quinta-feira, 30 de maio de 2024

O GELO DA ANTÁRTIDA ENCOLHE PARAB M´NICOS HISTÓRICO PELO TERCEIRO ANO CONSECUTIVO .

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares já começou e tende a se acelerar nas próximas décadas à medida que cresce a concentração de CO2 na atmosfera

O gelo marinho ao redor da Antártida diminuiu na primeira metade do século passado e depois aumentou nas últimas décadas do século XX. Enquanto o gelo no resto do mundo diminuía devido às mudanças climáticas, o bloco de gelo ao redor do continente meridional aumentava.

Uma pesquisa recente, publicada na revista Nature Climate Change por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Ohio, comprovou que a quantidade de gelo marinho aumentou até 2015. A despeito das variações anuais, a reta de tendência dos dados mensais estava sempre direcionada para cima e a inclinação era positiva.

O gráfico abaixo mostra os dados relativos ao mês de fevereiro. Nota-se que entre 1979 e 2017 a inclinação da reta era de 3,0 + ou – 3,8% por década, mesmo considerando que em 2016 e 2017 a anomalia tenha ficado abaixo da média do período. Mas considerando o período 1979 e 2024 a inclinação da reta ficou negativa, marcando – 2,0 + ou – 3,4%. Ou seja, atualmente, o gelo da Antártida apresenta uma variação negativa no mês de fevereiro.

anomalia na extensão do gelo na Antártida

O gráfico abaixo, também da National Snow & Ice Data Center (NSIDC), mostra que a extensão de gelo marinho na Antártida para diversos anos e a média do período 1981-2010. Nota-se que nos últimos 3 anos (2022-2024) registraram recordes de mínimo de gelo ao redor do continente meridional. O mês de fevereiro de 2023 apresentou menor nível de gelo da série, mas 2022 e 2024 também apresentaram mínimos semelhantes.

degelo da Antártida 1979 2024Artigo de Shepherd et. al. , E. et al., publicado na Revista Nature (24/04/2018) mostra que o balanço de massa de superfície indica uma perda de 2.720 ± 1.390 bilhões de toneladas de gelo entre 1992 e 2017, o que corresponde a um aumento no nível médio do mar de 7,6 ± 3,9 milímetros. Durante esse período, o derretimento causado pelo oceano fez com que as taxas de perda de gelo da Antártida Ocidental aumentassem de 53 ± 29 bilhões para 159 ± 26 bilhões de toneladas por ano; o colapso das prateleiras de gelo aumentou a taxa de perda de gelo da Península Antártica de 7 ± 13 bilhões para 33 ± 16 bilhões de toneladas por ano.

Agora em 2024, glaciologistas alertaram que algo ainda mais alarmante está acontecendo na camada de gelo da Antártida Ocidental – grandes rachaduras e fissuras se abriram tanto no topo quanto embaixo da geleira Thwaites, uma das maiores do mundo. A plataforma Thwaites faz a Larsen B parecer um pingente de gelo, pois é cerca de 100 vezes maior e contém água suficiente para elevar o nível do mar em todo o mundo em mais de meio metro.

Neste quadro, o nível do mar pode subir vários metros até o século XXII, dependendo dos níveis das emissões futuras e da aceleração do aquecimento global. As gerações que ainda irão nascer vão herdar um mundo mais complicado e mais inóspito, podendo haver uma mobilidade social descendente em um mundo com muitas injustiças ambientais, apartheid climático e conflitos de diversas ordens.

O fato é que o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares já começou e tende a se acelerar nas próximas décadas à medida que cresce a concentração de CO2 na atmosfera e o consequente aumento da temperatura global. Muitas áreas litorâneas vão ficar debaixo d’água e os danos sociais e econômicos serão incalculáveis.

Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

Shepherd, A., Ivins, E., Rignot, E. et al. Mass balance of the Antarctic Ice Sheet from 1992 to 2017. Nature 558, 219–222 (2018) doi:10.1038/s41586-018-0179-y, 24 April 2018
https://www.nature.com/articles/s41586-018-0179-y

National Snow and Ice Data Center (NSIDC) https://nsidc.org/data/seaice_index/

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

CIDADES DA COSTA DOS ESTADOS UNIDOS ESTÃO AFUNDADO .

 Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Uma quantidade considerável de terra costeira pode afundar nos Estados Unidos (EUA) ainda na primeira metade do século XXI.

