Desindustrialização, Desemprego E Desdesenvolvimento, Artigo De José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A precoce desindustrialização brasileira atingiu índice recorde de retrocesso em 2015. A participação da Indústria de Transformação no PIB ficou em 11,4% no ano passado, número mais baixo do que os 12,1% de 1947. A Indústria de Transformação que chegou a ser responsável por 21,8% do PIB no início da Nova República (1985), caiu bastante nos governos Sarney e Collor, subiu no governo Itamar, voltou a cair durante o Plano Real no primeiro governo FHC e subiu no segundo FHC e no início do governo Lula. Porém, a desindustrialização precoce se acelerou no segundo governo Lula, nos 5,5 anos dos governos Dilma. Pelos indicadores de desempenho da indústria em 2016, tudo indica que este processo deve continuar no governo Temer. Aliás a crise fiscal dos Estados e a recessão indicam que os anos de 2017 e 2018 já estão quase perdidos.
Países ricos também passam pelo fenômeno de desindustrialização, mas o efeito é diferente quando a indústria perde espaço para o setor de serviços avançados, como a produção de software, ciência, design, etc. Alguns países investiram na capacidade produtiva intelectual da população por meio de educação e pesquisa, o que gerou empregos mais sofisticados no setor de serviços. Neste caso é um processo de transformação e de geração de mais riqueza, e não necessariamente de perda dela.
A Unctad considerada que a desindustrialização é precoce quando uma economia não chega a atingir toda sua potencialidade produtiva manufatureira e, em vez de evoluir em direção à indústria de serviços com alto valor agregado – setor terciário – regride para a agricultura ou cai na informalidade.
Segundo Wilson Cano (dez. 2012), professor da Unicamp e pesquisador da industrialização brasileira, considera que o Brasil está passando por um forte processo de desindustrialização: “A industrialização atingida nas décadas anteriores deteriorou-se face à ausência de políticas industriais e de desenvolvimento e da conjugação de juros elevados, falta de investimento, câmbio sobrevalorizado e exagerada abertura comercial. Nesse contexto, ocorre uma desindustrialização nociva que fragiliza o país e compromete sua economia. Na ausência de uma política macroeconômica consentânea com a política industrial, o desenvolvimento fica comprometido. Por sua vez, cabe lembrar que o subdesenvolvimento não representa uma etapa ou acidente de percurso, mas um processo que se inicia com a inserção no mercado internacional capitalista no século XIX e, desse processo, o Brasil ainda não se libertou”.
Segundo Eduardo Gudynas (26/12/2009) “Décadas atrás, os chamados setores extrativistas como a mineração e o petróleo estavam no centro de muitas críticas: eram exemplo das chamadas ‘economias de enclave’, sob controle transnacional, geradores de enormes lucros, mas rodeadas por pobreza e impactos ambientais. A esquerda clássica sempre questionou esse tipo de economia, acompanhou muitos protestos sociais contra elas e proclamou a necessidade de alternativas. Hoje em dia, quando quase todos os governos da América do Sul estão nas mãos da esquerda, o extrativismo segue gozando de muita boa saúde. Em primeiro lugar, em quase todos os países sob governos progressistas se mantiveram os clássicos setores extrativistas: por exemplo, Hugo Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) apoiam decididamente a exploração de hidrocarbonetos, Evo Morales promove a mineração clássica e o gás, enquanto a chilena Michelle Bachelet persiste em expandir a mineração”.
Ou seja, o Brasil está passando por uma especialização regressiva da sua estrutura produtiva. Isto é péssimo para o desenvolvimento nacional. Se o país perde sua base industrial mais avançada isto tem um horrível impacto geral na economia e um efeito negativo na criação de trabalho e na geração de emprego formal.
No dia 25 de novembro de 2016, o IBGE divulgou os dados da PNAD 2015 (a última da série). Nota-se, pelo gráfico abaixo que a taxa bruta de ocupação (população ocupada sobre a população total) subiu para ambos os sexos entre 2002 e 2008 (primeiro governo Lula), o que coincide com uma ligeira recuperação da industrialização brasileira conforme mostrado no gráfico acima. O número de homens ocupados era de 46,8 milhões (54,7%) em 2002 e passou para 53,8 milhões (57,6%) em 2008. No mesmo período, o número de mulheres ocupadas passou de 32,9 milhões (36,7%) para 39,6 milhões (40,2%). Ou seja, a recuperação da indústria significou melhoria no mercado de trabalho.
