domingo, 30 de abril de 2017

BALEIA AZUL E 13 REASONS WHY : O QUE PODEMOS APRENDER ?

Automutilação, suicídio e bullying: o que podemos aprender a Baleia Azul e 13 Reasons Why


13 Reasons Why
Imagem: Wikipedia
Nas últimas semanas não se fala em outro assunto: o jogo da Baleia Azul e a série 13 Reasons Why. Em ambos uma coisa em comum: o suicídio de adolescentes. A BBC Brasil divulgou na semana passada dados que comprovam que o suicídio entre os jovens cresceu 27,2% entre 1980 e 2014. Portanto, a Baleia Azul e série da Netflix não podem ser julgados isoladamente pelas mortes dos jovens brasileiros. A problemática do suicídio é bem mais complexa.
Por mais revoltante que possa ser pensar que jovens perderam suas vidas “inspirados” ou “manipulados” por um jogo ou por uma série, podemos afirmar que a Baleia Azul e a 13 Reasons Why serviram para um despertar coletivo da sociedade sobre a necessidade de prestar mais atenção nos adolescentes, de ouvi-los verdadeiramente, de entender seus conflitos com um olhar mais atencioso e amoroso.
Para Thais Quaranta, psicóloga e neuropsicóloga, confundadora da NeuroKinder, virão outros jogos, outros filmes, outras séries. O que realmente precisa mudar é o comportamento em relação às crianças e aos adolescentes. “Todo ser humano tem necessidade de reconhecimento, de afeto e de atenção, incluindo os jovens. Enquanto os pais estiverem ocupados demais e não puderem entender a importância da presença na vida dos filhos, continuaremos a lidar com essas situações no cotidiano”, diz Thais.
“Muitos pais acreditam que a infância é a fase mais crítica e que quando os filhos crescem a atenção não é tão necessária. Isso é um equívoco. A adolescência é uma fase repleta de conflitos emocionais. Além disso, há mudanças fisiológicas importantes, como a perda de 30% dos receptores da dopamina, um neurotransmissor ligado à sensação de prazer e felicidade. Com isso, o adolescente pode ficar mais depressivo ou mal humorado. Sem contar que nessa fase a área do cérebro que controla os impulsos, planejamento de consequências e o pensamento de causa e efeito é pouco desenvolvida, levando o jovem a não prever os riscos envolvidos em certas situações”, explica Thais.
Os pais precisam ter em mente que são insubstituíveis na vida dos filhos. Isso é especialmente importante para casais que se separam. Não existe divórcio dos filhos. Outro ponto é que a internet tem “substituído” a presença dos pais e isso é muito prejudicial, principalmente porque não há controle sobre o conteúdo acessado.
Segundo Thais, há várias ameaças online, a Baleia Azul é apenas uma delas. “Quantos casos conhecemos de pedofilia online, por exemplo? Sem contar que para entrar em algumas redes sociais é preciso ter mais de 18 anos, portanto o que adolescentes estão fazendo no Facebook? Com quem eles falam? O que eles falam? Que tipo de site eles acessam? Quantas horas por dia eles ficam online?”.
“Hoje há um excesso de conectividade que pode, inclusive, levar o jovem à dependência da tecnologia. Esse abuso pode gerar isolamento social, que por sua vez pode levar à depressão. Portanto, como vemos, há urgência em rever o tipo de relacionamento dos pais com os filhos. É preciso sim exercer a autoridade para dar limites, para impor a disciplina. Isso é especialmente importante, por exemplo, para estabelecer regras de uso da internet, do celular”, diz Thais.
“Tudo é uma questão de bom senso. Na adolescência há um afastamento natural dos pais. Os pais precisam saber lidar com isso de forma respeitosa. Os limites devem ser colocados de forma afetuosa, não rígida demais. Os pais precisam também prestar atenção em mudanças de comportamento, como passar horas trancado no quarto, excesso ou falta de sono, excesso ou falta de apetite, mudança drástica na forma de se vestir, surgimento de amizades com pessoas mais velhas ou que tenham problemas com drogas ou álcool. Só é possível notar essas mudanças se os pais se dedicarem aos filhos com sua presença, afeto e atenção”, conclui Thais.
Colaboração de Leda Sangiorgio e Danielle Menezes, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/04/2017

A FORÇA DO RIC ( RÚSSIA, ÍNDIA E CHINA )

RIC (Rússia, Índia e China): o triângulo estratégico que pode mudar a governança mundial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


