Desafios para (Re) Pensar a Educação em Tempos de Pandemia
A sobrevivência não é uma questão de força: Ela depende da capacidade de adaptação(Charles Darwin naturalista, geólogo e biólogo britânico).
Artigo de Ricardo Santos David
[EcoDebate] Precisamos de muita leitura, de muita calma para navegar pelas palavras a cada mês que passa. A frase acima tem nos acompanhado muito nesse período de crise Mundial. “Em tempos de pandemia”. Ondas muito fortes levavam-nas para cima, de um lado para outro e, às vezes, até para fora do barco. Como um remo, a lapiseira tentava lutar contra um inimigo oculto e segurar as palavras. Foram horas de navegação, mas não desistir, afinal “um timoneiro que se preze continua a navegar, mesmo com a vela despedaçada”.
Este barco pelo qual navegamos há anos já se acostumou com o balanço do mar e as oscilações das ondas são, fontes de aprendizagem e de crescimento. É certo que, desta vez, a tempestade veio muito rápida, situações como essa sempre se repetem, mas sempre nos pegam desprevenidos. O perigo que, até então, parecia distante já fazia parte de nossa realidade. Difícil retratar por palavras esse momento, por isso recorremos a Drummond que, em seu poema “Congresso internacional do medo”, descreve sentimentos que parecem tão atuais: “Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos e cantaremos o medo que esteriliza os abraços”.
Infelizmente, os dias lindos de outono são invadidos pelo medo. Poucos falam de amor, o medo está no cotidiano: Em vários lugares, em todos os cantos e nas conversas. Percebam que esse medo, como o do poema, não é nosso, é universal, só se fala dele nesse congresso. E o que causa tanto medo assim nas pessoas?
No contexto do poema, o medo justificava-se pelo clima de Guerra Mundial; hoje, a presença do “Coronavírus” amedronta a todos. De onde teria vindo esse vírus? De longe, Muito longe! Onde ele está? Esse é o problema: Nunca se sabe. Ele pode estar no sapato. No carro. Na sacola do supermercado.
Enfim, vivemos uma narrativa de Medo. E nós tão acostumados à cultura da pressa, de repente, fomos obrigados a parar. Escolas fecharam. Igrejas fecharam. Comércio fechou. O trânsito parou. Isolamento social e recolhimento dos mais vulneráveis tornaram o cenário ainda mais triste.
Assim, a Terra foi parando aos poucos. Caminhar pelas ruas ou pelos parques em busca de inspiração para os textos, tornou-se impossível. As máscaras antes acessórios suspeitos, hoje, são obrigatórias, o que dificulta a comunicação. Rapidamente, reparem nos olhares, mas pouco tem ajudado, pois parecem todos muito amedrontados. Hoje, estamos nos acostumando a sorrir mais com olhos. Uso de máscara é essencial para nos cuidar e proteger o próximo.
Enfim, é preciso acatar esse comando do Universo e aceitar, com resignação, que há um tempo para tudo. Na correria, não percebemos que, às vezes, temos de passar um tempo recolhidos seja pelo frio do inverno ou para uma necessária leitura do mundo interior. Diante desse cenário, resolvi sair da quarentena e, mais uma vez, fiz uma viagem, aliás, a mesma que tenho feito há muito tempo (ou pelo túnel do tempo ou pelo meu interior).
Leitores gostam dessa viagem porque nela vão observando o caminho percorrido vivendo-o em toda a sua extensão e, na medida do possível, em toda a sua profundidade. Terminada essa viagem, passeamos pelo mundo do coronavírus.
Para isso, recorremos à memória, às leituras e ao cantinho com vista para o por do sol outonal. Normalmente, demoramos muito para escrever um texto porque pensamos e repensamos nas palavras empregadas, nos posicionamentos, não só literários, mas, sobretudo, os de nossa vida.
E agora neste contexto de pandemia, a demora foi ainda maior. Apesar do triste cenário a que estamos presenciando na cidade, do medo do invisível e do clima de incerteza em que vivemos, não tenhamos dúvida em afirmar que nada vem por acaso, sempre há uma mensagem nas entrelinhas dos acontecimentos. Quem nunca ouviu alguém dizer: “Nem sei quem é o meu vizinho”. Pois bem: Acredito que não só o susto, mas também o isolamento a que estamos submetidos constatou o que há muito já disse o poeta “Nenhum homem é uma ilha”. Sim, nunca pensávamos sentir tanto a falta do outro, de um bom dia no elevador, de um aperto de mão. Precisávamos acabar ou minimizar (acabar acho difícil) o espírito individualista que predomina na sociedade.
