China e Índia responsáveis pelo aumento das emissões globais de CO2 em 2023, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Estamos vivendo um colapso climático em tempo real e o impacto é arrasador”.
Secretário-geral da ONU, António Guterres (novembro de 2023)
As emissões globais de dióxido de carbono provenientes de combustíveis fósseis e cimento aumentaram 1,1% em 2023, atingindo um novo recorde de 36,8 mil milhões de toneladas de CO2 (GtCO2), de acordo com o relatório do Orçamento Global de Carbono de 2023 do Global Carbon Project.
O novo relatório indica que o aumento das emissões fósseis em 2023 foi em grande parte impulsionado pelo aumento das emissões na China e na Índia – sem o aumento ocorrido nos dois países, o total global teria diminuído abaixo dos níveis de 2022, conforme mostra o gráfico abaixo.
A pandemia da covid-19 provocou uma recessão econômica global que diminuiu o uso total de combustíveis fósseis e, consequentemente, reduziu as emissões mundiais de CO2. Mas a retomada econômica pós-covid representou a retomada também das emissões de CO2. Os maiores aumentos aconteceram exatamente nos dois países mais populosos do mundo e que estão entre aqueles de maior crescimento econômico.
Embora as emissões de CO2 provenientes de combustíveis fósseis tenham excedido os níveis pré-pandémicos nos últimos dois anos, as emissões globais totais de CO2 – que incluem as provenientes das alterações no uso do solo – permaneceram ligeiramente abaixo do recorde de 2019 de 40,9 GtCO2.
Em 2023, o total global empatou efetivamente com o recorde de 2019. A estimativa central fornecida pelo Orçamento Global de Carbono é 0,1% inferior ao registo anterior. Estima-se que todos os anos o Orçamento Global de Carbono inclua os dados mais recentes, bem como melhorias na modelação de fontes e sumidouros, resultando em algumas revisões anuais do registo histórico.
O crescimento das emissões totais de CO2 abrandou substancialmente na última década (2013-22), com um crescimento médio de 0,14% ao ano. Isto é muito inferior à taxa de crescimento média de 2,1% ao ano durante a década anterior (2003-12) e à taxa de crescimento média a longo prazo de 1,7% entre 1959 e 2012.
O crescimento contínuo das emissões de combustíveis fósseis foi largamente contrabalançado por um ligeiro declínio nas emissões provenientes do uso do solo. No entanto, as incertezas em torno das emissões provenientes do uso do solo continuam a ser bastante grandes.
Análises recentes da Agência Internacional de Energia (AIE) e da Climate Analytics sugeriram que as emissões fósseis globais poderão atingir o seu pico em 2023 ou 2024, à medida que o crescimento da energia limpa acelera e a utilização de combustíveis fósseis diminui, especialmente na China.
De fato, já houve uma virada demográfica na China. O gráfico abaixo mostra a variação anual da população chinesa em idade de trabalhar (PIA = 15-59 anos) entre 1950 e 2100. Nota-se que havia um crescimento populacional até aproximadamente 2010 e já está havendo um decrescimento populacional que deve continuar durante todo o século XXI. Na década de 1980, o crescimento da PIA era de mais de 15 milhões de pessoas por ano, mas na década de 2040 deve haver um decrescimento de pouco menos de 15 milhões ao ano.
Entre 1950 e 2009, a população em idade ativa da China cresceu em 618 milhões de indivíduos e, nos 60 anos entre 2010 e 2069, a PIA da China vai ser reduzida em 414 milhões de pessoas. Com a redução da força de trabalho a economia deve crescer menos e, em consequência, abre-se uma janela de oportunidade para a redução das emissões.
A China já é um país de renda média e tem investido pesadamente na transição energética e na recuperação de florestas. Desta forma, com mudanças tecnológicas, redução da população e recuperação ecológica o gigante do leste asiático poderá atingir o pico das emissões brevemente e começar a reduzir os seus níveis de poluição. O governo chinês anunciou no dia 17/01/2024 que a população da China caiu pelo segundo ano consecutivo. O decrescimento demográfico deve contribuir para a China alcançar o pico das emissões em 2024 ou 2025.
O quadro da Índia é diferente, pois o gigante do sul-asiático ainda tem uma renda per capita baixa e uma população total que deve continuar crescendo até a década de 2060, quando o país deve atingir o pico das emissões. A Índia é o terceiro maior emissor de CO2 (atrás apenas da China e dos EUA), mas deve assumir a segunda posição até 2040.
O ano de 2023 bateu o recorde de temperatura em cerca de 125 mil anos. As anomalias das temperaturas diárias de 2023 ficaram acima de 1º C em todos os dias do ano, ficaram acima de 1,5º C em metade dos dias de 2023 e ficaram acima de 2º C nos dias 17 e 18 de novembro de 2023.
Portanto, o mundo atingiu o limite inferior da meta do Acordo de Paris. O limite superior de 2º C pode ser atingido até 2040. As consequências de um aquecimento global acelerado são catastróficas. Só com a redução profunda e rápida das emissões a civilização pode evitar uma Terra inabitável.
Referências:
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, e5942, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595
ALVES, JED. O réveillon global mais quente da história, Ecodebate, 03/01/2024
https://www.ecodebate.com.br/2024/01/03/o-reveillon-global-mais-quente-da-historia/
Zeke Hausfather and Pierre Friedlingstein. Growth of Chinese fossil CO2 emissions drives new global record in 2023, Carbon Brief. December 20, 2023 https://www.resilience.org/stories/2023-12-20/growth-of-chinese-fossil-co2-emissions-drives-new-global-record-in-2023/
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
Nenhum comentário:
Postar um comentário