Cerca de 32 cidades costeiras dos EUA estão em risco de inundação até 2050 devido à subsidência, o desmoronamento ou afundamento gradual de uma área geográfica, de acordo com um artigo publicado no dia 06 de março na revista acadêmica Nature.

Grandes cidades costeiras – como Boston, Nova Orleans e São Francisco – estarão em regiões que poderão sofrer inundações num futuro próximo devido a mudanças na elevação do solo, combinadas com o aumento do nível do mar – que está subindo cerca de 4 milímetros por ano. Até 273 mil pessoas e 171 mil propriedades nas regiões costeiras dos EUA poderiam ser afetadas, como mostra a figura abaixo.

cidades da costa dos estados unidos estão afundando

Por exemplo, muitas partes do terreno montanhoso de São Francisco não terão preocupações com inundações, mas o Aeroporto Internacional de São Francisco e outras partes da cidade em terras recuperadas estão afundando na baía circundante.

Por outro lado, descobriu-se que áreas com baixos níveis de elevação e taxas mais elevadas de subsidência, como Nova Orleans e outras áreas ao longo da Costa do Golfo, apresentam um risco mais elevado de inundações no futuro. Nova Orleans, por exemplo, foi construída em terrenos baixos dentro dos sedimentos do rio Mississípi, fazendo com que toda a cidade afundasse rapidamente.

A subsidência costeira é frequentemente sub-representadas nos modelos de inundação, disseram os autores do artigo. As inundações que as regiões costeiras sofrerão devido ao aumento do nível do mar podem, na verdade, ser piores do que se pensava anteriormente, quando se considera a rapidez com que a terra estava afundando.

À medida que a crise climática se agrava, os efeitos sobre as cidades costeiras se agravam. Partes das regiões baixas da Flórida, como Miami, já estão enfrentando “inundações em dias ensolarados” que ocorrem como resultado da maré alta. Miami apresentou a maior parcela de exposição a inundações, com até 122 mil pessoas e até 81 mil propriedades que podem estar em risco de inundação até 2050, segundo os autores do estudo.

Evidentemente, será necessário implementar políticas de gestão local para fortalecer as infraestruturas costeiras, uma vez que os atuais esforços de mitigação de riscos são inadequados. O certo é que a situação ficará ainda pior na segunda metade do século XXI, quando a temperatura global ultrapassar os 2ºC, limite superior do Acordo de Paris.

A elevação do nível dos oceanos vai afetar amplas parcelas da população. Afetará ricos e pobres. A diferença é que os ricos terão recursos para se adaptar e se deslocar para áreas mais seguras, enquanto a população pobre não terá recursos para se realocar e evitar todos os efeitos negativos do aquecimento global antropogênico.

As enchentes e as inundações se espalham pelo mundo e o Rio Grande do Sul vive a maior tragédia climática da história do Estado. No domingo, 05 de maio de 2024, o rio Guaíba atingiu o nível máximo já registrado, causando dezenas de mortes, centenas de desaparecidos e milhares de desabrigados.

Quanto maior for o aquecimento global, maiores serão os desastres climáticos. Reduzir as emissões de gases de efeito estufa e recuperar os ecossistemas é tarefa inadiável para evitar uma Terra inabitável no futuro próximo.

Referência:

ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019
https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/239

Ohenhen, L.O., Shirzaei, M., Ojha, C. et al. Disappearing cities on US coasts. Nature 627, 108–115 (2024). https://doi.org/10.1038/s41586-024-07038-3

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

O BRASIL TEVE 12 EVENTOS CLIMÁTICOS EM 2023 .

Cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical foram reportados, sendo que nove destes eventos foram considerados incomuns e dois sem precedentes.

ONU News

Um golpe duplo causado pelo El Niño e pelas mudanças climáticas atingiu a América Latina e o Caribe em 2023, de acordo com um relatório da Organização Meteorológica Mundial, OMM.

No Brasil, foram registrados 12 eventos climáticos extremos, sendo nove deles considerados incomuns e dois sem precedentes. Cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical foram reportados para a OMM.

Riscos climáticos recordes

A secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, afirmou que “infelizmente, 2023 foi um ano de riscos climáticos recordes na América Latina e no Caribe”. 