Citamos a época em que de uma prosa com um vizinho já nos tornávamos amigos. Hoje, partilhamos anos de convivência para chamá-lo de amigo, às vezes, nem assim. Cada vez mais juntos fisicamente, mas nunca tão separados, haja vista a convivência em muitos edifícios de apartamentos.
Aquele que não mudar, que optar a ser um piruá (milho que não estoura), não entendeu a nova realidade, não lhe será possível usufruir o direito de “pertencimento” do novo contexto.
Aproveitemos esse período de “prisão domiciliar” para pensarmos em nossas atitudes antes e pós-pandemia até porque o problema, hoje, não está no meu apartamento nem no do vizinho. O problema é de todos nós. Nunca a sobrevivência dependeu tanto do esforço coletivo. Fica a dica. E por pensar em atitudes e comportamentos antes e pós-pandemia, lembramos ainda de que nunca vi tantas postagens de famílias preparando suas comidas ou sentadas à mesa fazendo suas refeições.
Consigamos resgatar a importância das refeições em família, pois compartilhando momento como esse não alimentamos só o corpo, mas principalmente a alma. Não percamos essa oportunidade. Para encerrar, fica aqui minha aprendizagem com esta pandemia: Não podemos ser rios sem afluentes, pois no momento de estiagem, precisamos dos amigos, dos vizinhos e da família.
O papel da Família: Quem são novos Professores em Tempo de Pandemia?
Ontem, passando pelo aplicativo que foi considerado uma ameaça cibernética pelo país do Tio Sam, o TikTok, deparamos com um vídeo, engraçado por sinal, em que uma mãe se esconde do filho na hora das agora famosas lives escolares, aulas síncronas (que permitem interação em tempo real), encontros online e seus devidos nomes, mas de mesmo significado.
Em um primeiro momento, as pessoas dão risada, pois a cena é mesmo engraçada. Mas, quem são essas mães que hoje estão em casa, ensinando seus filhos, trabalhando literalmente como pedagogas? Elas ensinam matemática, língua portuguesa, história, geografia, física, química e outras ciências, mas ressalto aí uma das mais importantes, a ciência da vida.
Essas mães que, às vezes, parecem não ter paciência, não se cansam nunca e estão ajudando a formar uma nova geração, uma geração única, uma geração que já é parte da nossa história. Essas mães estão entregando com excelência o que lhes foi imposto.
Elas são as mães “particulares”. E as mães “públicas”? Elas conseguem entregar com tanta excelência a educação de seus filhos? Aí fica a minha pergunta: Os governos municipal, estadual e municipal estão entregando com excelência o ensino público?
Outro detalhe que chama a atenção são os valores cobrados pelas escolas particulares. Todas estão fechadas, com um custo bem abaixo daqueles de momentos anteriores, já que gastam menos com luz, água, horas extras de funcionários, etc.
Algumas optaram por não conceder desconto algum, outras se pegaram em valores mínimos, alegando que a inadimplência está grande, e, mais uma vez, neste país quem é bom pagador acaba pagando para os maus. Previsões muitos fazem, mas a única certeza que temos é que 2020, pelo menos para a educação, já acabou, infelizmente.
A modernidade leve permitiu que um dos parceiros saísse da gaiola. A modernidade “sólida” era uma era de engajamento mútuo. A modernidade “fluida” é a época do desengajamento, da fuga fácil e da perseguição inútil. Na modernidade “líquida” mandam mais os escapadiços, o que são livres para se mover de modo imperceptível (BAUMAN, 2001, p. 152).
Na modernidade líquida, termo cunhado por Bauman, as incertezas tornam-se possibilidades de haver liberdade para o homem buscar todas as formas de prazer, mesmo que, para isso, elementos importantes da existência humana, como o outro ser e a natureza, sejam colocados em segundo plano.
Contudo, as incertezas, em tempos de pandemia, mostram e mostraram que a busca incessante pelo inalcançável prazer, em que o mercado tanto se beneficia, torna-se obsoleto, já que para se ter prazer é necessário, fundamentalmente, ter vida, que agora aparece ceifada pelo vírus. A busca pelo prazer foi substituída pelo medo. Talvez, um medo ainda mais forte do que o produzido pelas guerras, pois o inimigo é invisível e ainda não completamente conhecido.