silk road routes
[EcoDebate] O termo BRIC (tijolo em inglês) foi inventado, em 2001, pelo economista Jim O’ Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, com o objetivo de orientar as empresas e os investidores mundiais como ganhar dinheiro com os grandes países “emergentes” do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China. Estes quatro países estão entre aqueles da comunidade internacional com maior território ou maior população. O termo fez grande sucesso, especialmente no período do superciclo das commodities. Mas no acrônimo original não havia nenhum país da África, o que era politicamente incorreto. Então foi incluída a África do Sul (South África) e o termo BRIC ganhou uma letra a mais, se transformando em BRICS (que seriam os tijolos da nova economia global). Porém, a África do Sul sempre foi um país muito pequeno (diante dos 3 gigantes) e o Brasil virou país submergente, depois de quatro anos de redução do PIB per capita (de 2014 a 2017). Quinze anos após a invenção do termo, os BRICS desmoronaram.
Mas tirando a primeira letra e a última, o acrônico vira RIC (Rússia, Índia e China) que são os três países que estão forjando uma nova aliança estratégica global e reconfigurando a governança mundial. A Rússia possui o maior território do mundo (área de 17,1 milhões de km², mais de duas vezes o tamanho do Brasil). Índia e China são os dois países mais populosos. Em 2016, a China tinha 1,38 bilhão de habitantes e a Índia 1,33 bilhão de habitantes (a Rússia tinha 143 milhões de habitantes). Daqui a 20 anos, em 2036, a China terá 1,39 bilhão e a Índia terá 1,66 bilhão (a Rússia terá 132 milhões de habitantes). Portanto, até 2036, Índia e China (IC), somarão mais de 3 bilhões de habitantes.
Em termos econômicos os RICs já são uma parcela significativa na economia internacional. Segundo dados de 2016, do FMI (em poder de paridade de compra – ppp), o PIB da China era de US$ 20,9 trilhões, o da Índia de US$ 8,6 trilhões e da Rússia de US$ 3,7 trilhões. Portanto, os RIC tinham um PIB conjunto (em ppp) de US$ 33,2 trilhões. Para comparação, o PIB dos EUA (em ppp), em 2016, era de US$ 18,6 trilhões. Os RIC caminham para ter uma economia duas vezes maior do que a americana e uma população quase dez vezes maior (embora a renda per capita seja entre cinco e seis vezes menor).
Artigo de Federico Pieraccini (11/03/2017) mostra que, enquanto o mundo continua a decifrar, ou digerir, as incógnitas da nova presidência isolacionista dos EUA, de Donald Trump, diversas mudanças importantes estão em andamento na área formada por Rússia, a Ásia Central, a Índia e a China. Enquanto os EUA enveredam no nacionalismo e no bairrismo, há avanços importantes no continente euro-asiático. Com uma população de mais de cinco bilhões de pessoas, o futuro da humanidade passa por esse imenso território. China, Rússia e Irã, estados euro-asiáticos fundamentais, estão esculpindo um papel de liderança no desenvolvimento do vasto continente. A Índia e a China são importantes consumidores de gás do Irã. Além disto, tanto a China quanto a Índia estão cooperando com a Rússia em uma base militar, o que ajuda a entender como Washington perde influência.
Ainda segundo Pieraccini, olhando para os grandes projetos dentro do continente euro-asiático, várias iniciativas se destacam. O projeto “One Belt, One Road”, proposto por Pequim (investimentos de cerca de um trilhão de dólares nos próximos dez anos); a União Econômica Euro-asiática (EAEU) onde Moscou busca integrar as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central; e as iniciativas do Irã no Oriente Médio com o objetivo de trazer estabilidade e prosperidade para a região da Eurásia. O papel indiano neste contexto é mais difícil de administrar, comprimido dentro de um sentimento anti-Paquistão e anti-chinês, bem como uma sujeição aos Estados Unidos, acompanhado de boa amizade histórica com a Federação Russa.
O papel de Nova Delhi nesta parte do mundo é o mais indecifrável, vendo os esforços da Índia (inescrutável) para avançar seus próprios objetivos estratégicos. A importância estratégica de Moscou e Teerã é essencial para equilibrar a posição indiana. Historicamente, a Índia era um importante aliado da URSS e a Índia continuava militarmente a avançar importantes projetos militares com a Rússia. Nos últimos anos, a República Islâmica do Irã tem contribuído grandemente para a diversificação da oferta de energia indiana. O fato de Teerã ser um parceiro privilegiado de Pequim mostra como é um mundo multipolar e também ajuda a equilibrar o sentimento anti-chinês profundamente enraizado no establishment indiano. Neste caso, a Rússia e o Irã estão claramente desempenhando um papel mediador entre a China e a Índia.
Ainda segundo o autor, a estratégia global das três principais nações eurasiáticas visa, principalmente, fortalecer as fronteiras nacionais dos países com as regiões mais turbulentas. Em uma visão estratégica, que historicamente incorpora décadas de planejamento, Teerã, Moscou e Pequim compreenderam plenamente que a estabilidade é o principal objetivo a ser alcançado a fim de promover efetivamente o desenvolvimento econômico que beneficia todas as nações envolvidas. O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, entendeu os ganhos potenciais da cooperação multipolar e o caminho seguido por seu país nos últimos meses forja um caminho para todas as outras nações asiáticas, especialmente depois que os EUA abandonaram a Parceria Trans-Pacífico (TPP).
O fato é que Rússia, Índia e China (RIC) estão assumindo um protagonismo crescente na Eurásia, com forte influência nos oceanos Pacífico e Índico. Não será difícil ampliar esta influência para a África e a América Latina. A China já é líder na produção de energias renováveis e tem um projeto de construir uma rede elétrica global UHVDC de US$ 50 trilhões até 2050. Isto seria fundamental para a mudança da matriz energética e para a redução das emissões de gases de efeito estufa (Alves, 13/03/2017).
Parece que as elites ocidentais (Estados Unidos e Europa) vão ter que se conformar com um papel diminuído na futura ordem internacional. Isto abre espaço para que o “Consenso de Beijing” substitua o “Consenso de Washington”. Enquanto os EUA constroem muro e a Europa se fecha aos imigrantes e refugiados, os RIC fortalecem um triângulo que está mudando a correlação de forças econômicas globais e a governança internacional. A união dos RICs vai fortalecer a China e apequenar os EUA.
Sob a liderança da China, a política “One Belt, One Road” (um cinturão, uma estrada), que foi anunciado pelo Presidente chinês Xi Jinping em 2013, é um plano estratégico de desenvolvimento que consiste na criação de um corredor econômico, lançado através de uma nova rota da seda. Fazem parte da nova rota, a “Silk Road Economic Belt” (cinturão econômico rota da Seda – que ligará a China com a Europa através da Ásia Ocidental e Central), e a “21st Century Maritime Silk Road” (Rota da seda marítima do século XXI – que ligará a China com os países do Sudeste Asiático, a África e a Europa). E como o nome indica, são circuitos inspirados na antiga rota da seda, que ligava o oriente e o ocidente que foi criada em 200 a.C. (ver figura acima). A China também tem liderado a transição energética para uma matriz renovável, uma mudança na indústria automobilística para os carros EVs plugin e está liderando a instalação de redes elétricas inteligentes. Tudo isto é uma amostra da transição do processo de Ocidentalização para o processo de Orientalização.
Artigo de Jeffrey Sachs “Eurasia is on the rise. Will the US be left on the sidelines?” (09/04/2017) diz: “A maior tendência geopolítica da atualidade não é a “America First”, ou a guerra global contra o terror, ou o Brexit, ou a Guerra Fria renovada com a Rússia. A novidade é a integração econômica da Europa com a Ásia, especialmente a União Europeia com a China. A Europa e a Ásia convivem com a maior massa terrestre do mundo, a Eurásia. Eles estão cada vez mais conectados economicamente também. O protecionismo e a belicosidade de Trump acelerarão a integração da Europa e da Ásia e ameaçarão deixar os Estados Unidos à margem da economia e da governança global”.
O livro do jornalista Gideon Rachman, “Easternization: Asia’s Rise and America’s Decline From Obama to Trump and Beyond” mostra como tem se dado a ascensão dos países asiáticos. Ele argumenta que a crescente riqueza das nações asiáticas está transformando o equilíbrio internacional de poder. Especialmente a China, que mesmo com seus problemas (especialmente os ambientais), já está desafiando a supremacia dos Estados Unidos e da Europa.
