José de Souza Martins é doutor em sociologia e pesquisador do tema dos linchamentos no Brasil, uma investigação que leva há mais de 40 anos. Em seu último levantamento para o livro Linchamentos: a justiça popular no Brasil, que será publicado pela Editora Contexto no começo do ano que vem, o professor já aposentado calcula que "nos últimos 60 anos, um milhão de brasileiros participaram de linchamentos".
Em uma entrevista pelo telefone ao El País, 12-04-2014, explicou algumas das razões pelas quais os justiceiros aumentaram sua atuação no país, em sua maioria, "motivados por estupros de crianças e incestos", explica.
Eis a entrevista.
Os linchamentos que vemos na Argentina e acompanhamos no Brasil desde fevereiro, quando o caso do rapazpreso a um poste em Botafogo, no Rio de Janeiro, apareceu em vários meios de comunicação, é uma bola de neve?
Eu não estou acompanhando os casos na Argentina, mas certamente não é um caso isolado no Brasil, acontece em várias partes do mundo, como a África. No entanto, o Brasil é o país que mais lincha no mundo, e posso afirmar isso pelo material da minha pesquisa, nos últimos 40 anos. Existem linchamentos e tentativas de linchamentos. O caso do Rio, é uma modalidade de tentativa de linchamento, que há três anos atrás eram três ou quatro por semana, mas que depois das manifestações de junho, passou a uma média de uma tentativa por dia. Hoje estamos a mais de uma tentativa de linchamento diária.
E quais são as razões para esse aumento? As pessoas repetem os atos que são transmitidos pelos meios? Atuam por conta própria?
As causas são várias. O linchamento é sempre uma reação defensiva da sociedade contra o aumento da insegurança e da violência. Mesmo que haja violência e brutalidade no linchamento, se trata de uma reação autodefensiva, mesmo que seja injusta.
E quais são as motivações? Existe alguma constante?
As multidões geralmente reagem contra estupro de crianças e incesto. Os roubos pesam menos na decisão de linchar, não que sejam insignificantes, mas 3/4 dos linchamentos são motivados por crimes contra a pessoa. Meu cálculo, que fiz para o livro Linchamentos: a justiça popular no Brasil, é que nos últimos 60 anos um milhão de brasileiros participaram de linchamentos.
Dos casos que o senhor acompanhou, existe algum índice de impunidade sobre esses linchamentos?
Não existe o crime de linchamento. Fica difícil de utilizar os registros policiais para saber se está aumentando ou diminuindo, justamente por isso. Os que se veem envolvidos acabam sendo processados, mas existe o atenuante de crime de grupo. O Código Penal costuma ser benevolente nestes casos e raras vezes a polícia consegue incriminar. É muito difícil identificar as pessoas que cometem esses atos bárbaros.
Veja também:
- Brasil, o país dos linchamentos. Entrevista com José de Souza Martins
- Fonte : Instituto Humanitas Unisino
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