Porém, com a valorização cambial e a perda de produtividade e competitividade da economia brasileira, o mercado de trabalho ficou estagnado entre 2008 e 20014 e caiu fortemente em 2015, acompanhando a deterioração da indústria nacional. A taxa bruta de ocupação masculina que estava em 57,6% em 2008 caiu ligeiramente para 56,9% em 2014 e teve uma grande queda para 54,6% em 2015. A taxa bruta de ocupação feminina que estava em 40,2% em 2008 subiu ligeiramente para 46,6% em 2014 e teve uma grande queda para 38,4% em 2015. As manifestações populares de junho de 2013 já foram resultado da perda de dinamismo do mercado de trabalho, que atingiu principalmente os jovens das grandes cidades do país. A baixa popularidade dos governos Dilma e Temer são também resultados da crise do mercado de trabalho.
Em 2015 o rendimento médio mensal real de todas as fontes (das pessoas de 15 anos ou mais de idade com rendimento) foi de R$1.746, 5,4% menor que em 2014 (R$1.845). Houve redução do rendimento médio recebido em todos os décimos da distribuição de renda. Cálculos do ex-ministro Marcelo Neri indicam que a queda do PIB de 3,8%, de 2015, jogou 3,6 milhões de brasileiros na pobreza, que atingiu a taxa de 10% da população do país. A desigualdade da renda pessoal (mas não funcional) caiu, mas isto significa apenas que todos estão mais pobres. E o mais grave é que a pobreza deve continuar subindo em 2016 e 2017, devido à piora do mercado de trabalho.
Depois das eleições presidenciais de 2014 o Brasil entrou em uma rota declinante. O gráfico abaixo, com base nos dados do CAGED/MTE, mostra que o Brasil já tem quase dois anos de perdas constantes do emprego formal. Em 23 meses, foram fechados quase 3 milhões de empregos formais, o que representa 129 mil vagas por mês ou 4,3 mil vagas por dia. Em outubro de 2016 foram perdidos 74.748 empregos, mostrando que a recuperação da economia ainda é uma meta distante.
De acordo com a PNAD Continua, do IBGE, no terceiro trimestre de 2016, a taxa composta da subutilização da força de trabalho (que agrega a taxa de desocupação, taxa de subocupação por insuficiência de horas e da força de trabalho potencial) ficou em 21,2%, chegando a 22,9 milhões de pessoas. No 2º trimestre de 2016, para Brasil, essa taxa foi de 20,9% e, no 3º trimestre de 2015, de 18,0%. Taxa de subutilização da força de trabalho das mulheres é de 25,3%
A taxa de desocupação (11,8% no Brasil) subiu em todas as grandes regiões no 3º trimestre de 2016 em relação ao mesmo período de 2015: Norte (de 8,8% para 11,4%), Nordeste (de 10,8% para 14,1%), Sudeste (de 9,0% para 12,3%), Sul (de 6,0% para 7,9%) e Centro-Oeste (de 7,5% para 10,0%). São mais de 12 milhões de desemprego aberto.
Além da perda de emprego, a desindustrialização significa perda de produtividade, perda de renda e perda de qualidade de vida. Desta forma, o Brasil está entrando em um processo não só de desindustrialização, mas também de des-desenvolvimento. O desperdício do bônus demográfico é o mesmo que jogar fora uma oportunidade ímpar para o avanço social. Não haverá outra janela de oportunidade igual.
Se continuar neste ritmo, o futuro da economia brasileira no século XXI vai ser voltar para a estrutura produtiva do século XIX. Será um retrocesso épico. Teremos não só uma geração perdida, mas um futuro sem perspectiva.
Referências:
FIESP. Panorama da indústria de transformação brasileira, DEPECON/FIESP,
CANO, Wilson. A desindustrialização no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 831-851, dez. 2012.
GUDYNAS, E. O novo extrativismo progressista na América do Sul, Correio Cidadania, 26/12/2009
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 28/11/2016