Já o livro do pesquisador Graham Allison, “Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?” aponta para a possibilidade de uma Guerra entre EUA e China. A razão é a “Armadilha de Tucídides”, que se refere a um padrão mortal de estresse estrutural que resulta quando um poder crescente desafia um poder governante hegemônico. Esse fenômeno é tão antigo quanto a própria história. Sobre a Guerra do Peloponeso que devastou a Grécia antiga, o historiador Tucídides explicou: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável.” Nos últimos 500 anos, essas condições ocorreram dezesseis vezes. A guerra estourou em doze deles. Pode acontecer agora com EUA e China.
No início de abril de 2017, o presidente chinês Xi Jinping se reuniu, pela primeira vez, com Donald Trump, na residência de Mar-a-Lago, para tratar dos crescentes conflitos existentes entre as duas maiores economias do mundo. O presidente americano prometeu pressionar a China. Mas como um “Tigre de Papel” nada fez de concreto e ainda desviou o assunto com o lançamento de mísseis contra uma base aérea da Síria. O resultado foi bom para Xi Jinping que não teve que ceder nada para as pressões de Trump. A China continua com grandes superávits comerciais com os EUA, que em 2016 foi de cerca de US$ 350 bilhões. A China segue o seu caminho ascendente e os EUA seguem sua tendência declinante. Um conflito direto, no momento, foi adiado.
Mas, em vez de fortalecer os laços econômicos e culturais, a proposta do presidente Trump é aumentar os gastos militares e reduzir o gasto social. Ele pretende diminuir imposto para os ricos e fazer um grande programa de investimento em infraestrutura, o que deve elevar a dívida pública. Artigo de Eric Pianin (10/04/2017) mostra que a dívida pública americana deve ter um crescimento exponencial nas próximas 3 décadas, podendo variar de 150% do PIB a 225% do PIB (como mostra o gráfico abaixo), dependendo da dinâmica econômica.
continuing current policies would increase debt
Sem dúvida, os EUA são uma potência em declínio relativo e com sérias dificuldades econômicas pela frente. A situação da Europa Ocidental não é menos dramática. Segundo Walter Laqueur, autor do livro “Os Últimos Dias da Europa – Epitáfio para um Velho Continente”, o continente europeu vive um estado de letargia, vive uma crise do sistema do “welfare state”, um declínio demográfico, uma pressão de refugiados e imigrantes muçulmanos e africanos e está dilacerada por tensões multiculturais, além de sofrer constantes ataques de terrorismo. Para Roger Cohen, “enquanto a Europa se enfraquece pela ascensão de partidos de esquerda e da direita antimigratória, pelo esfacelamento da periferia grega, uma Europa que vira as costas para os vizinhos orientais, egoísta e sem base moral, enquanto Moscou e Pequim tramam o futuro da Eurásia. Vladimir Putin tem ideias. A Europa, por enquanto, não tem nada”.
Enquanto isto, a Rússia, a Índia e a China (RIC) vão reconfigurando a Eurásia e se fortalecendo para enfrentar uma ofensiva americana no futuro, quando o peso econômico e político dos RICs será maior e o peso da “America First” será menor. A Europa também tende a ser uma região periférica da Eurásia e ficar condicionada aos avanços da China e os RICs.
A Turquia é o país que faz a ponte entre a Ásia e a Europa e é um candidato a entrar na União Europeia. Mas a Turquia vive há meses momentos de turbulência em razão de uma tentativa de golpe por parte das forças armadas, que tentaram tomar o poder assumindo o controle de aeroportos e redes de televisão, além de bloquear pontes na capital Ancara e em Istambul. Contudo, essa tentativa, foi sufocada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. No domingo, 16 de abril de 2017, houve um referendo constitucional para promover as maiores mudanças políticas já vistas desde a fundação do país em 1923. O país está em estado de emergência desde o ano passado. A vitória apertada (51% x 49%) de Erdogan, ligado ao partido islâmico- conservador AKP e que assume abertamente atitudes repressivas contra os seus opositores, foi contestada pela oposição. Isto indica que a maior democracia do mundo islâmico vai enfrentar um período difícil pela frente e é mais uma frente de conflito numa região sobre hegemonia da OTAN. A Turquia praticamente saiu da União Europeia antes de entrar e é mais um sinal de fraqueza da área do Euro.
Também a eleição da França é um marco, pois indica o fim do bipartidarismo e mostra uma sociedade extremamente polarizada, em declínio do padrão econômico, com crescimento dos problemas sociais, aumento da violência, de atentados terroristas e sem saber se quer ficar na União Europeia ou se afundar no isolacionismo e na xenofobia. O presidente François Hollande, com baixíssima popularidade, desistiu de se candidatar e contribuiu para a maior derrota do Partido Socialista em décadas. O candidato da esquerda socialista, Benoît Hamon, sofreu uma derrota histórica. O Partido Republicano também fracassou.
Entre os 11 competidores, quatro estavam próximos de um empate na véspera do primeiro turno: o centrista Emmanuel Macron (24%), a ultradireitista Marine Le Pen (22%), o conservador François Fillon (19%) e o dito ultraesquerdista Jean-Luc Mélenchon (19%). No domingo (23/04), os eleitores classificaram no topo da escolha Emmanuel Macron e Marine Le Pen. Desta forma, o segundo turno será entre um candidato centrista (provável vencedor final) e uma candidata de extrema direita. Portanto, a despeito do bom desempenho de Jean-Luc Mélenchon (19%), o conjunto da esquerda francesa teve uma derrota esmagadora.
Não se sabe se o próximo presidente eleito terá maioria parlamentar, pois a governabilidade vai ser decidida nas eleições legislativas de junho e será bastante difícil o presidente conseguir uma maioria sólida no Legislativo. Uma próxima presidência apequenada não é um destino improvável. A França tem assento permanente no Conselho de segurança da ONU e é um país chave da União Europeia. Por isto, o populismo e o enfraquecimento da França têm impacto global. A França foi o berço do Iluminismo que promoveu a racionalização do mundo e fortaleceu os valores dos Direitos Humanos no sistema democrático. Mas o momento atual mostra que os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade estão cada vez mais enfraquecidos diante das crises civilizacional e ambiental.
A Europa – que já foi a vanguarda da globalização e do desenvolvimento capitalista – tende a ser parte da periferia da Eurásia e cada vez mais dependente do progresso da China. Há de se considerar que em outras épocas históricas, a mudança de hegemonia não ocorreu pacificamente e o mundo sofreu duas Guerras Mundiais na tentativa da Alemanha de se tornar a maior potência global. Novamente uma Europa dividida e enfraquecida pode assustar o mundo.
Além do mais, a ascensão da China (e seus aliados) ao posto de superpotência do século XXI pode estar ameaçada, de início, pela sobrecarga da pegada ecológica, pela insustentabilidade da contínua degradação ambiental e pelas mudanças climáticas. Enquanto as civilizações se revezam nos ciclos históricos, o Planeta pode não suportar esta troca estratégica de hegemonia e pode sucumbir diante do alto grau de dominação e exploração dos recursos ecossistêmicos e o definhamento da comunidade biótica.
Referências:
ALVES, JED. A China e a Rede Elétrica Inteligente global, renovável e UHVDC , Ecodebate, RJ, 13/03/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/03/13/china-e-rede-eletrica-inteligente-global-renovavel-e-uhvdc-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Federico Pieraccini. The Strategic Triangle that Is Changing the World, Strategic Culture, 11/03/2017
http://www.strategic-culture.org/news/2017/03/11/strategic-triangle-that-changing-world.html
Eric Pianin. All Those Warnings About the National Debt May Understate the Problem,
April 10, 2017
http://www.thefiscaltimes.com/2017/04/10/All-Those-Warnings-About-National-Debt-May-Understate-Problem
Gideon Rachman. Easternization: Asia’s Rise and America’s Decline from Obama to Trump and Beyond, 2017
https://www.amazon.com/Easternization-Asias-Americas-Decline-Beyond/dp/1590518519
Graham Allison. Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?, 2017
https://www.amazon.com/Destined-War-America-Escape-Thucydidess/dp/0544935276
JEFFREY SACHS. Eurasia is on the rise. Will the US be left on the sidelines?, Boston Globe, 09/04/2017
http://www.bostonglobe.com/opinion/2017/04/09/eurasia-rise-will-left-sidelines/RjCjzDf8edwngjWoMfzL6M/story.html