Segundo a agência, o El Niño e as mudanças climáticas induzidas pelo homem exacerbaram muitos eventos extremos, causando grandes impactos na saúde, na segurança alimentar e energética e no desenvolvimento econômico.

Muitas ondas de calor intensas afetaram a região central da América do Sul no final de agosto a dezembro, causando temperaturas escaldantes em pleno inverno. Durante a segunda quinzena de agosto, as temperaturas em partes do Brasil ultrapassaram os 41 °C. A onda de calor atingiu Rio de Janeiro e São Paulo, as cidades mais populosas do país. 

Calor intenso e seca na Amazônia

A onda de calor que atingiu a Amazônia em julho 2023 foi considerada sem precedentes e contribuiu para uma das piores secas já registradas. Segundo autoridades do Porto de Manaus, o nível do Rio Negro caiu para 12,70 m em 26 de outubro, o mais baixo já registrado desde que as observações começaram em 1902.

Outros rios importantes da Amazônia, incluindo Solimões, Purus, Acre e Branco, sofreram quedas extremas em algumas regiões e secaram completamente em outras. 

O calor intenso afetou também a vida selvagem. No Lago Tefé, mais de 150 botos cor-de-rosa foram encontrados mortos no final de setembro, com a temperatura da água atingindo um recorde de 39,1 °C.

Grandes incêndios florestais ocorreram nas regiões afetadas pelo calor no Paraguai, no Brasil e na Bolívia. Na Amazônia, foram registrados 22.061 focos de incêndio em outubro, o pior recorde para o mês desde 2008, resultando em fumaça intensa impactando toda a população de Manaus, estimada em 2 milhões de pessoas. 

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos de terra na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo
Agência Brasil/Rovena Rosa
São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos de terra na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo

Ciclone extratropical e chuvas torrenciais

O segundo evento sem precedentes registrado no Brasil em 2023 foi um ciclone extratropical no Rio Grande do Sul, que gerou chuvas volumosas, fortes rajadas de vento e causou impactos severos em muitas cidades.

Segundo a Defesa Civil, foram registradas 46 mortes, 46 desaparecidos e 340 mil pessoas afetadas. À medida que os rios inundavam, casas e pessoas eram arrastadas pela correnteza. As cidades mais afetadas estão na região do Vale do Taquari, como Muçum e Roca Sales. Um total de 92 municípios declararam estado de calamidade pública.

O relatório menciona também que pelo menos 65 pessoas perderam a vida após chuvas torrenciais provocarem enchentes e deslizamentos de terra na cidade de São Sebastião, no litoral do estado de São Paulo. De 18 a 19 de fevereiro, caíram 683 mm de chuva em 15 horas na cidade. 

No estado do Acre, na Amazônia brasileira, fortes chuvas e o transbordamento do rio Acre inundou vastas áreas da capital Rio Branco, em 23 de março. A cidade registrou 124,4 mm de chuva em 24 horas.

Impactos econômicos

No Brasil, tanto o excesso de chuvas quanto a seca, ligados ao El Niño, atrasaram o plantio de soja. Além disso, mais de mil cabeças de gado morreram com uma onda de frio em Mato Grosso do Sul, causando um prejuízo estimado de R$ 3 milhões.

O relatório da OMM sobre o Estado do Clima na América Latina e no Caribe em 2023 confirmou que aquele foi o ano mais quente já registrado. O nível do mar continuou subindo a uma taxa superior à média global em torno da parte atlântica da região, ameaçando áreas costeiras e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. 

A região da América Latina e do Caribe é cercada pelos oceanos Pacífico e Atlântico e o clima na região é, em grande parte, influenciado pelas temperaturas predominantes da superfície do mar e interferências na interação entre a atmosfera e o oceano, como o El Niño.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

ENTENDA O QUE É UM EVENTO CLIMÁTICO EXTREMO , COMO O QUE ATINGIU O RIO GRANDE DON SUL.

 enchente no Rio Grande do Sul

Foto: Ricardo Stuckert / PR / EBC

Eventos climáticos extremos que aconteciam uma vez a cada década, hoje ocorrem a cada dois anos. Leia a entrevista com Carlos Nobre.

ABr

Desde o final de abril, o Brasil assiste atônito às imagens das águas que dominam cidades e levam vidas no Rio Grande do Sul.

Expressões como catástrofe socioambiental, emergência climática, adaptabilidade e resiliência dominam os noticiários e passam a integrar o vocabulário de autoridades e da população brasileira, na busca por explicações e soluções aos eventos climáticos extremos.