O medo se solidifica na liquidez e se fortifica diante das fraquezas. As sociedades, principalmente as detentoras do poder econômico, parecem sucumbir diante do mal comum. Somado à destruição da floresta amazônica, as mortes em massa pelos desastres ambientais resultantes do descaso público (como Mariana e Brumadinho, além de derramamento de óleo nas baías Brasil afora), as queimadas nas florestas da Austrália, os assassinatos e as invasões de terras indígenas, os racismos e os feminicídios, o vírus desencobertou, ainda mais, a miséria da sociedade e mostrou que, diferentemente do início da pandemia, em que se pensava que a Covid-19 não tinha preferências por cores, classes sociais, gêneros e grupos étnicos, os números de mortes mostraram, ao longo do tempo, que o #fiqueemcasa fazia sentido para uns e não para outros.
Havia necessidade, no Brasil, de atendimento aos mais vulneráveis aos resultados da pandemia; entretanto, a assistência foi pouco vista, entremeada pela burocracia estatal que é fortificada pelo desprezo a uma grande parcela da população. Os silenciados e invisibilizados continuam enfrentando os dissabores das diferentes ondas do vírus ainda incólume.
Atentos às diferentes consequências socioidentitárias da Covid-19, o debate referente às consequências da pandemia tornou-se, em 2020, fruto de teorizações realizadas por pesquisadores das ciências humanas, das ciências sociais, da economia, das áreas jurídicas, para citar apenas algumas.
Todos, de certo modo, procuram responder à pergunta que Santos (2020, p. 05) propõe: que potenciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus? Em sintonia com Santos (2020) e Bauman (2001), a proposta dessa primeira edição da revista reflete principalmente uma indagação, a de saber: Com quais conhecimentos, mobilidades e consciência social teremos diante do que denominam de “novo normal”, sendo que as crises na economia, na política, na educação, na saúde e na segurança, dentre tantas outras, insistem em se manter permanentes?
Essa questão nos direciona a (re) pensar o novo normal no cotidiano da vida pública, da vida privada e na sociologia das ausências (SANTOS, 2020), um surto viral que pulveriza nossas ações, despertando o melhor e o pior em nossas atitudes e em nossos discursos.
De positivo, vemos uma consciência de comunhão planetária e, de certo modo, democrática (SANTOS, 2020, p. 07). Ações de pessoas em diversas partes do mundo viralizam nas redes sociais e nos meios de comunicação, revelando que a palavra pandemia, derivada do grego – “todo o povo” –, tem o poder de testemunhar atitudes de comunhão para com o outro, de tornar visíveis àqueles que vivem às margens da sociedade e de multiplicar tais atitudes para outras regiões do mundo, obrigando-nos a abrir nossas janelas e a promover a solidariedade.
Mesmo assim, ainda é possível indagar: até quando? Será que essa solidariedade forçada ainda existirá após a pandemia? Pelo lado negativo (mesmo que seja quase impossível enumerar) reina um discurso preconceituoso, intolerante, racista, em que os enunciados concretos viralizam sentimentos de ódio; fake news espalham-se na sociedade promovendo ataques e atitudes de enfrentamento contra o sistema democrático conquistado com “sangue, suor e lágrimas”, dos tempos da ditadura militar no Brasil. Há uma nova ordem mundial, previna-se.
Há desordem social: “E daí?”, “Só uma gripezinha”, “não sou coveiro”, o “novo Normal” Fairclough (2001) apresenta que as práticas discursivas são investidas ideologicamente, na medida em que incorporam significações e contribuem para manter e/ou reestruturar as relações de poder. Para o aludido autor, essas relações de poder podem ser afetadas por quaisquer tipos de práticas discursivas (científicas, religiosas, políticas), sendo que o sujeito é capaz de agir criativamente, no sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que é exposto e a (re)conhecer as formas de controle impostas pelo sistema. Será que essas relações de poder, concretizadas pelos discursos hegemônicos, estão mais nítidas em meio à contemporânea pandemia?
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
______. Babel – Entre a incerteza e a Esperança. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
______; LEONCINI, T. Nascidos em Tempos Líquidos: Transformações no terceiro milênio. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Trad. rev. técnica Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, [1992] 2001.
SANTOS, B. de S. A cruel pedagogia do vírus. Editora: Almedina S. A. Coimbra: Portugal, 2020.
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Ricardo Santos David tem pós – doutorado em Educação, pela FCU – IESLA. Doutorado e Mestrado em Educação e Comunicação: Audiovisual, pela UNIATLÁNTICO, Especialista em Docência do Ensino Superior e Educação Ambiental: Sustentabilidade, pela UCAM – Candido Mendes – Rio de Janeiro – Revisor de Textos e Professor para Educação Básica. E-mail: ricardosdavid@hotmail.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/08/2020
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