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/04/2017

sábado, 29 de abril de 2017

TREZE MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES.

A MOTIVAÇÃO AUMENTA E A RESPONSABILIDADE TAMBÉM.

SEIS MITOS DA REFORMA TRABALHISTA.

SEIS MITOS DA REFORMA TRABALHISTA
Não há evidências que sustentem as teses apresentadas pelo governo. Aumentar a flexibilidade dos contratos de trabalho e reduzir direitos, além de não gerar empregos, fragilizará ainda mais o trabalhador, debilitará seus planos de vida e piorará as condições de trabalho no país, escrevem Ana Luíza Matos de Oliveira, economista (UFMG), e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp) e Juliana Duffles Donato Moreira, economista pela UFRJ, especialista em Políticas Públicas, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp - ambas integrantes do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp - em artigo publicado por Brasil Debate, 27-04-2017.
Eis o artigo.
Órgãos oficiais confirmam a extensão da crise econômica enfrentada pelo Brasil: o PIB, que caíra 3,8% em 2015, recuou 3,6% em 2016. A taxa de desemprego, que decrescia desde 2003 e atingiu o menor valor da série história em 2014, quase dobrou desde 2015, atingindo 13,5 milhões de pessoas no início de 2017.
Além da destruição de postos de trabalho, o aprofundamento da crise econômica tem resultado em precarização do emprego e queda real dos salários.
Hoje, os meios de comunicação e o governo apontam que a culpa da crise no mercado de trabalho é dos trabalhadores, que têm muitos direitos. Esse foi o mesmo discurso da crise dos anos 1970 com Thatcher e Reagan, que fortaleceu o neoliberalismo na teoria e na prática nos países centrais, levando-os aos países periféricos: no Brasil dos anos 1990, reproduziu-se esse mesmo discurso. Portanto, nada de novo ou moderno até aqui.
Uma proposta priorizada pelo Governo e já sancionada é a terceirização irrestrita para qualquer nível de atividade e não somente na atividade meio, por meio do PL 4302/1998. A segunda é a proposta de Reforma Trabalhista (PL 6787/2016), cujo cerne é a prevalência do negociado sobre o legislado, parecendo ignorar que a CLT não impede que ocorram negociações para além do que a lei estabelece desde que sejam para mais. Nesse sentido, o negociado prevalecer sobre o legislado significará a possibilidade de contratações em patamares inferiores aos estabelecidos pela legislação, com a redução de direitos.

Mas, vejamos alguns mitos que baseiam a reforma trabalhista.

