 anos, que tal propor que procurem cores diferenciadas nas plantas e outros elementos naturais? Seja o amarelo de um girassol, o verde das folhas, o marrom das pedras, o preto da formiguinha… deixe que a criança explore o espaço, observe-o também, interagindo. Faça parte dessa caçada também. Quando ela te chamar, não hesite: corra, desfrute do tesouro que ela está te proporcionando.
Para crianças maiores, é possível criar uma lista de palavras com itens a serem encontrados. Pedras pequenas, flores vermelhas, gravetos com mais de 30 cm, enfim, liste objetos conforme o espaço e sua imaginação puderem criar. Caso seja possível, tente colocar em prática esse tipo de brincadeira também à noite, com lanternas. Cuidado por onde andam e tenham uma boa jornada!
Caso sinta-se desconfortável, especialmente pelos possíveis olhares alheios no espaço público, tente primeiramente permanecer sentado próximo à criança, conversando e olhando em volta, observando o céu, as nuvens e inventando histórias para os mais variados desenhos que nelas surgem.
Quem sabe observar as montanhas ou folhas e gravetos ao chão também seja uma boa dica… será que se parecem a algum animal ou objeto? Essa brincadeira chama-se “olhos de águia”, muito comum em tribos indígenas norte-americanas, para as quais observar a natureza e aprender a respeitá-la têm muita importância. E se estes momentos fossem registrados com fotos? A tecnologia não é uma vilã se houver equilíbrio e controle de seu uso.
Outra sugestão pra lá de antiga porém tão memorável é empinar pipa. Melhor seria se a criança fosse envolvida no processo de criação dela. Caso não, tudo bem, quem sabe não seria bacana pensar nisso? Não será este o impedimento deste milenar passamento. Até uma simples sacola plástica amarrada a um longo barbante serve para brincar. Claro que, para essa brincadeira em especial, o ideal é encontrar uma área grande, desocupada, sem muitas árvores ou postes elétricos, com bastante vento. Se conseguir encontrar um local dessa forma ou semelhante, que maravilha. Aproveite! Dos pequenos aos mais velhos, com certeza será um sucesso.
E os bebês? Eles não ficam de fora! Deixe que engatinhem pelo gramado, permitindo o contato com a natureza e fazendo suas descobertas neste meio. Podemos nomear o que está ao seu redor, explorar o ambiente com ele.
Enfim, brincar não tem mistério, pois até mesmo um momento, um toque, uma palavra, podem desencadear novas e interessantes brincadeiras, criando vínculos inquebráveis. Brincar é como respirar e pode ser a atitude precursora e desencadeadora das maiores aprendizagens de uma criança e a natureza. O espaço ao ar livre potencializa as habilidades infantis, especialmente motoras e imaginativas.
A infância atual necessita desse contato com o meio natural e cabe a nós ajudar no resgate desse costume. Por incentivo, convite, hábito, enfim. De algum modo, tiremos as crianças da frente de suas telas, do meio das paredes e deixemos que aprendam a desfrutar da natureza, valorizando-a e aprendendo a zelar por ela.
*Samanta Sivers é professora de Educação Infantil do Colégio Marista São Luís
Colaboração de Luiza Lafuente, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/12/2018
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