Mentirosos do clima e sócios do aquecimento global, artigo de Heitor Scalambrini Costa
Um dos maiores e mais importantes problemas enfrentados pela humanidade no século XXI é o do aquecimento global, e suas consequências para a vida no planeta.
Para seu enfrentamento, a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), produzida pela ação humana, é o alvo a ser atingido.
O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, IPCC sigla em inglês, formado por cientistas de todo mundo, tem alertado a humanidade sobre a necessidade de diminuir, e mesmo interromper as emissões de GEE, produzidos em sua grande maioria pelo uso dos combustíveis fósseis (petróleo e derivados, carvão mineral e gás natural) e pelo desmatamento das matas e florestas.
Apesar das inúmeras conferências realizadas pelas Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs), com o objetivo de definir metas de redução das emissões, a concentração de CO2 na atmosfera só tem aumentado. Há 50 anos, em 1972, a concentração de CO2 era de 330 ppm (parte por milhão). Hoje já atingiu 422 ppm. Como resultado direto, a temperatura média do planeta tem batido sucessivos recordes, ano após ano.
Uma conclusão óbvia é que os acordos e compromissos assumidos pelas nações nestas conferências foram boicotados, além de ineficazes e insuficientes para atender as metas acordadas de redução dos GEE. Ao chegar de volta a seus países depois destas conferências, o raciocínio é que: “no papel assinado aceita tudo, e o governante não é obrigado a fazer o que prometeu”.
Uma das causas destes insucessos em concretizar o que foi acordado e assinado pelos países, pode ser creditada a força política, econômica, e organizativa do “lobby” da indústria petrolífera que insiste no negacionismo climático. Contrapõem o que diz a ciência em relação ao efeito do uso dos combustíveis fósseis, e sua contribuição às emissões de CO2. Também os defensores do carvão mineral e gás natural, agem no sentido de confundir, omitir, mentir à opinião pública mundial sobre o papel destes combustíveis no aquecimento global.
Na última reunião sobre o clima, a COP26, ficou demonstrado o poderio dos negacionistas, que conseguem negar, adiar e evitar cortes reais nas emissões, em plena emergência climática que atinge o planeta. Realizada em Glasgow (Escócia), a COP26, evento convocado para atualizar o famoso Acordo de Paris, firmado por 195 países em 2015 (COP 21), foram evidenciadas e deixado “as claras”, as dificuldades impostas para se discutir proposições que levem em conta, a redução dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial e a transição para fontes renováveis.
O que ficou desmascarado pelo levantamento realizado por ONG´s presentes, é que o número de delegados associados à indústria de combustíveis fósseis superou o de qualquer outro país, inclusive o Brasil que levou para esta reunião a maior delegação com 479 delegados. Foi verificado que 503 pessoas, de distintos países ligadas aos interesses desse setor, foram credenciadas para o evento. Os negacionistas dos combustíveis fósseis fazem parte de associações comerciais, são representantes dos interesses de empresas de petróleo e gás, alguns “cientistas (?)” ligados às universidades e centros de pesquisa, e políticos.
A grande influência negativa e danosa exercida pelos lobistas, é uma das razões para que entidades e organizações internacionais defendam a exclusão destes grupos das reuniões que discutem as mudanças climáticas. A argumentação é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) somente levou a sério a proibição do tabaco, depois que os lobistas da indústria tabagista foram banidos das reuniões da OMS.
Enquanto a nível mundial a descarbonização anda a passos de tartaruga, o Brasil da era do desgoverno Bolsonaro, contribui de maneira inequívoca para o aquecimento global. O negacionismo climático, tem sua maior expressão no presidente, envolvendo interesse político, econômico e ideológico. Caracteriza-se por apoiar as indústrias de combustíveis fósseis, pela omissão de proteger e preservar os biomas, e de dificultar uma maior inserção das fontes renováveis de pequena escala (conhecida como geração descentralizada) na matriz elétrica nacional.
As contribuições ao aquecimento global ao longo destes 3 anos do desgoverno Bolsonaro, não foram poucas. Vamos listar alguns dos descalabros cometidos.
– A aprovação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ligada ao Ministério de Minas e Energia, de estudos de viabilidade para a construção de três grandes hidrelétricas na região Amazônica (juntas produziram 2.200 MW): a de Jamanxim, Cachoeira do Cai e Cachoeira dos Patos. Caso estes projetos, na bacia do rio Tapajós sejam implementados, grandes reservatórios serão criados, alagando grandes áreas protegidas da floresta.