1.Flexibilizar gera emprego. Estudos recentes demonstram não haver correlação entre rigidez da legislação trabalhista e nível de emprego, mas sim uma correlação entre crescimento econômico e geração de empregos (Baccaro e Rei, 2007). Até o Fundo Monetário Internacional (FMI), conhecido pelo apoio a medidas de flexibilização, aponta em recente relatório que leis trabalhistas não afetam a produtividade e a competitividade do país.
2.Flexibilizar poderia gerar emprego no Brasil. Durante os anos 1990, a flexibilização das leis trabalhistas foi testada no país, com instituição de contratos parciais e temporários. Ao contrário da retórica oficial, houve crescimento do desemprego e aumento dos postos de trabalho com baixa proteção. Entre 2003 e 2014, no entanto, foram criados 20 milhões de empregos formais, com carteira assinada e alcançada a menor taxa de desemprego que se tem registro na série histórica sem reforma trabalhista, mas com as mesmas regras que hoje o governo responsabiliza pelo desemprego.
3.A legislação trabalhista brasileira é ultrapassada. É uma falácia caracterizar como ultrapassada a legislação trabalhista no Brasil, considerando os diversos ajustes já realizados na mesma, inclusive no processo Constituinte de 1987-88. Também é falso justificar a suposta “modernização” da legislação trabalhista responsabilizando “encargos sociais” pela rigidez no mercado de trabalho. Se o mercado de trabalho brasileiro é rígido, como a taxa de desemprego quase dobrou em dois anos? É importante pontuar que, na maioria dos casos, “modernizar” as relações trabalhistas significa retirar direitos historicamente conquistados, “modernizando” o país de volta aos anos 1930.
4.O mercado de trabalho brasileiro é rígido e o trabalho é caro. Historicamente, o Brasil apresenta uma das taxas de rotatividade mais altas do mundo (46% ao ano) e alto grau de informalidade, fatores que reforçam a importância não da flexibilização, mas da regulação do emprego. Há também contratos parciais e temporários. Quanto ao custo do trabalho supostamente alto no Brasil, em 2016, por exemplo, o custo da hora trabalhada no setor industrial chegou a U$ 2,90 por hora, valor abaixo do verificado na China (U$ 3,60 por hora no mesmo período). Aqui, os baixos salários tendem a variar nos ciclos econômicos, com grande heterogeneidade estrutural, o que reforça a importância da regulação do emprego.
5.Terceirizar é uma boa opção para os trabalhadores. Estudos mostram que a terceirização leva a condições de trabalho mais precárias, salários menores e jornadas maiores, ampliando a precarização no mercado de trabalho.
6.Com a redução dos custos, o empresário poderia contratar mais. A lógica empresarial não tem como objetivo gerar empregos e sim lucros. A empresa só contrata a quantidade de trabalho necessária para realizar a produção planejada. Se não houver expectativa de aumento de produção, uma possível redução de custos será revertida em aumento de lucros e não contribuirá para reduzir o desemprego. Além disso, uma empresa pode até lucrar mais ao reduzir sua folha de salários. No entanto, se todas as empresas reduzirem salários, cairá o consumo e o crescimento, significando menos vendas e lucros para todas as empresas. Portanto, as políticas de arrocho salarial são, na realidade, um tiro no pé. Além de não gerar empregos, têm o efeito de reduzir o nível geral de salários e de consumo, reforçando a atual tendência recessiva: as medidas propostas pelo governo para o mercado de trabalho não beneficiam os trabalhadores, tampouco o setor produtivo.
Não há evidências, portanto, que sustentem as teses apresentadas pelo governo ou pela grande mídia. Aumentar a flexibilidade dos contratos de trabalho e reduzir direitos, além de não gerar empregos, fragilizará ainda mais o trabalhador brasileiro, debilitará seus planos de vida e piorará as condições de trabalho no país.
Diante disso, antes de pressionar pela aprovação de reformas que ampliam a precarização e retiram direitos, o governo Temer deveria apresentar uma agenda de crescimento econômico que articule a política macroeconômica – fiscal, monetária e cambial – com medidas de desenvolvimento industrial e tecnológico, ampliação dos investimentos públicos e ações que ajudem a recuperar o investimento privado.
Por isso, especialmente no dia 28 de Abril de 2017, precisamos dizer não à tentativa de nos convencer de que ter menos direitos é bom e necessário. Precisamos dizer não à reforma trabalhista e à reforma da previdência, que vão no sentido de reduzir direitos dos trabalhadores e criar uma sociedade ainda mais desigual.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

ONU E BRASIL : PRINCIPAIS DESAFIOS DAS CIDADES BRASILEIRAS.

Sistema ONU no Brasil participa de encontro com prefeitos para discutir a implementação dos ODS

Representantes de agências da ONU participam nesta semana – de 24 a 28 de abril –, em Brasília, do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, que discutirá soluções para os principais desafios das cidades brasileiras.