Referência mundial para estudos ambientais e mudanças climáticas, o meteorologista brasileiro Carlos Nobre explica, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o que são os eventos climáticos extremos e porque a situação no Rio Grande do Sul foi classificada dessa forma.

Agência BrasilO que é um evento climático extremo?
Carlos Nobre: É quando você tem um evento meteorológico que sempre aconteceu, por exemplo, chuvas mais intensas, prolongadas, de grandes volumes. Outro evento extremo pode ser uma seca muito intensa, pouquíssimas chuvas, seca longa, ou ondas de calor, com temperaturas passando muito da média. Isso sempre aconteceu na natureza, são fenômenos naturais. Agora esses fenômenos estão se tornando muito mais frequentes. O que acontecia uma vez a cada década, hoje ocorre a cada dois anos ou até a cada ano, e batendo recordes.

Então, além de se tornarem mais frequentes, são fenômenos mais intensos, como é o caso das chuvas no Rio Grande do Sul, que bateram todos os recordes. Nunca, mais de 60% do território gaúcho mostrou um volume de chuva maior que 800 milímetros. Os dados mostram que, em menos de 15 dias, choveu o mesmo que em cinco meses em todo o estado e a previsão é de uma nova frente fria chegando com mais chuvas. Não é o mesmo volume que vimos na semana passada, mas os níveis dos rios continuarão altos e a população das áreas baixas vão continuar enfrentando alagamentos.

Isso está acontecendo em todo o mundo. Então, não é algo raro que vai acontecer a cada cem anos, não é um fenômeno extremo raríssimo. As mudanças climáticas – devido ao aquecimento global causado por gases do efeito estufa que lançamos na atmosfera – são a razão para que eventos extremos estejam se tornando mais frequentes e batendo recordes.

Agência Brasil: O que mudou na relação do homem com o planeta que fez com que chegássemos a esse ponto?
Carlos Nobre: Foi exatamente o que chamamos de aquecimento global de origem humana. Quando olhamos a história de bilhões de anos do planeta Terra, já tivemos – mais de 200 milhões de anos atrás –, um evento de vulcões e terremotos que lançou tanto gás carbônico na atmosfera, que a temperatura ficou muito mais alta e foi uma das causas da extinção de muitas espécies.

Nós já tivemos isso como fenômeno natural, mas desta vez não é nada natural. Praticamente, quase 100% do aumento desses gases do efeito estufa – que impedem a terra de perder calor com mais rapidez e eficiência –, é resultado da queima de combustíveis fósseis – o petróleo, o carvão, o gás natural – e de emissões devido ao desmatamento, que responde por cerca de 12% das emissões; somado à agricultura, que chega a cerca de 25% das emissões. A produção industrial também emite.

Já aumentamos em 50% a concentração de gás carbônico – dióxido de carbono; aumentamos em quase 150 vezes a quantidade de metano, que é um gás muito poderoso para aquecer o planeta. E o planeta mais quente tem mais evaporação de água nos oceanos e você cria os eventos meteorológicos extremos, eventos oceânicos mais extremos, como os três El Niños mais fortes do registro histórico (1992/93, 2015/16 e 2023/24). Todos os oceanos estão mais quentes. Então, essa é a causa de estarmos quebrando esses recordes em todo o planeta e no Brasil também.

Agência Brasil: É possível reverter o aquecimento global?
Carlos Nobre: Reverter o aquecimento global se torna praticamente impossível, porque o próprio metano tem um tempo pequeno de residência na atmosfera, de 9 a 11 anos. Reduzir as emissões de metano seria muito importante, porque o metano é muito poderoso. O metano que tem na atmosfera responde por cerca de 0,5ºC do aquecimento. Então, é muito importante reduzir o metano, porque podemos fazer a temperatura não subir mais e talvez até reduzir, mas é um enorme desafio.

Uma grande parte da emissão de metano vem da agricultura e, principalmente, da pecuária. O boi tem a fermentação entérica, que é a fermentação da grama que ele come, que produz metano. Uma série de outras atividades também produz metano. Ele compõe grande parte do gás natural e na produção, muitas vezes, ele vaza para a atmosfera. Já o gás carbônico fica, em média, 150 anos na atmosfera. Cerca de 15% do gás carbônico que entra na atmosfera hoje vai continuar mil anos lá. E o óxido nitroso, que é outro gás superpoderoso do efeito estufa, também ficará mais de 250 anos. Tem tanto gás na atmosfera, que mesmo zerando as emissões, o aquecimento continua. Se tivermos pleno sucesso de zerar as emissões até 2050, as temperaturas poderão começar a equilibrar no próximo século, não neste.