– Ainda com relação a floresta Amazônica o desgoverno se absteve de cuidar deste patrimônio da humanidade. A floresta foi entregue aos pecuaristas, ao agronegócio mais descomprometido com a preservação ambiental, a mineração desregrada e predatória, e a extração de madeira ilegal. Nunca se desmatou tanto como nestes últimos 3 anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) o desmatamento cresceu 56% no período 2019-2021, se comparado com o período 2016-2018. Mais da metade do desmatamento ocorreu em terras públicas, uma parte em áreas protegidas: territórios indígenas e unidades de conservação. E a outra parte em terras públicas sem destinação. Assim, no mínimo metade do desmatamento é ilegal.
– Quanto ao carvão mineral, considerado o maior emissor de GEE dentre os combustíveis fósseis, enquanto o mundo procura eliminar o consumo, no Brasil sua utilização é apoiada e incentivada. Recentemente foi sancionada a lei que beneficia a indústria do carvão de Santa Catarina. Este carvão de baixa qualidade é utilizado quase que exclusivamente nas termelétricas. Assim a lei sancionada 14.299/2021, entre outros pontos, incentiva a contratação de energia elétrica gerada por termelétricas movidas a carvão mineral, prorrogando o funcionamento do Complexo Termelétrico de José Lacerda, por mais 15 anos.
– Com relação às fontes renováveis de energia, no caso da energia solar fotovoltaica, mesmo diante das dificuldades impostas, em 2022 contribuem com aproximadamente 5% da matriz elétrica brasileira. Ao invés de apoiar, o governo federal publicou em 30 de dezembro de 2021, o Decreto 10.923/2021, alterando os impostos sobre os módulos fotovoltaicos. Deixou de isentar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a partir de 1º de abril deste ano. Com isso, a alíquota do IPI passará a ser de 10% e o ICMS uma alíquota entre 12% a 18%, dependendo do Estado da federação. Essa mudança resultará em uma alta da carga tributária dos módulos solares importados, impactando consideravelmente o preço final dos sistemas fotovoltaicos (os módulos correspondem a aproximadamente 50% do investimento). Assim o mercado solar que caminhava a passos largo nos últimos anos sofrerá uma retração diante da ação perpetrada pelo desgoverno federal.
– O “saco de malvadezas” parece não ter fim. Também foi aprovado a lei n.º 14.300/22. Marco legal que instituiu as regras para a geração própria de energia, microgeração e minigeração distribuída; estabelecendo mudanças graduais nas regras para a geração distribuída. Os consumidores que produzem a própria energia vão passar por um modelo de transição gradual em que passam a pagar uma taxa sobre a distribuição dessa energia, a “Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição”, ou TUSD Fio B. A taxa a pagar, aumentará com o passar dos anos, segundo a lei publicada. O que ficou conhecida como a “taxa do Sol”, vai encarecer na hora da compra e instalação dos sistemas solares fotovoltaicos nas residências, nos pequenos comércios e pequenas indústrias.
Diante das escolhas adotadas pelo desgoverno Bolsonaro, e suas consequências funestas, não só para a população brasileira, mas para todo o planeta, não podemos ser como antes e aceitar a tragédia anunciada. Os problemas a serem enfrentados devem apontar para soluções que levem em conta os limites do Planeta.
A Floresta Amazônica que abrange 9 países, e tem como principal papel o de gerar oxigênio para a humanidade, e de transportar pelos “rios voadores”, grandes volumes de vapor de água, que acabam se precipitando em distintas regiões brasileiras, e nos países vizinhos, deve ser preservada, e não ser entregue para sua destruição. Assim como as fontes renováveis devem ser incentivadas, desde que se leve em contas as boas práticas socioambientais no seu desenvolvimento e implantação. A energia nuclear, para fins de produção de energia elétrica, hoje considerada prioritária, deve ser expurgada do território nacional. O risco de uma tragédia com vazamento de material radioativo (já ocorreu, e pode voltar a acontecer) impõe levar em conta o princípio da prevenção, conceituado no direito ambiental.
Logo, o caminho a ser perseguido para a desejável sustentabilidade do planeta, melhorar o mundo, é de vez derrotar os mentirosos do clima e sócios do aquecimento global.
Heitor Scalambrini Costa
Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/02/2022
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