! E até sexta-feira, milhares de participantes vão contribuir para a reinvenção da governança nas cidades.
Representantes de agências da ONU participam nesta semana – de 24 a 28 de abril –, em Brasília, do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, que discutirá soluções para os principais desafios das cidades brasileiras.
Realizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o evento bianual reúne prefeitos de todo país, além de ministros, parlamentares, secretários municipais e estaduais, pesquisadores, estudantes e integrantes de delegações estrangeiras e organismos internacionais.
A edição deste ano discutirá também a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos contextos estaduais e municipais, parte da agenda de desenvolvimento aprovada pelos Estados-membros das Nações Unidas no fim de 2015 e que deve ser cumprida até 2030.
A expectativa é de que o Encontro, realizado no Estádio Nacional Mané Garrincha, reúna ao menos 10 mil participantes. Com salas temáticas, arenas de diálogo e atividades culturais, o evento tem apoio de mais de 100 instituições nacionais e internacionais.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, enviou uma mensagem ao encontro afirmando ser fundamental adaptar a Agenda 2030 sobre o desenvolvimento sustentável às realidades locais.
“Tenho profunda satisfação em me dirigir a todos vocês nesse Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável. A construção de sociedades inclusivas e sustentáveis é um dos maiores desafios desse século, e o engajamento de diferentes setores é fundamental para que, juntos, consigamos erradicar a pobreza, promover o crescimento econômico, criar sociedades pacíficas e combater as mudanças climáticas”, disse Guterres (acesse abaixo na íntegra).
Participação das Nações Unidas
Parceiro da FNP desde o primeiro EMDS, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) colaborou com a Frente na coordenação do evento, buscando alinhamento com os ODS. Responsável por duas salas temáticas, o PNUD contará nelas com a participação de outros organismos das Nações Unidas. Além disso, assinará, no evento, um Protocolo de Intenções com a FNP e a Caixa para viabilizar a segunda fase do Observatório dos Consórcios Públicos. Também terá participação em apresentação especial no formato TED sobre ODS na gestão municipal.
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) acompanhará a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo na mesa de debates “Cidades inclusivas e igualitárias”, que ocorrerá na terça-feira (25), às 9h (horário de Brasília), na sala temática “Cidadania, participação social e o direito à cidade”.
O debate com o ACNUR abordará soluções que busquem tornar os espaços urbanos mais inclusivos, considerando as oportunidades e necessidades de migrantes e refugiados.
Ainda na mesa “Cidades Inclusivas e Igualitárias”, o especialista da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Andrés Morales (Uruguai), fará apresentação no debate “Solução Inovadora: Coalizão Internacional de Cidades Inclusivas e Sustentáveis (ICCAR) e Coalizão Latino-Americana e Caribenha de Cidades contra a Discriminação, o Racismo e a Xenofobia”.
Na quarta-feira (26), às 16h30, durante a cerimônia de posse da diretoria da FNP, a UNESCO lança a Coalizão de Cidades contra o Racismo e a Discriminação, com a presença do especialista no tema Andrés Morales e da representante adjunta do escritório da UNESCO no Brasil, Marlova Noleto. Na ocasião, os prefeitos serão convidados a aderirem à Coalizão Latino-Americana e Caribenha e ao Plano de Ação de 10 Pontos.
A UNESCO também estará presente em debate da Sala temática 18, quando a oficial de projeto de cultura, Isabel de Paula, participa da mesa 2 sobre “Garantir o acesso às atividades culturais e a participação dos jovens na criação de produtos culturais”, prevista para terça-feira (25), às 9h.
O Fundo de População da ONU (UNFPA) indicou debatedores e participa como mediador das mesas “Cidades inclusivas e igualitárias” e “Construir políticas inter-setoriais para crianças, adolescentes e jovens como instrumentos para a inclusão social no município”.
Outras mesas que terão participação do UNFPA incluem “Contribuir para o enfrentamento à violência contra adolescentes ou jovens” e “Desigualdades, desproteções e territórios: o papel do governo local”.
Já a ONU Mulheres participará de debates sobre políticas para as mulheres, igualdade de gênero e sustentabilidade na administração municipal.
Na terça-feira (25), às 14h15, o tema “Igualdade de Gênero e a Participação Política de Mulheres no Nível Local” será abordado pela representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, pela professora da Universidade de Brasília, Lia Zanotta, e pela senadora Regina Sousa.
Na sexta-feira (28), a gerente de programas da ONU Mulheres, Joana Chagas, apresentará a iniciativa Orçamentos Sensíveis a Gênero, voltado à inclusão da perspectiva de gênero nos orçamentos públicos. A apresentação ocorrerá na mesa de debate “Financiamento e implementação da Agenda 2030 no meu município”, programada para as 9h.
As mesas das quais a ONU Mulheres participará incluem moderação de representantes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que por sua vez promove oito mesas temáticas.
Na sala temática “Cidadania, participação social e o direito à cidade”, as mesas de debate do PNUD discutirão as ferramentas para promover a participação no município; igualdade de gênero e participação política de mulheres no nível local; cidades inclusivas e igualitárias; e as redes sociais como forma de participação social. Na sala “Financiamento e implementação da Nova Agenda Urbana e dos ODS”, o PNUD tem mais quatro mesas de debate: “A relevância da Agenda 2030 para os municípios”, “Benefícios da Implementação da Agenda 2030 no município”, “A Nova Agenda Urbana como oportunidade de investimento no meu município”e “Financiamento e implementação da Agenda 2030 no meu município”.
Temas como a nova agenda urbana e oportunidades de investimento, financiamento e benefícios da implementação da Agenda 2030 e a relevância dos ODS para os municípios serão discutidos na Sala Temática “Financiamento e implementação da Nova Agenda Urbana e dos ODS”.
Financiado pela ONU Meio Ambiente e pelo World Resource Institute Brasil, o painel “Como transformar as cidades por meio do transporte a pé e de bicicletas” tratará de opções de mobilidade de baixo carbono. O debate está agendado para dia 27 às 9h.
Serviço:
IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável
Data: de 24 a 28 de abril.
Local: Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília.
Acesse o site do evento para a programação completa: http://www.emds.fnp.org.br/
Localize a ONU no evento:
Sala temática 9: Financiamento de Implementação da Nova Agenda Urbana e dos ODS
Mesa 9.1 – A relevância da Agenda 2030 para os municípios.
Mesa 9.2 – A Nova Agenda Urbana como oportunidade de investimento no meu Município
Mesa 9.3 – Benefícios da implementação da Agenda 2030 no município
Mesa 9.4 – Financiamento e implementação da Agenda 2030 no meu município.
Sala temática 12: Desafios da mobilidade urbana
Mesa 12.1 – Como qualificar o transporte coletivo e atrair novas fontes de recursos
Sala temática 17: Cidadania, participação social e o direito à cidade
Mesa 17.1: Ferramentas para promover a participação no município.
Mesa 17.2 – Cidades inclusivas e igualitárias.
Mesa 17.3 – Igualdade de gênero e participação política de mulheres no nível local.
Mesa 17.4 – As mídias sociais como forma de participação social e disseminação da informação.
Sala temática 18: Responsabilidades das políticas setoriais com a Juventude
Mesa 18.1 – Construir políticas intersetoriais para crianças, adolescentes e jovens como instrumentos de garantia de direitos e inclusão social no município
Mesa 18.2 – Garantir o acesso às atividades culturais e a participação dos jovens na criação de produtos culturais
Mesa 18.3 – Contribuir para o enfrentamento à violência contra adolescentes ou jovens

Sala temática 19: Conhecer e intervir: desafios dos governos locais no enfrentamento das desigualdades sociais
Mesa 19.1 – Desigualdades, desproteções e territórios: o papel do governo local
Fonte : ONUBR

SECA E RESILIÊNCIA NA ÁFRICA ORIENTAL

Seca e Resiliência na África Oriental – Como os camponeses e pastores enfrentam a fome
Fonte : África Oriental. Mapa: Wikipedia
Já não se trata de medidas preventivas a serem adotadas para evitar problemas futuros: a mudança climática já está em marcha e seus efeitos são devastadores principalmente nas regiões suscetíveis à seca. Ironicamente, são os países mais pobres os que menos poluem e os que sofrem o impacto maior. As esperanças contudo, resistem. Os agricultores da África contra-atacam e sua resiliência é crítica para a segurança de nossos alimentos.

Sem o respaldo de subsídios governamentais e de leis que protejam os direitos dos camponeses como ocorre em outros países desenvolvidos, os homens do campo na África ganham as próprias vidas resistindo às mais rígidas das condições econômicas e ambientais. Secas e carestias severas têm sido um problema contínuo que nas últimas décadas veio agravando-se na África Oriental afetando a dezenas de milhões de pessoas e seus rebanhos. Adiante fornecemos exemplos de uma crise em ato em Quênia, Tanzânia e Uganda em 2017, que pode ser a pior dos últimos 70 anos.

No Quênia, o Governador do distrito de Marsabit, Ukur Yatani, conta-nos que “a situação da seca torna-se pior e pode levar à perda de vidas se o governo protelar medidas de intervenção urgentes.” Os pastores nômades cujo sustento depende dos rebanhos foram os que mais sofreram o impacto da seca. Tumal Orto oriundo de North Horr, um sub município de Marsabit e membro da rede Indígena de Terra Madre declarou, “deparamo-nos com um desafio enorme quando vemos secar todos os poços (o mais próximo situa-se a 80 km de nossa aldeia), não há pastos para os animais, não há alimento para as pessoas e a situação piora.” No Município de Baringo, houve uma redução drástica na produção leiteira. Isaac, um pastor, disse-nos “as distâncias até os poços de água potável estão aumentando e coloca as vidas das pessoas e dos animais em perigo. O governo lançou uma iniciativa para comprar cerca de 100.000 animais procedentes das áreas mais afetadas pela seca tentando assim amparar os agricultores face aos possíveis prejuízos causados pela seca e perda de pastos.”