Agência Brasil: E o que será necessário para as pessoas sobreviverem ao longo de todo esse tempo?
Carlos Nobre: Não há a menor dúvida de que esses eventos, que já estão acontecendo, não têm volta. As emissões continuam aumentando, e existe até grande probabilidade que o aumento da temperatura ultrapasse 2ºC e não fique em 1,5ºC. A busca por soluções de adaptação não é mais um plano futuro, é um plano passado, que já devia estar ocorrendo no mundo inteiro, com muito mais rapidez e eficiência. Não estamos vendo uma busca por adaptações para eventos que já estão acontecendo. O exemplo é esse, no Rio Grande do Sul. Os países desenvolvidos estão gastando mais recursos em adaptação, muito em infraestrutura, preparando os portos para o aumento do nível do mar, mas nem assim estão buscando o que é necessário.

Nos países em desenvolvimento não vemos quase nenhuma adaptação. A gente está vendo toda a infraestrutura do Rio Grande do Sul afetada, as pontes derrubadas pela enxurrada dos rios, as casas todas inundadas. No Brasil, temos pouquíssima adaptação. Vemos mais os eventos de chuva, mas também não estamos adaptados para os eventos de seca. Batemos recorde com secas mais fortes do Amazonas e do Cerrado, em 2023 e 2024. A agricultura brasileira não está adaptada para eventos extremos. Veja aí a perda de produção de arroz que o Rio Grande do Sul teve com a chuva, e as secas são o principal fator de perda de safra. Então, não tem desculpa, precisamos não só reduzir as emissões, mas acelerar muito a adaptação.

Agência Brasil: O que é necessário ser feito?
Carlos Nobre: Temos que tornar as populações muito mais resilientes. No caso do Brasil, o Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais] já vem fazendo estudos, e milhões de brasileiros não podem mais continuar morando em áreas de risco, na beira do rio, em encostas muito íngremes. E também precisamos aperfeiçoar muito os sistemas de alerta.

Com as previsões meteorológicas é possível anunciar um evento de extremo climático com dias de antecedência, como o Cemaden alertou o Rio Grande do Sul e a Defesa Civil. Mas nós precisamos fazer com que esses sistemas de alerta estejam em todos os lugares de risco. O Cemaden está concluindo um estudo que aponta mais de 1,9 mil municípios com áreas de risco de deslizamentos, inundações e enxurradas. São áreas onde devem ser instalados sistemas de sirenes como já temos na região serrana do Rio de Janeiro, por exemplo. Lá, a população já está mais capacitada, há locais para onde deve se deslocar, quando as sirenes tocam. Então, isso precisa ser feito em milhares de cidades brasileiras. Somos muito mal preparados para informar a população sobre eventos extremos. 

No Brasil, quase duas mil cidades são avaliadas com riscos, então, a nossa classe política tem que fazer como têm feito nesses dias, quando o Congresso aprovou à jato a transferência de recursos para o Rio Grande do Sul. Os políticos estaduais têm que aprovar também à jato a criação de sistemas de alerta em quase dois mil municípios com enormes áreas de risco. Isso demanda centenas de bilhões de reais que precisam ser investidos para melhorar a ação da Defesa Civil e nós temos que fazer isso para ontem. Em médio prazo, uma década, buscar soluções para remover mais de 3 milhões de brasileiros que moram nessas áreas de altíssimo risco.

Nota da Redação: Sobre o tema eventos climáticos extremos sugerimos que também leiam as matérias abaixo:

Brasil teve 12 eventos climáticos extremos em 2023

Análise Global de Eventos Climáticos Extremos e Seus Impactos

Mudança climática impulsiona os eventos climáticos extremos

O que são eventos climáticos extremos?

Eventos climáticos extremos custam 1,3% do PIB a cada ano

Mudanças Climáticas: Os custos globais dos eventos climáticos extremos

Precisamos falar das mudanças climáticas e eventos climáticos extremos

 

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Por Fabíola Sinimbú – Repórter da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394