Nos pomares Kiti family community garden (Pomar familiar comunitário de Kiti) e Michinda school garden (Pomar escolar de Michinda) do Slow Food, a falta de chuva fez com que os pássaros destruíssem as sementes de sassafrás, bredo-branco, sorgo e painço. “Antes que o sorgo e o painço estivessem prontos para a colheita, os pássaros os comeram, deixando-nos sem as sementes para a safra do próximo ano” disse Jackson, patrocinador da horta escolar de Michinda.

Na região Oeste de Uganda, uma das Fortalezas de Slow Food a Teso Kyere finger millet varieties (Variedades de milho miúdo Teso Kyere) sofreu uma consistente perda de sementes além da destruição da colheita de bananas entre outras plantações. Além disso, as variedades híbridas comercializadas como sendo resistentes à seca não saíram-se nada bem. De fato, os cultivadores de painço da região Teso mostram que as variedades locais tiveram um rendimento melhor com relação às híbridas. Em outra região, no denominado ‘Corredor Pecuário’ do país, 5 meses sem chuvas significaram para as famílias não apenas a perda de algumas reses e sim a perda de rebanhos, obrigando os criadores a percorrerem longas distâncias em busca de pastos para os animais sobreviventes. Os integrantes da Fortaleza Slow Food Ankole Long–Horned Cattle (Bovinos da raça Ankole Long-horned) tiveram que percorrer à pé mais de 40 km para encontrar pastos aceitáveis. A situação é agravada pela queda do preço do mercado de bovinos que foi severa nessas áreas. Em Nakasongola, o preço médio por uma rês caiu de 500.000 Shilings Ugandenses para menos de 50.000.

O Centro e Norte da Tanzânia tiveram escassíssimas chuvas este ano e muitas das lavouras dessas regiões não cresceram. Mnayah Mwambapa, membro da rede de Slow Food na Tanzânia, contou-nos como os conflitos entre camponeses e pastores têm aumentado: “Devido à falta de pastos para seus rebanhos, os pastores têm invadido os campos vizinhos para alimentar seus animais.” A região do Kilimanjaro sofreu escassez de água e secas prolongadas. Em Kigoma, a escassez de chuvas e o declínio do rendimento das lavouras são evidentes.

Não obstante os longos períodos de escassez de chuvas na África Oriental, os camponeses e pastores de Quênia, Tanzânia e Uganda, têm tido sucesso no uso dos conhecimentos tradicionais para sobreviverem à seca atual. Como conseguem produzir suas safras e conservar seus rebanhos?

Adrofina Gunga, membro da rede de Slow Food em Dar es Salaam explica como ela e seu filho obtiveram colheitas de sua plantação de girassóis. “Depois de termos visto a perda da safra de milho em Kigoma, meu filho resolveu cultivar girassóis, e deu certo.”

No Quênia, a estiagem foi severa e teve início em 2016 e os agricultores passaram mais de 5 meses sem chuvas. Assim mesmo, Salome Njeri Mwangi, coordenadora do pomar familiar Karirikania Family Garden (Pomar Familiar de Karirikania) de Slow Food no Quênia e representante da Fortaleza Mau Forest Dried Nettles (Urtigas secas da Floresta Mau) nos contou que seu pomar ainda estava verde. “Mesmo que estejamos já ha alguns meses sem chuva e que meu pomar não tenha um bom aspecto, ele ainda está verde e possui algumas verduras (como uma variedade local de couve, amaranto, urtiga, cebolinhas, erva-moura, etc.) e frutas (como tomate-de-árvore, melão-pepino, morangos, etc.), tubérculos (como mandioca, batata-doce e batata) e leguminosas (como favas e feijão-frade) dos quais ainda nos nutrimos visto que os preços dispararam em decorrência do aumento da demanda e da escassez de abastecimento.” Ela conta que o segredo para derrotar a seca está em garantir a fertilidade do solo. Disse-nos que conseguiu obter uma melhor capacidade de retenção de água dos solos aplicando a cobertura de palhagem às plantas obtendo assim que a demanda de irrigação fosse menor. Ela também explicou a importância de cultivar variedades resistentes à seca que requerem menor quantidade de água. “Temos que cultivar mandioca, urtiga, inhame, feijão comum, grão-de-bico, ervilha-de-angola, sorgo, painço e verduras nativas como amaranto ou erva-moura.”

Tumal Orto do Município de Marsabit contou-nos: “Meus antepassados criaram camelos e cabras por gerações ao longo de 235. Eu ainda os crio e não importa em que situação me encontre, eu sobrevivo à seca. Durante os períodos de abundância, sempre consumo pensando no futuro. É assim que nos preparamos. O segredo da resiliência é adotar uma “capacidade de adaptação” para garantir que se terá o suficiente tanto nos períodos de abundância como nos de carestia, conseguindo evitar mortes. Antes da seca, todos os meus animais estavam em boas condições e agora ainda tenho 90% das reses que tinha. Nenhuma das reses morreu por falta de água ou de alimento e estão saudáveis por causa da capacidade de adaptação. Creio que se todos obedecêssemos mais a esse princípio os pastores estariam numa situação melhor.”

O problema, é claro, não fica limitado a esses países. Na Somália, a população enfrenta uma das piores secas de que se tem memória e com menos ajudas vindas do perenemente fraco governo. Na Somália, assim como ocorre em outros países, são os próprios agricultores que tentam encontrar as soluções para produzirem a quantidade de alimentos que a população necessita.

Citando as palavras de Carlo Petrini durante a conferência COP22 que levou ao Acordo de Paris, “Para abordar o problema do aquecimento global, é imprescindível que os governos renovem e incrementem o compromisso de limitar as emissões. Mas isto, por si só, não é suficiente. É preciso também uma mudança dos paradigmas econômicos, sociais e culturais que possam transformar radicalmente o atual sistema de produção de alimentos.” Os governos dos países mais ricos e poluidores, movem-se lentamente na implementação de leis decisivas e concretas que combatam, a partir do topo, esse problema mundial. Entretanto, a verdadeira crise e as soluções a ela devem ser enfrentadas pelas pessoas do campo que estão na linha de frente, num trabalho que parte das bases comunitárias para chegar ao topo, no sentido de organizarem a resistência a um problema do qual não foram as causas.

Trabalhos citados

Estudo da FAO sobre Mudanças Climáticas (2017) Procedente de http://www.fao.org/climate-change/en/  

Thompson, William. (15 de julho de 2017). Visiting drought prone regions in Tanzania. (Visita às regiões sujeitas a secas na Tanzânia). Procedente de http://canwefeedtheworld.wordpress.com

Significant Vuli crop losses to heighten food insecurity. (Perdas significativas da safra da estação Vuli aumentam a incerteza quanto aos alimentos). (janeiro de 2017) Procedente de http://www.fews.net/east-África/tanzania/key-message-update/january-2017

Sage, Collin. Environment and Food (Meio ambiente e alimentos). (226) Routledge, 2012.

Ibrahim, Thoriq. Sustainable development won’t happen without climate change action (Não haverá desenvolvimento sustentável sem ação contra as mudanças climáticas). 22 de março de 2017, http://news.trust.org/item/20170322165445-wvi0h/?cid=social_20170326_71082286&adbid=845994766714134529&adbpl=tw&adbpr=295713773

Fonte: Slow Food International Press Office



in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/04/2017

terça-feira, 25 de abril de 2017

OS ERROS DAS ELITES E DOS POPULISTAS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO.

Os erros das elites e dos populistas sobre a globalização. Artigo de Mauro Magatti
“Os problemas levantados pelos populistas são reais e urgentes, e esperam respostas adequadas. Mas também é preciso admitir que o desenho de uma globalização capaz de se sustentar apenas através do mercado, das finanças e da tecnologia – para além das suas nobres intenções – se esqueceu da carne e do sangue das pessoas.”

A opinião é do sociólogo e economista italiano Mauro Magatti, professor da Universidade Católica de Milão, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 24-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

“A globalização é a condição econômica em que um exército de escravos produz para um exército de desempregados.” A fórmula de Marine Le Pen, em poucas palavras, capta uma das contradições do tempo em que vivemos. O julgamento obviamente é impiedoso. A globalização não provocou só desastres: ela reduziu a distância entre as diversas partes do mundo, melhorando as condições de vida de milhões de pessoas. No entanto, esse slogan, para além das intenções, toca questões verdadeiras. 

Na realidade, por muitos anos, as falhas do crescimento foram escondidas por uma financeirização capaz de sustentar consumos com dívidas. Mas, depois de 2008, o jogo não funcionou mais. O que as elites não entenderam é que, nas novas condições em que estamos vivendo, a “globalização” é lida como um modelo que beneficia apenas poucos em detrimento de muitos (aos quais se pede para ter paciência). É esse o desconforto que os sistemas políticos registram. As questões sobre as quais os populistas prosperam, de fato, são todas reais.

Embora carregando muitas responsabilidades por aquilo que aconteceu, nos últimos anos, as finanças se mostraram muito pouco generosas em relação à sociedade ao seu redor. A capacidade do sistema de corrigir os próprios exageros foi limitada até hoje. Ou, melhor, explorando em vantagem própria os enormes recursos inseridos pelas políticas monetárias ultraexpansivas dos últimos anos, as finanças continuaram ganhando; não só negando boa parte do esforço sustentado pelos bancos centrais, mas também criando as premissas para uma nova crise, que corre o risco de ser mais grave do que a anterior. Em abril de 2017, o nível de endividamento das famílias estadunidenses ultrapassou o pico que tinha tocado antes da crise. 

No plano cultural, a globalização zombou da questão da identidade. Mas uma coisa é dizer que a questão pode (e deve) ser reformulada em relação às novas condições de vida; outra coisa é declarar a sua irrelevância em nome de um genérico sonho cosmopolita. Embora a crise migratória dure há anos, ninguém pensou em estabelecer uma política internacional séria, capaz de enfrentar e de gerir os enormes fluxos humanos que, além de todas as generosidades, são insustentáveis a longo prazo sem medidas adequadas. Tanto para os países de destino quanto para os de partida. Pode-se dizer que a globalização subestimou as consequências da mobilidade que ela mesma induziu?

Nas últimas décadas, boa parte da política se acostumou a estar a reboque dos interesses econômicos internacionais. Isso provocou uma seleção adversa das classes dominantes. Ainda mais que, na era da expansão financeira, esbanjar os recursos coletivos (agigantando a burocracia e alimentando a corrupção) era um problema relativo (veja-se, infelizmente, o caso italiano). 

Hoje, em vez disso, o vazio deixado pelo fim da globalização expansiva põe a política novamente em causa. Mas o problema é que faltam ideias e até mesmo preparação: os parvenu ( novos ricos) dos últimos anos, tendo crescido longe dos palácios, mais do que de respostas, são portadores da demanda de mudança. Mas não é isso que historicamente acontece quando há mudanças de sistema? 

O fato de que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha começaram a percorrer um caminho diferente daquele trilhado nos últimos 30 anos deveria ser uma evidência suficiente para empurrar até mesmo o mais revoltoso dos opositores a refletir atentamente sobre o que está acontecendo. Há problemas estruturais no modelo de crescimento dos últimos anos que apenas uma forte ação política pode tentar sanar. É preciso intervir, e intervir rapidamente. É claro, de fato, que as três questões lembradas correm o risco de receber respostas desastrosas.

A transição econômica pode se tornar uma oportunidade para uma virada neomercantilista que produziria mais problemas do que é capaz de resolver. Mas permanece a pergunta: como se criam novos empregos e como se produz a riqueza, se assumirmos que as finanças, sozinhas, não podem resolver o problema? A demanda de identidade pode ser transformada em ódio étnico, racial ou religioso. Mas que significado e que forma (ou seja, que limites, que medida) deve assumir, então, a identidade cultural hoje? A necessidade de uma nova política pode ser o gatilho para fazer fermentar sentimentos antidemocráticos. Mas como voltar a falar de laço social sem produzir ódio e contraposições? 

Os problemas levantados pelos populistas são reais e urgentes, e esperam respostas adequadas. Por toda a parte – incluindo a Itália – é preciso, o mais rápido possível, superar o esquema establishment/antiestablishment. Mas, ainda antes disso, é preciso admitir que o desenho de uma globalização capaz de se sustentar apenas através do mercado, das finanças e da tecnologia – para além das suas nobres intenções – se esqueceu da carne e do sangue das pessoas.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos