quarta-feira, 30 de abril de 2014

BRASILEIROS TRABALHAM EM EXCESSO.

Estudo mostra que nunca se trabalhou tanto no país

Pesquisa do Instituto de Economia demonstra que brasileiros estão cada vez mais atrelados ao trabalho.

www.tecnocriativamente.com.br  Pilhas de provas para um professor corrigir em casa.
Embora a jornada de trabalho tenha sofrido, a partir de 2004, uma significativa redução no país, muitas evidências indicam que os brasileiros estão cada vez mais atrelados ao trabalho. A constatação faz parte da dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp pelo economista Eduardo Martins Ráo. De acordo com ele, há uma tendência em curso no Brasil, fomentada pela classe empresarial, de criar mecanismos para transformar tudo em hora de trabalho, até mesmo os momentos em que o trabalhador está em casa, na companhia da sua família. “Para alguns setores isso seria mais difícil de acontecer, dadas suas especificidades. Mas é o que o capital, no geral, quer. Isso está colocado de maneira velada para a sociedade, mas aparece claramente nas relações entre empresas e sindicatos”, afirma o autor do trabalho, que foi orientado pelo professor José Dari Krein.
A reportagem é de Manuel Alves Filho e publicada pelo Jornal da Unicamp, 28 de abril de 2014 a 11 de maio de 2014.
O estudo desenvolvido por Ráo toma para análise o intervalo entre os anos de 1992 e 2009. Segundo ele, os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam para a ocorrência de três padrões relacionados à dinâmica da economia e do mercado de trabalho nesse período. O primeiro, que vai de 1992 a 1998, é representado pelo alongamento da jornada de trabalho em todos os setores, ramos de atividade e ocupações. “Um dado interessante é que a jornada já era extensa antes mesmo desse movimento. Enquanto em países comoAlemanhaAustráliaBélgica e Canadá a jornada ficava abaixo de 1.800 horas por ano, aqui ela já superava 2.000 horas. Ou seja, nos anos 90 ela não somente anda mais estendida, como também começou se tornar mais flexível. Trata-se, segundo a hipótese que defendo na dissertação, do surgimento de uma nova jornada”, explica o economista.
Ráo assinala que esse movimento ocorreu a despeito da promulgação da Constituição de 1988, que introduziu dispositivos voltados à regulação do tempo de trabalho. “Na prática, porém, essa regulação não ocorreu. Para driblar a legislação, as empresas passaram a utilizar o mecanismo da hora extra, ainda que ela tenha sido onerada. Assim, os anos 90 começaram dentro dessa realidade. Dados do Censo de 1991 revelaram, por exemplo, que naquele ano 40% da população economicamente ativa cumpria horas excepcionais. Em 1980, a título de comparação, esse índice era de somente 28,5%”, argumenta.
A partir de 1995, num contexto de altas taxas de desemprego, prossegue o economista, surgiram fatores que concorreram para a manutenção da jornada alongada, tais como: o just in time, a polivalência, os trabalhos em grupo, as metas de produção atreladas a PLR, o banco de horas, o trabalho a tempo parcial e aos domingos e feriados, a terceirização, a recomposição das escalas e turnos de revezamento, os sistemas de controle de qualidade e outros mecanismos mais sofisticados de controle do ritmo de trabalho. “Como se tratava de um momento delicado do ponto de vista da economia e do emprego, as centrais sindicais se viram sem condições de colocar a questão da redução da jornada na mesa de negociação com o setor empresarial. Naquele momento, o esforço maior era pela preservação do emprego”, lembra.
O segundo padrão registrado no período tomado para investigação por Ráo ficou circunscrito aos anos de 1999 a 2003. Neste, a jornada de trabalho se manteve estagnada, mas num patamar elevado. Naquele instante, 39,6% da população economicamente ativa declarou cumprir horas excepcionais. Isso se deveu, conforme o autor da dissertação de mestrado, a uma mudança ocorrida no mercado de trabalho, provocada por um cenário que mesclava a forte desvalorização da moeda com o baixo desempenho da economia. “Nessa circunstância, o emprego cresceu pouco. A desvalorização da moeda fez com que o governo demonstrasse maior disposição em utilizar mecanismos políticos para fazer frente ao ajuste fiscal. Entre as medidas adotadas, estava a maior fiscalização das empresas. Uma consequência dessa ação foi o aumento gradativo da formalização, o que fez com que a jornada de trabalho se mantivesse dentro das normas legais para quase 1/3da população economicamente ativa”, detalha.
O terceiro e último padrão, registrado no intervalo de 2004 a 2009, é marcado pela já mencionada redução da jornada de trabalho. O patamar das horas extras cumpridas pelos trabalhadores ao longo do período caiu de 38% para 31,8%. “A jornada de trabalho tornou-se cada vez mais padronizada, permanecendo assim dentro das normas constitucionais [44 horas semanais]. Vale destacar que isso ocorreu de maneira generalizada. Ou seja, alcançou todos os setores, posições e ocupações. A interpretação que nós fizemos é que a retomada do crescimento econômico repercutiu tanto na criação expressiva de empregos formais como também no aumento da formalização das relações de trabalho. E a isso, soma-se ainda a hipótese de que alguns setores da população decidiram trabalhar menos, algo que fica mais claro quando olhamos para o trabalhador autônomo, que também reduziu seu tempo de trabalho”.
Flexibilização
Atentas a esse fenômeno, observa Ráo, as empresas não perderam tempo em ampliar os mecanismos de flexibilização para manter seus empregados cada vez mais conectados ao trabalho, ainda que a jornada tenha sido reduzida em relação ao início dos anos 1990. “Esses mecanismos aparecem na forma de metas a serem cumpridas ou de tarefas que são levadas para casa. Ainda insatisfeitos, os empresários trabalham agora para que essas medidas sejam legalmente efetivadas, envolvendo as novas formas de controlar o tempo do trabalhador. Para os empregadores, a ideia é transformar tudo em tempo de trabalho, mesmo os instantes em que o empregado está em casa, com a família”, adverte o economista.
Apesar da movimentação do setor empresarial, Ráo considera que a conjuntura atual foi favorável à retomada da discussão, por parte da classe trabalhadora, da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, com a consequente manutenção dos salários. “A oportunidade está aberta. Em 2003, as centrais sindicais fizeram uma campanha nesse sentido, que chegou a ser transformada em projeto de lei, mas que não foi votado pelo Congresso”.
O autor da dissertação avalia, ainda, que alguns fatores contribuem para uma discussão mais qualificada em torno da redução tanto da jornada quanto do tempo de trabalho. Ele destaca que boa parte da população economicamente ativa está estudando mais. Na opinião de Ráo, é possível pensar em um mecanismo que estenda o período de formação dos jovens, que passariam a ingressar no mercado de trabalho um pouco mais tarde, entre 25 e 27 anos. “Ao mesmo tempo, também é possível pensar num modelo que retire as pessoas mais cedo do mercado de trabalho, embora essa medida seja um pouco mais complicada, em razão do impacto que causaria na Previdência Social. Entretanto, não podemos deixar de considerar que, em 20 anos, o país terá um número elevado de idosos. O que vamos querer: um conjunto grande de idosos pobres trabalhando ou uma população idosa em uma posição mais confortável em termos de rendimento, que não trabalhe?”, indaga.
Ráo reconhece que esse pensamento trafega na contramão de um movimento em curso, cujo objetivo é ampliar o tempo de trabalho com vistas à aposentadoria. Há propostas, inclusive, de igualar o tempo de serviço das mulheres ao dos homens. “No Brasil, o indivíduo tem que trabalhar até os 65 anos de idade ou contribuir por 35 anos para poder se aposentar. Num mercado de trabalho marcado pela alta rotatividade, isso é inviável. Isso precisa ser repensado. É necessário atrelar a questão da jornada e do tempo de trabalho à qualidade de vida. Essa discussão tem de ser colocada, sobretudo porque inúmeras pesquisas vêm demonstrando o crescimento das chamadas doenças ocupacionais. Ou seja, as condições e o ritmo do trabalho têm influenciado cada vez mais na saúde do trabalhador”, argumenta.
O economista afirma que essas preocupações estão presentes no interior dos sindicatos. Falta, entretanto, extrapolá-las para o restante da sociedade. Ráo admite que esta tarefa não é trivial. “Para ser concretizada, ela depende de uma ação mais combativa dos próprios sindicatos em conjunto com os diferentes segmentos da classe trabalhadora. Decerto, o que tem que se afastar por completo desse movimento é a ideia de que o trabalhador brasileiro é preguiçoso e trabalha pouco. Isso absolutamente não condiz com a realidade”, sustenta o autor da dissertação, que contou com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado do Ministério da Educação.
Veja também:

segunda-feira, 28 de abril de 2014

InfoEnem : Dicas importantes.

InfoEnem



Posted: 28 Apr 2014 11:04 AM PDT
Em breve, o Inep deve publicar o Edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. Entretanto, nada de esperar a divulgação das regras e datas do exame! Seus estudos devem começar o quanto antes. Afinal, muitos candidatos já deram início nas suas respectivas preparações. E você, claro, não deve ficar para trás!
Pensando nesses aspectos, mesmo antes da publicação do edital do Enem deste ano, já destacamos, em diversos artigos, muitas dicas (como cronograma e técnicas de estudos) para que você aumente a sua chance de conseguir uma boa nota no Enem.
E hoje, vamos falar sobre 4 erros que você não pode cometer na preparação para o exame mais importante do país.
1 – Não realizar exercícios.
Como você já deve saber, ler é muito importante, principalmente quando pensamos numa prova tão contextualizada quanto o Enem. Entretanto, apenas leitura não fixa conhecimento. Fazer vários exercícios garante que o conteúdo não “desaparecerá” da sua memória.
2- Esquecer de treinar a escrita.
Muitos estudantes, com medo das provas mais temidas (como física e química) se esquecem de dar a devida atenção a redação. Quem atingi notas próximas à mil na produção de texto estará muito mais próximo de alcançar seu objetivo, seja ele qual for. E a dica aqui é muito simples. Produza pelo menos uma redação por semana.
3 – Estudar apenas matéria que tem afinidade.
Esse é erro é muito comum e faz com que muitos estudantes percam pontos preciosos no exame. Não importante de qual curso vai escolher e/ou quais matérias você gosta mais. Estude todas as matérias na semana.
4 – Não manter o controle emocional.
O controle emocional é muito importante tanto na hora de estudar, quanto na hora da prova. Portanto, não se esqueça de combater o estresse. Atividade física e dormir bem são duas atitudes fundamentais que o ajudarão (e muito!) nesse quesito.
Essas são as dicas para que você não se perca no meio da preparação. Bons estudos!

BRASIL É CONSIDERADO DE ALTO RISCO EM SEGURANÇA.

Brasil é um país de alto risco, segundo a Alemanha

A apenas seis semanas para o começo da Copa, um relatório do Ministério de Assuntos Exteriores alemão oferece uma imagem desoladora do país.
A reportagem é de Enrique Müller e publicada pelo jornal El País, 26-04-2014.
Quando faltam apenas seis semanas para o começo da grande festa esportiva que representa o campeonato mundial de futebol no Brasil, o ministério de Assuntos Exteriores alemão divulgou um novo relatório sobre um tema muito sensível: a segurança que o país oferece aos milhares de turistas que chegarão à nação para aproveitar a grande festa e, ao mesmo tempo, torcer pelos seus times.
O relatório do ministério, em sua seção “serviços ao cidadão”, que é lida com atenção por todas as grandes agências de turismo do país e pelos turistas que compram pacotes de férias, oferece uma imagem desoladora do Brasil: uma nação onde não as leis não são respeitadas e onde o turista corre o risco de ser vítima de ladrões, sequestradores ou simplesmente de se envolver em confrontos entre a polícia e grupos criminosos, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro.
“Arrastões e delitos violentos não estão descartados, lamentavelmente, em nenhuma parte do Brasil. Grandes cidades como Belém, Recife, Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo oferecem altas taxas de criminalidade”, assinala o relatório, com data de 24 de abril, e que está sendo atualizado a cada 24 horas. “A princípio, o cidadão deve se portar de forma precavida em regiões ou em bairros de cidades que são consideradas seguras”, acrescenta o relatório.
Isso não é tudo. Segundo os especialistas do Ministério, que medem os níveis de violência e delinquência que existem nos países que os alemães costumam visitar como turistas, o Brasil se transformou em uma perigosa armadilha para viajantes desprevenidos que desconhecem a realidade do país. O Ministério recomenda que os turistas alemães não usem roupas chamativas e joias quando saírem a passear pelas ruas, que evitem levar grandes quantidades de dinheiro e escondam artigos eletrônicos, como telefones celulares e computadores portáteis. “Em caso de ataque, não resistir, porque os ladrões geralmente atuam sob influência de drogas, estão armados e não se amedrontam com ações violentas”, assinala o “Sicherheitshinweise” (indicações de segurança) do Ministério.
Brasil, um país de alto risco para os turistas que desejam visitá-lo durante o campeonato mundial de futebol? A fria descrição sobre o centro do Rio de Janeiro depois do horário de fechamento dos comércios não deixa dúvidas. “As ruas vazias do centro devem ser evitadas durante os fins de semana”, adverte o ministério, que reconhece alguns progressos realizados pela polícia nas famosas e temidas favelas da cidade.
Os especialistas do ministério de Assuntos Exteriores alemão colocam especial atenção à criminalidade que rodeia o mundo da prostituição, onde os roubos e assaltos são corriqueiros. O turista deve estar atento ao que consome em bares e outros locais visitados por prostitutas. "Se recomenda vigiar a bebida em bares e outros locais e que também não se acompanhe uma prostituta a um hotel escolhido por ela", diz o ministério, que também adverte os turistas alemães sobre o perigo que existe nas praias como Copacabana, onde os roubos acontecem diariamente, à noite com maior frequência.
O Brasil também pode se transformar em um pesadelo para a seleção alemã, que chega ao campeonato como uma das grandes favoritas a conquistar, pela quarta vez, o campeonato mundial. A Federação Alemã de Futebol, em uma decisão que ainda desperta incerteza e insegurança, decidiu recusar a rica oferta hoteleira que o país oferece para alojar a famosa “Mannschaft” e optou por dar vida ao “Campo Bahia, um exclusivo e luxuoso centro esportivo onde a seleção alemã e a equipe técnica poderão desfrutar do conforto e da pompa de um hotel cinco estrelas, da privacidade, do isolamento e da proximidade com o mar.
Mas tudo parece indicar que o campo, que está sendo construído na cidade baiana de Santo André, não ficará pronto na data prevista. Duas reportagens dos jornais Die Welt e Süddeutsche Zeitung revelaram que as obras, que deveriam estar concluídas no final de abril, sofreram um atraso preocupante e que ninguém é capaz de prometer que o exclusivo centro esportivo poderá receber a seleção alemã na data prometida: oito de junho.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos.

domingo, 27 de abril de 2014

CHINA : PAÍS JÁ É O SEGUNDO MAIOR PRODUTOR DE CIÊNCIA DO MUNDO.

China ‘repatria’ cientistas para turbinar seu desenvolvimento

REPORTAGEM ESPECIAL: Estratégia chinesa de trazer de volta seus talentos do exterior tem dado bons resultados; país já é o segundo maior produtor de ciência do mundo, e pesquisa cresce de mãos dadas com a economia

FOTO: Bandeira chinesa na Praça Tiananmen, fotografada em nove dias consecutivos de março de 2014, mostrando a variação dos níveis de poluição na cidade. Crédito: Reuters/Wei Yao
Herton Escobar / O Estado de S. Paulo
PEQUIM, CHINA*
A poluição do ar em Pequim é pelo menos cinco vezes maior do que em Baltimore, perto de Washington, onde a cientista chinesa Ruiping Xiao passou 20 anos trabalhando para os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. Ainda assim, ela não poderia estar mais feliz de ter retornado ao seu país para dar sequência às suas pesquisas sobre síndrome metabólica e diabetes. Atraída de volta à sua alma mater, a Universidade de Pequim (PKU), Ruiping “ganhou” não apenas um laboratório próprio para trabalhar, mas a oportunidade de construir um novo instituto de biomedicina inteiro, do zero.
Assim nasceu, em 2005, o Instituto de Medicina Molecular da PKU, que hoje abriga aproximadamente 200 pessoas, entre pesquisadores e alunos de pós-graduação, distribuídas em 12 laboratórios, 7 unidades de apoio tecnológico à pesquisa e um centro de criação de primatas. “E ainda temos muito espaço para crescer”, anima-se Ruiping, um mulher de modos e postura impecáveis. “A China está repleta de jovens talentos, muito bem treinados e altamente motivados. Temos muitos recursos humanos e muitos recursos clínicos, o que é ótimo para pesquisa.”
Ruiping é um dos muitos talentos internacionais da ciência que foram “repatriados” pela China ao longo das últimas duas décadas, dentro de uma estratégia do governo de Pequim para reforçar seu exército intelectual de pesquisadores e, com isso, agregar valor científico e tecnológico à sua economia. Os resultados são robustos e impressionantes, pelo menos do ponto de vista quantitativo. A produção científica da China deu um salto astronômico nos últimos dez anos, não importa qual seja a métrica usada para fazer a conta.
Segundo os indicadores mais recentes compilados pela Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos, o número de artigos científicos produzidos por cientistas chineses (sediados na China) aumentou de aproximadamente 21 mil em 2001 para quase 90 mil, em 2011 – um aumento de 325%. Com isso, a China saltou do oitavo para o segundo lugar no ranking internacional de países produtores de ciência, atrás apenas dos EUA (que publicaram 212 mil trabalhos em 2011). O Brasil, comparativamente, subiu apenas uma posição no ranking (de 17º para 18º), apesar de ter praticamente dobrado sua produção científica no mesmo período, de 7 mil artigos publicados em 2001 para 13 mil, em 2011.
Para ver o ranking global de publicações da NSF, baseado no Science Citation Index, clique aqui: http://migre.me/iVGDR
O novo relatório de Desempenho em Pesquisa e Inovação do G20, divulgado no início deste mês pela empresa Thomson Reuters, descreve o crescimento da produção científica da China como “a mudança mais significativa das últimas três décadas no cenário global de atividades científicas e publicações”. O número de trabalhos publicados por cientistas chineses em revistas indexadas na Web of Science, segundo o relatório, aumentou de 48 mil em 2003 para 179 mil, em 2012 (crescimento de 270%). A produção científica do Brasil, no mesmo período, aumentou de aproximadamente 15 mil para 35 mil trabalhos.
O relatório completo está disponível aqui: http://migre.me/iVGNB
(Os cálculos da Thomson Reuters utilizam critérios diferentes de contabilidade e uma base de dados mais ampla do que os da NSF, por isso a diferença nos números. Mas os cenários descritos pelas duas análises é essencialmente o mesmo.)
As áreas em que a China é mais forte, segundo a Thomson Reuters, são as das engenharias e ciências físicas, como química, física e matemática. As ciências biológicas, incluindo a biomedicina, não se destacam tanto – e foi por isso, entre outras coisas, que Ruiping decidiu voltar para casa. “A China avançou muito em ciência e tecnologia nos últimos dez anos; mas está muito atrás ainda no campo das pesquisas clínicas, aplicadas à saúde”, disse ao Estado a diretora do IMM, que estuda as relações genéticas entre síndrome metabólica, a obesidade e a diabetes. “Me senti na obrigação de voltar (para preencher essa lacuna).”
Bom negócio para todos
Outro pesquisador que pegou um avião de volta dos Estados Unidos para a China recentemente foi Wensheng Fei, de 45 anos, que desenvolve técnicas de edição genética aplicadas a microrganismos. Em 2007, ele deixou uma carreira de oito anos na Universidade Stanford para se tornar professor da Escola de Ciências da Vida da PKU. Além da abundância de jovens talentos citada por Ruiping, ele destaca a maior disponibilidade de recursos como uma das vantagens de fazer ciência na China. “É mais fácil conseguir dinheiro aqui”, diz Fei. “A economia está crescendo e há mais recursos disponíveis para pesquisa acadêmica; enquanto que nos Estados Unidos e na Europa isso está cada vez mais difícil. Mesmo bons pesquisadores lá tem dificuldade hoje para conseguir dinheiro.”
O fato de a economia e a produção científica da China terem crescido simultaneamente não é mera coincidência, segundo os analistas do setor. “O crescimento da China na publicação de trabalhos de ciência e engenharia é concomitante com o enorme aumento de seu PIB nos últimos dez anos; o que corrobora a conclusão de vários pesquisadores de que há uma correlação direta entre esses dois fatores”, diz o relatório da NSF.
“A economia cresceu e o governo, felizmente, reconheceu que a ciência é importante para apoiar a continuidade desse desenvolvimento”, concorda o professor Shu Tao, da Faculdade de Ciências Urbanas e Ambientais da PKU, que pesquisa a dispersão de poluentes atmosféricos e seus impactos na saúde humana – o maior problema ambiental da China, como se pode ver pela permanente “cortina de fumaça” que paira sobre Pequim e outros centros urbanos do país, às vezes impedindo que você enxergue prédios inteiros a poucos metros de distância. “Nos anos 1980, o governo mandou muitos estudantes para universidades estrangeiras; e agora esses recursos humanos estão voltando para a China, trazendo toda a experiência e as conexões que conquistaram nesse período para a ciência chinesa.”
Concomitante aos investimentos em pesquisa, o país também fez investimentos estratégicos em suas universidades de ponta, como a PKU a Tsinghua, que hoje figuram entre as melhores do mundo nos rankings internacionais (estão entre as 50 melhores no ranking do Times Higher Education, por exemplo). “Nossa missão é ser uma universidade de ponta mundial. Esperamos estar entre as 30 melhores nos próximos cinco anos”, afirma, sem modéstia, um dos vice-presidentes da PKU, Li Yansong. A prioridade número um para chegar a esse objetivo, segundo ele, são os “recursos humanos”: em resumo, contratar os melhores professores e recrutar os melhores alunos, onde quer que estejam.
Ranqueada como a melhor universidade da China, a PKU tem um orçamento de US$ 1,4 bilhão e investe fortemente no recrutamento de talentos chineses e estrangeiros para compor seus quadros. “É por isso que somos a número um da China”, diz o físico e também vice-presidente da universidade, Shiyi Chen – ele mesmo, recrutado da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, em 2007. “Buscamos atrair os melhores professores do mundo e, ao mesmo tempo, cultivamos os nossos próprios professores aqui dentro.” A meta, segundo ele, é contratar mais 400 a 500 “lideranças globais” para a PKU nos próximos dez anos. “Queremos mais professores internacionais”, diz Chen. “Isso é absolutamente crucial.”

FOTO: Imagem ilustrativa do mapa da China numa tela de computador. Crédito: Reuters/Edgar Su
Uma questão de impacto
Em termos qualitativos, a ciência produzida na China ainda enfrenta o mesmo problema da produzida no Brasil: a baixa relevância no cenário internacional, proporcionalmente ao tamanho de suas produções. Segundo as análises da Thomson Reuters, o impacto relativo da ciência chinesa dentro da produção global de conhecimento é 0,9 (um pouco abaixo da média mundial, 1) e o da ciência brasileira, 0,74. “O número de publicações da China é muito maior do que o nosso, porque eles têm muito mais cientistas, mas o impacto das duas ciências é semelhante; ambos abaixo da média mundial”, avalia o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Carlos Henrique de Brito Cruz, que esteve recentemente na PKU participando de um encontro entre pesquisadores dos dois países (Fapesp Week Beijing).
A previsão da Thomson Reuters é que a China aumentará seu fator de impacto nos próximos anos, ultrapassando a média mundial e empatando nesse quesito com alguns países europeus. O fator de impacto do Brasil, por sua vez, manteve-se relativamente estável nos últimos dez anos – subindo, caindo, e depois retornando ao mesmo patamar. “Isso é comum entre as nações que aumentam sua produção científica rapidamente: primeiro constrói-se a capacidade de produzir, e o aumento do impacto desenvolve-se nas décadas seguintes”, diz o relatório da empresa, no capítulo sobre o Brasil.
Os desafios que os pesquisadores enfrentam para aumentar o impacto (relevância internacional) de suas pesquisas são semelhantes nos dois países. Entre eles, pode-se citar a burocracia excessiva e as dificuldades para importação de reagentes e outros insumos de laboratório – dois velhos inimigos da pesquisa acadêmica no Brasil, que o pesquisador Wensheng Wei diz enfrentar também na China. Os anticorpos que ele precisa para o dia a dia de seus experimentos têm de ser importados; consequentemente, custam muito mais e demoram muito mais para chegar ao seu laboratório na PKU do que levaria se ele ainda estivesse em Stanford. “Por isso que é tão difícil para a gente competir daqui; não porque somos menos competentes”, afirma Wei.
Outra reclamação que encontra eco entre os cientistas brasileiros é a maior dificuldade para publicar trabalhos em revistas de alto impacto, quando o nome da instituição que acompanha o do cientista situa-se fora do eixo Estados Unidos-Europa-Japão. “As revistas ‘top’ são muito críticas com os trabalhos que vêm da China”, diz Wei, que recentemente teve seu primeiro trabalho aceito para publicação na revista Nature, sete anos depois de ter voltado ao país. “É muito difícil para nós publicar nessas revistas. Você manda montes de dados, mas os revisores sempre pedem mais e mais.”
Pressão. O que pode ser um problema sério para os pesquisadores, que dependem da publicação de trabalhos nessas revistas de alto impacto para subir na carreira. Todos os cientistas chineses com quem o Estado conversou em Pequim confirmaram o que se costuma dizer sobre o ambiente científico-acadêmico na China: que a competição lá é ferrenha, inclusive entre os próprios chineses, e a pressão para publicar é enorme, com impactos diretos na carreira e no salário dos professores.
“É mais fácil conseguir uma promoção quando você publica numa revista grande”, diz o professor Shu Tao. Ele ressalta, porém, que há uma preocupação crescente por parte das instituições de valorizar também a qualidade das pesquisas, e não apenas a quantidade de trabalhos ou as revistas nas quais eles foram publicados. “Um pesquisador que não publica nada não é um bom cientista. Por outro lado, o fato de publicar numa revista de alto impacto não significa que o seu trabalho seja importante ou de boa qualidade, necessariamente”, pondera Tao.
Em sua apresentação da PKU, na abertura da Fapesp Week Beijing, o vice-presidente Shiyi Chen disse que a universidade publicou mais de 6 mil trabalhos em 2013, com um fator de impacto médio de 2,5. “Estamos preocupados não só com quantidade, mas com qualidade”, garantiu ele. Na sequência, chamou atenção para o fato de que 17 desses 6 mil trabalhos foram publicados nas revistas do “grupo CNS” (CellNature e Science), tendo cientistas da PKU como autores principais. “Tem alguns trabalhos muito bons nesse grupo. Esperamos ganhar um prêmio Nobel um dia”, avisou Chen.
*O repórter viajou à convite da Fapesp.
Fonte : Estadão.com

sábado, 26 de abril de 2014

CÓDIGO FLORESTAL.

Definições utilizadas no Código Florestal – Lei 12.351/2012. 

[EcoDebate] A Lei 12.351/2012 – Código Florestal que estabelece as normas gerais à proteção da vegetação nativa, as áreas de preservação permanentes, as áreas de reservas legais, a exploração, o suprimento e o controle da origem dos produtos florestais, a prevenção e controle de incêndios em florestas e áreas relacionadas e a previsão de instrumentos econômicos e financeiros para estes objetivos, define os conceitos utilizados para sua interpretação e implantação nas diversas regiões brasileiras. Seguem-se os principais conceitos com breves comentários explicativos quando necessários.

- Amazônia Legal: Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e regiões localizadas ao norte do paralelo 13º S dos Estados de Tocantins e Goiás e ao oeste do meridiano 44º W no Estado do Maranhão.

- Área de Preservação Permanente – APP: áreas protegidas cobertas ou não com vegetação nativa com a função ambiental de preservarem os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitarem o fluxo gênico das espécies da flora e fauna, protegerem os solos e assegurarem a qualidade de vida das populações humanas.

- Reserva Legal: áreas localizadas no interior de propriedades ou posses rurais com a função de assegurarem o uso econômico sustentável dos recursos naturais destas propriedades, auxiliarem na conservação e/ou reabilitação dos processos ecológicos, promoverem a conservação da biodiversidade e a proteção e abrigo para as espécies da fauna silvestre e flora nativa. Todos os imóveis rurais devem manter Reservas Legais além das Áreas de Preservação Permanentes com percentuais mínimos em relação à área do imóvel de acordo com a área de localização:

I – Na Amazônia Legal:
a) 80% nos imóveis situados em áreas de florestas;
b) 35% nos imóveis situados em áreas de cerrados;
c) 20% nos imóveis situados em áreas de campos gerais.

II – Em outras regiões do país a Reserva Legal é de 20% das áreas dos imóveis.

Há algumas exceções como nos casos de supressão anterior de vegetação de acordo com a legislação da época sobre a Reserva Legal, caso em que as propriedades rurais estão dispensadas de promoverem a recomposição, regeneração ou compensação, mas precisam comprovar esta anterioridade das áreas rurais consolidadas.
Existem ainda outras exceções que possibilitam a redução das áreas de florestas para 50% quando os municípios e Estados tiverem mais de 50% e 65% respectivamente de unidades de conservação públicas regularizadas e por terras indígenas homologadas.

- Áreas rurais consolidadas: imóveis rurais com ocupação humana anterior a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades de agricultura, silvicultura ou pecuária.

- Pequena propriedade ou posse rural familiar: exploradas através do trabalho pessoal dos agricultores familiares e empreendedores familiares rurais, inclusive os assentamentos e projetos de reforma agrária.

- Uso alternativo do solo: substituição da vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas como atividades de agricultura, pecuária, indústrias, geração e/ou transmissão de energia, mineração, transportes, assentamentos urbanos e outras formas de ocupação humana.

- Manejo sustentável: administração da vegetação natural para obter benefícios econômicos, sociais e ambientais, preservando-se os mecanismos de sustentação dos ecossistemas, através da utilização de múltiplas espécies madeireiras ou não, de produtos ou subprodutos da flora, assim como a utilização de outros bens e serviços.

- Utilidade pública:
a) Atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) obras de infraestrutura de concessões ou serviços públicos de transporte, sistemas viários, parcelamentos de solos urbanos, saneamento e gestão de resíduos, energia, telecomunicações e radio difusão, instalações esportivas estaduais, nacionais e internacionais e mineração, exceto areia, argila, saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) áreas de preservação permanentes – APP com função ambiental de preservação dos recursos hídricos, estabilidade geológica e paisagística, preservação da biodiversidade e do fluxo gênico da fauna e flora, proteção dos solos e bem estar às populações humanas.
e) atividades similares quando caracterizadas em procedimentos administrativos próprios, definidas em ato do Chefe do Executivo Federal e inexistirem alternativas técnicas ou locais que possibilitem ao empreendimento sua instalação.

- Interesse social:
a) Atividades de proteção à integridade da vegetação nativa: prevenção, controle e combate de incêndios, controle da erosão, erradicação de espécies invasoras e proteção ao plantio de espécies nativas;
b) exploração agroflorestal sustentável em pequenas propriedades ou posses rurais familiares ou por povos e comunidades tradicionais que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem as funções ambientais das áreas;
c) implantação de infraestruturas públicas destinadas para esportes, lazer, atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas;
d) regularização fundiária de assentamentos humanos de populações de baixa renda em áreas urbanas consolidadas e de acordo com outras leis aplicáveis;
e) implantação de instalações para a captação e condução de água e de efluentes tratados em projetos em que os recursos hídricos são essenciais às atividades;
f) atividades de pesquisa, extração de areia, argila, saibro e cascalho outorgadas legalmente;
g) atividades similares quando caracterizadas em procedimentos administrativos próprios, definidas em ato do Chefe do Executivo Federal e inexistirem alternativas técnicas ou locais que possibilitem ao empreendimento sua instalação.

- Atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:
a) abertura de pequenas vias de acesso interno, pontes e pontilhões necessários à travessia de cursos de água, acesso de pessoas e animais para obtenção de água ou retirada de produtos de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações de captação e condução de água e efluentes tratados quando comprovada a outorga do direito de uso;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
d) construções de rampas de lançamentos de barcos e pequenos ancoradouros;
e) construções de moradias de agricultores familiares, remanescentes de quilombolas e outras populações tradicionais e extrativistas em áreas rurais com o abastecimento de água através de esforço próprios dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas nas propriedades;
g) pesquisas científicas relativas a recursos ambientais de acordo com outros requisitos aplicáveis da legislação;
h) coleta de produtos para subsistência e produção de mudas como sementes, castanhas e frutos de acordo com a legislação específica de acesso aos recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas que produzam frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais que não impliquem em supressão da vegetação e não prejudiquem as funções ambientais das áreas;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, inclusive a extração de produtos florestais não madeireiros que não descaracterizem a vegetação nativa e não prejudiquem as funções ambientais das áreas;
k) ações ou atividades similares reconhecidas como eventuais e de baixos impactos ambientais pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA ou Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.

- Vereda: áreas de savanas com solos hidromórficos (solo em condições naturais saturado por água ou excesso de umidade permanentemente ou em determinados períodos anuais) e palmeiras buriti (Mauritia flexuosa) que não formam dossel, localizadas em meio de espécies arbustivas e herbáceas.

- Manguezal: ecossistemas litorâneos que ocorrem em terrenos baixos e sujeitos às ações das marés, formados por vasas lodosas (lama acumulada e misturada com elementos orgânicos nos fundos de mares, rios e lagos) ou arenosas associadas com a vegetação natural conhecida como mangue, com influência marinha típicas dos solos limosos de regiões de estuários e com dispersão descontínua na costa brasileira entre os Estados do Amapá e Santa Catarina.

- Marismas tropicais intersalinas ou salgados: áreas situadas em regiões com inundações intermediárias frequêntes por marés de sizígia (luas nova e cheia com maiores marés altas e menores marés baixas) e de quadratura (luas quarto crescente e minguante, marés de pequena amplitude) com solos com salinidade entre 100 e 150 partes por 1000 (entre cem e cento e cinquenta partes por mil) com vegetação herbácea específica.

- Apicum: solos hipersalinos situados nas áreas intermarés superiores que apresentam salinidade superior a 150 partes por 1000, desprovidos de vegetação vascular.

- Restingas: áreas arenosas alongadas paralelas às costas formadas por sedimentação, com diferentes comunidades com influências marinhas e cobertura vegetal em mosaico encontradas em praias, cordões arenosos, dunas e depressões de acordo com os estágios sucessionais, estratos herbáceos, arbustivos e arbóreos mais interiorizados.

- Nascentes: afloramentos perenes do lençol freático que iniciam cursos de água.

- Olhos d’água: afloramentos intermitentes do lençol freático.

- Leito regular: calha por onde correm regularmente as águas de um curso de água durante o ano.

- Áreas verdes urbanas: espaços públicos ou privados com predomínio de vegetação natural ou recuperada, preferencialmente nativa, previstos nos Planos Diretores, Leis de Zoneamento urbano e Uso do Solo do Município, indisponíveis para a construção de moradias e destinados à recreação, lazer, melhorias na qualidade ambiental, proteção dos recursos hídricos, manutenção ou melhorias paisagística, proteção de bens e manifestações culturais.

- Várzeas ou planícies de inundação: áreas nas margens de cursos d’água sujeitos à enchentes e inundações periódicas.

- Faixas de passagem de inundação: áreas de várzeas ou planícies de inundação adjacentes aos cursos de água e que permite o escoamento das enchentes.

-Relevos ondulados: áreas caracterizadas por movimentações dos terrenos gerando depressões, classificados em relevos suaves ondulados, ondulados, fortemente ondulados e montanhosos.

- Pousio: interrupções temporárias das atividades e usos agrícolas, pecuários ou de silvicultura por no máximo 05 (cinco) anos para possibilitar a recuperação da capacidade e da estrutura física dos solos.

- Áreas úmidas: pantanais e superfícies terrestres periodicamente cobertas por águas com vegetação original de florestas ou outras formas adaptadas às inundações.

- Áreas urbanas consolidadas: parcelas de áreas urbanas com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare, malha viária implantada e que tenham ao menos 02 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura implantados (Lei 11.977/2009, artigo 47, inciso II):
I – Drenagem de águas pluviais urbanas;
II – esgotamento sanitário;
III – abastecimento de água potável;
IV – distribuição de energia elétrica; ou
V – limpeza urbana, coleta e manejo dos resíduos sólidos.

-Créditos de carbono: títulos de direitos sobre bens intangíveis e incorpóreos transacionais.
Observação: os créditos de carbono obedecem a critérios internacionais para sua geração e comercialização, inclusive na elaboração de projetos nas atividades agrossilvopastoris e podem ser considerados ativos ambientais e econômicos uma vez implantados.

Referências:
- Lei 12.651/2012, artigos 3º, 12, 67 e 68.
- Lei 12.727/2012.
- Lei 11.977/2009, artigo 47, inciso II.

Antonio Silvio Hendges, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor de Ciências e Biologia – Pós Graduação em Auditorias Ambientais – Assessoria em Sustentabilidade e Educação Ambiental – www.cenatecbrasil.blogspot.com.br



EcoDebate, 25/04/2014Definições utilizadas no Código Florestal – Lei 12.351/2012, Definições utilizadas no Código Florestal – Lei 12.351/2012,





FUTURO DO PLANETA

O futuro do nosso planeta depende de 58 pessoas

"Vale a pena ressaltar que dois terços da humanidade têm menos de 21 anos e, em grande medida, são os que precisarão suportar os enormes custos da luta contra a mudança climática", escreve Roberto Savio, fundador e presidente emérito da IPS – Agência de notícias Inter Press Service e publisher do site Other News, em artigo publicado por Carta Maior, 21-04-2014.

Eis o artigo.

Apesar de para muitos o seguinte fato ter passado despercebido, em 13 de abril, o Painel Intergovernamental sobre mudanças Climáticas (IPCC) publicou a terceira e última parte de um relatório em que, sem rodeios, alerta que temos apenas 15 anos para evitar ultrapassar um aquecimento global de no mínimo dois graus previstos. As consequências serão dramáticas. Por Roberto Savio (*)

Apesar de para muitos o seguinte fato ter passado despercebido, em 13 de abril, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou a terceira e última parte de um relatório em que, sem rodeios, alerta que temos apenas 15 anos para evitar ultrapassar um aquecimento global de no mínimo dois graus previstos. As consequências serão dramáticas. Apenas os mais míopes não se dão conta do que isso significa: desde o aumento do nível do mar até furacões e tempestades mais frequentes, além de um impacto adverso na produção de alimentos.

Em um mundo normal e participativo, onde 83% das pessoas que vivem atualmente existirão dentro de 15 anos, tal relatório teria provocado uma reação dramática. Em contrapartida, não houve um só comentário por parte dos líderes dos 196 países onde habitam os 7.5 bilhões de “consumidores” do planeta.

Os antropólogos que estudam as semelhanças e diferenças entre os seres humanos e outros animais já chegaram à conclusão há um bom tempo de que a humanidade não é superior em todos os aspectos. Por exemplo, o ser humano é menos adaptável à sobrevivência que muitos animais em casos de terremotos, furacões e outros desastres naturais. Mostram sinais de alerta e de mal-estar.

A primeira parte do documento do IPCC, publicado em setembro de 2013 em Estocolmo, estabeleceu que os humanos são a causa principal do aquecimento global. A segunda parte, lançada em Yokohama em 31 de março, afirmou que “nas últimas décadas, as mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e em todos os oceanos”.

O IPCC é composto por mais de dois mil cientistas de todo o mundo e esta é a primeira vez em que chegou a conclusões firmes desde sua criação pelas Nações Unidas em 1988. A principal conclusão é que, para parar esta locomotiva rumo a um caminho sem volta, as emissões globais precisam ser reduzidas entre 40% e 70% antes de 2050.

O relatório adverte que “apenas grandes mudanças institucionais e tecnológicas darão uma oportunidade maior que 50%” de o aquecimento global não ultrapassar o limite de segurança. Acrescenta ainda que as medidas precisam começar em 15 anos, sendo concluídas em 35.

Vale a pena ressaltar que dois terços da humanidade têm menos de 21 anos e, em grande medida, são os que precisarão suportar os enormes custos da luta contra a mudança climática.

A principal recomendação do IPCC é muito simples: as principais economias devem estabelecer um imposto sobre a poluição com dióxido de carbono, elevando o custo dos combustíveis fósseis para impulsionar o mercado de fontes limpas de energia, como a eólica, a solar ou a nuclear.

Dez países causam 70% do total de poluição mundial com gases de efeito estufa, enquanto os Estados Unidos e a China são responsáveis por 55% dessa magnitude. Os dois países estão tomando medidas sérias para combater a poluição.

O presidente norte-americano, Barack Obama, tentou, em vão, obter a permissão do Senado e precisou exercer sua autoridade com a Lei do Ar Limpo de 1970 para reduzir a poluição de carbono de veículos e instalações industriais, estimulando tecnologias limpas. Entretanto, não pode fazer mais nada sem apoio do Senado.

O todo poderoso novo presidente da China, Xi Jinping, considera o meio ambiente uma prioridade, em parte porque fontes oficiais estimam em cinco milhões anuais o número de mortos em seu país pela poluição. Mas a China precisa de carbono para seu crescimento, e a postura de Xi é: “por que deveríamos frear nosso desenvolvimento, se os países ricos que criaram o atual problema querem que tomemos medidas que atrasem nosso crescimento?”.

E assim é criado um círculo vicioso. Os países do Sul querem que os países ricos financiem seus custos de redução da poluição e os do Norte querem que os demais deixem de poluir e assumam seus próprios custos.

Como resultado, o resumo do relatório, que está destinado aos governantes, não contém as premissas que poderiam dar a entender a necessidade de que o Sul faça mais, enquanto os países ricos pressionaram para evitar uma linguagem que pudesse ser interpretada como a obrigatoriedade de que eles assumam obrigações financeiras.

Isto deveria facilitar um brando compromisso na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de Lima, de onde se espera um novo acordo global (vale lembrar do desastre da conferência de Copenhague em 2009).

A chave de qualquer acordo está nas mãos dos Estados Unidos. O Congresso norte-americano bloqueou toda iniciativa sobre o controle climático, proporcionando uma saída fácil para China, Índia e para o resto dos poluidores: “por que devemos assumir compromissos e sacrifícios, se os Estados Unidos não participam?”.

O problema é que os republicanos transformaram as mudanças climáticas em uma de suas bandeiras de identificação. Na última vez em que se propôs um imposto ao carbono, em 2009, depois de um voto positivo na Câmara de Representantes, controlada pelos democratas, o Senado, dominado pelos republicanos, rejeitou a proposta. Nas eleições de 2010, uma série de políticos que votou a favor do imposto ao carbono perderam suas cadeiras, o que contribuiu para que os republicanos assumissem o controle da Câmara.

Agora, a única esperança para os que querem uma mudança é aguardar as eleições de 2016 e esperar que o novo presidente dos Estados Unidos seja capaz de mudar a situação. Este é um bom exemplo de por que os antigos gregos diziam que a esperança é a última deusa...

O quadro é muito simples. O Senado norte-americano está integrado por 100 membros, o que significa que bastam 51 votos para liquidar qualquer projeto de lei sobre um imposto aos combustíveis fósseis. Na China, a situação é diferente. Na melhor das hipóteses, as decisões são tomadas pelo Comitê Permanente do Comitê Central, formado por sete membros, que são o verdadeiro poder no Partido Comunista.

Em outras palavras, o futuro do nosso planeta é decidido por 58 em uma população mundial de quase 7.7 bilhões de habitantes.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

COPA DO MUNDO 2014.

Um país que adora futebol, mas que quer mais atenção

Cerca de 55% dos brasileiros reprovam um Mundial cujo custo total ultrapassa 30 bilhões de reais.
Até a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, há 11 anos, o Brasil era um gigante dormente imerso na pobreza. Sua eleição estimulou e catapultou o país, que passou deste estado básico para se tornar um ator internacional ativo e protagonista. Hoje, com a presidente Dilma Rousseff no comando, o país é a sétima maior economia do mundo. Uma nação poderosa, avançada no setor de biotecnologia e rica em matérias-primas, como minerais, soja e carne bovina. No entanto, o Brasil é uma entidade muito contraditória.
A reportagem é de Alejandro Ciriza e publicada pelo jornal El País, 21-04-2014.
Paralelamente ao seu crescimento, se desenvolveu um descontentamento generalizado na sociedade, cansada de corrupção, da insegurança e de um aumento desbaratado da inflação. Diante do nascimento de uma nova classe média com maior poder de compra, inquieta e disposta a protestar, mais exigente, ainda há uma pobreza resumida nos quase dois milhões de pessoas que vivem jogadas nas ruas. Essa nova camada da sociedade considera que se vive bem e que o país evoluiu, mas que a vida poderia ser ainda melhor.
O pavio foi aceso há quase um ano, quando houve um aumento de 20 centavos, depois suspenso, no preço da passagem do transporte público em São Paulo. Até 1,2 milhão de pessoas tomaram a Avenida Paulista, a principal artéria da cidade, para protestar.
As manifestações se voltaram para a Copa das Confederações e desde então envolve a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho na capital paulista. O Brasil, um país que ama a bola, agora rejeita o Mundial. “Nós amamos o futebol. Como é que vamos querer que a Copa não seja realizada aqui? O problema é o dinheiro que foi investido. Qual é o sentido de ter 12 sedes? E a de Manaus? Depois do torneio, ninguém vai jogar lá”, reclama Eduardo, torcedor do Santos, debaixo de um sol escaldante nos arredores do estádio do Pacaembu.
As obras de construção ou reforma dos estádios que sediarão jogos da Copa do Mundo, estimadas inicialmente em 2,4 bilhões de reais, já ultrapassam 8 bilhões de reais. Um investimento total superior aos da Alemanha em 2006 e África do Sul em 2010 combinados. Apesar de o Governo tentar camuflar, o desconforto é evidente. Agora mesmo está controlado, mas basta ir a alguma destas cidades para encontrar mensagens contrárias ao evento.
“Não vai ter Copa”, diz um cartaz colado no térreo do edifício Martinelli, no centro de São Paulo. A indignação também se manifesta na  conversa de qualquer boteco. “É a Copa da elite, dos ricos, da FIFA. Existem outras prioridades”, lamenta Jô, vendedor no colorido Mercado Municipal. O orçamento para o torneio supera os 30 bilhões de reais. É o maior gasto da história das Copas, 10% a mais do que o inicialmente estipulado. No entanto, persistem problemas de infraestrutura em todo o país. Os projetos de mobilidade urbana, indispensáveis em um estado em que o tráfego é um problema endêmico, quase não avançaram. Os aeroportos estão inacabados e entram em colapso facilmente. O preço dos serviços ficou mais caro e subiram 8,75% em 2013, enquanto o desperdício de dinheiro público enerva a população, que exige mais recursos para a educação e a saúde.
Neste ano, os protestos não pararam. Mas, sim, a participação da população diminuiu consideravelmente. No fim de janeiro, cerca de 2.500 pessoas participaram de um dia de protestos em São Paulo. Um jovem foi baleado pela polícia e houve 128 prisões (dos 143 detidos em atos por todo o Brasil). Na semana passada, o saldo foi de 1.000 manifestantes e 54 detidos. A causa do declínio dos participantes não é outro senão a violência. Durante os eventos da Copa das Confederações de 2013, o grupo Black Bloc se infiltrou entre os manifestantes e impôs seu discurso anarquista com a queima de placas, ataques a bancos e confrontos diretos com a polícia.
A maioria das pessoas quer se distanciar. “A sensação de que vamos ter uma grande festa começa a predominar”, argumentou a vice-prefeita da cidade, Nádia Campeão. “Vamos defender as manifestações pacíficas e atuaremos contra as violentas. Na Europa e na Rússia há guerras civis. Como não vai ter problemas aqui? Somos um país pacífico e tolerante, mas há uma desigualdade significativa. O Brasil tem 16.000 quilômetros de fronteiras, mas não travamos nenhuma guerra com ninguém”, defende o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a um grupo de jornalistas convidados para vir ao Brasil.
A segurança é um dos pontos que mais preocupa o Governo brasileiro, que concebeu um esquema complexo que integra as 12 cidades-sede da Copa do Mundo e no qual participarão 180.000 agentes, um número recorde. A célula principal está em Brasília. O sistema integrado começará a funcionar em 23 de maio e permanecerá em vigor até 18 de julho, cinco dias após o término da Copa. Funcionará 24 horas por dia e o custo é de 800 milhões de reais. Junto ao Rio e a Salvador, que receberão o maior número de visitantes, Belo Horizonte também preocupa. É na capital mineira que a seleção da Argentina irá se concentrar (Messi já alugou uma casa de luxo para a sua família no valor 170.000 reais, no luxuoso complexo de Lagoa Santa, onde Ronaldinho mora) e até lá se deslocarão cerca de 600 integrantes das barras bravas, espécie de torcida organizada, com amplo histórico criminoso, liderados pelo chefe do Independiente. O grande conflito está dentro de casa. Com a eleição presidencial em 5 de outubro e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a popularidade de Dilma despencou.
Copa do Mundo e as Olimpíadas vão exigir uma despesa total de 60 bilhões de reais. Em contraste, o impacto econômico será limitado, de acordo com um relatório da Moody’s. Dos 600.000 turistas esperados, a expectativa caiu pela metade. Só os hotéis, o comércio e a alimentação vão se beneficiar por um breve período.
Mas para a FIFA é um bom negócio. Até agora, suas receitas estão estimadas em 3,1 bilhões de reais. Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha revela que 55% dos brasileiros acreditam que o Mundial vai trazer consigo mais prejuízos do que benefícios. Apenas 36% se mostram otimistas. “Eu nasci em 1958. Claro que eu quero uma Copa do Mundo realizada aqui! Todos nós sabemos que o país não está completamente pronto, mas é a nossa oportunidade de mostrar ao mundo como somos. Embora tenhamos deixado tudo para o fim, como de costume, vamos organizar uma grande Copa do Mundo”, diz João, vendedor de sorvete no Parque do Ibirapuera.
São as duas caras do Brasil, um colosso paradoxal. Um país que adora futebol e esse outro que quer mais atenção. As brasas continuam incandescentes. Pelo menos até que a bola role e que entre no gramado o seu exército mais reconhecível – o futebolístico, a toda poderosa seleção canarinha.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos.

COPA NO BRASIL EM 2014.

A COPA JÁ ERA!

www.circulandoaqui.com.br

"A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos". O comentário é de Jorge Luiz Souto Maior, professor livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP e  juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí em artigo reproduzido pelo blog de Juca Kfouri, 21-04-2014.

Eis o artigo.

O presente texto tem o propósito de apresentar onze argumentos, do goleiro ao ponta-esquerda, para demonstrar que a Copa já era! Ou seja, que já não terá nenhum valor para a sociedade brasileira e, em especial para a classe trabalhadora, restando-nos ser diligentes para que os danos gerados não se arrastem para o período posterior à Copa.

1. A perda do sentido humano

O debate entre os que defendem a causa “não vai ter copa” e os que afirmam “vai ter copa” está superado. Afinal, haja o que houver, o evento não vai acontecer, ao menos no sentido originariamente imaginado, como instrumento apto a gerar lucros e dividendos políticos “limpinhos”, como se costuma dizer, pois não é mais possível apagar os efeitos deletérios que a Copa já produziu para a classe trabalhadora brasileira. É certo, por exemplo, que para José Afonso de Oliveira Rodrigues, Raimundo Nonato Lima Costa, Fábio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos Santos, Marcleudo de Melo Ferreira, José Antônio do Nascimento, Antônio José Pitta Martins e Fabio Hamilton da Cruz, mortos nas obras dos estádios, já não vai ter Copa!

Aliás, a Copa já não tem o menor valor para mais de 8.350 famílias que foram removidas de suas casas no Rio de Janeiro, em procedimento que, como adverte o jornalista Juca Kfouri, no documentário, A Caminho da Copa, de Carolina Caffé e Florence Rodrigues, “lembram práticas nazistas de casas que são marcadas num dia para serem demolidas no dia seguinte, gente passando com tratores por cima das casas”. Essas práticas, segundo relatos dos moradores, expressos no mesmo documentário, incluíram invasões nas residências, para medir, pichar e tirar fotos, estabelecendo uma lógica de pressão a fim de que moradores assinassem laudos que atestavam que a casa estava em área de risco, sob o argumento de que na ausência de assinatura nada receberiam de indenização, o que foi completado com o uso da Polícia para reprimir, com extrema violência, os atos de resistência legítima organizados pelos moradores, colimando com demolições que se realizaram, inclusive, com pessoas ainda dentro das casas.

As imagens do documentário mencionado são de fazer chorar e de causar indignação, revolta e repúdio, como o são também as imagens da violência utilizada para a desocupação de imóvel da VIVO na zona norte do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 11 de abril de 2014, onde se encontravam 5.000 pessoas. Lembre-se que as remoções para a Copa ocorreram também em Campo Grande, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Manaus, São Paulo e Fortaleza, atingindo, segundo os Comitês Populares da Copa, cerca de 170 mil famílias em todo o Brasil.

A Copa já não tem sentido para o Brasil, como nação, visto que embora sejam gastos cerca de R$ 30 bilhões para o montante total das obras, sendo 85% vindos dos cofres públicos, a forma como se organizou – ou não se organizou – a Copa acabou abalando a própria imagem do Brasil. Ou seja, mesmo se pensarmos o evento do ponto de vista econômico e ainda que, imediatamente, se possa chegar a algum resultado financeiro positivo, considerando o que se gastou e o dinheiro que venha a ser atraído para o mercado nacional, é fácil projetar um balanço negativo em razão da quebra de confiabilidade.

Se o Brasil queria se mostrar, como de fato não é, para mais de 2 bilhões de telespectadores, pode estar certo de que a estratégia já não deu certo.

A propósito, a própria FIFA, a quem se concederam benefícios inéditos na história das Copas, tem difundido pelo mundo uma imagem extremamente negativa do Brasil, que até sequer corresponde à nossa realidade, pois faz parecer que o Brasil é uma terra de gente preguiçosa e descomprometida, quando se sabe que o Brasil, de fato, é um país composto por uma classe trabalhadora extremamente sofrida e dedicada e onde se produz uma inteligência extremamente relevante em todos os campos do conhecimento, mas que, enfim, serve para demonstrar que maquiar os nossos problemas sociais e econômicos não terá sido uma boa estratégia.

2. Ausência de beneficio econômico

Mesmo que entre perdas e ganhos o saldo econômico seja positivo, há de se indagar qual o preço pago pela população brasileira, vez que restará a esta conviver por muitos anos com o verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos próprios estádios e em aeroportos e avenidas, além da indignação de saber que os grandes estádios e as obras em aeroportos custaram milhões aos cofres públicos, mas que, de fato, pouca serventia terão para a maior parte da classe operária, que raramente viaja de avião e que tem sido afastada das partidas de futebol, em razão do processo notório de elitização incrementado neste esporte.

Oportuno frisar que o dinheiro público utilizado origina-se da riqueza produzida pela classe trabalhadora, vez que toda riqueza provém do trabalho e ainda que se diga que não houve uma transferência do dinheiro público para o implemento de uma atividade privada, vez que tudo está na base de empréstimos, não se pode deixar de reconhecer que foram empréstimos com prazos e juros bastante generosos, baseados na previsibilidade de ganhos paralelos com o evento, ganhos que, no entanto, já se demonstram bastante questionáveis.

No caso do estádio Mané Garrincha, em Brasília, por exemplo, com custo final estimado em R$1,9 bilhões, levando-se em consideração o resultado operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra, qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou, o que é um absurdo do tamanho do estádio, ainda que o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e o secretário executivo da pasta, Luis Fernandes, tenham considerado o resultado, respectivamente, “um êxito” e “um exemplo contra o derrotismo”. O problema aumenta, gerando indignação, quando se lembra que não se tem visto historicamente no Brasil – desde sempre – a mesma disposição de investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte.

O que se sabe com certeza é que a FIFA, que não precisa se preocupar com nenhum efeito social e econômico correlato da Copa, obterá um enorme lucro com o evento. “Uma projeção feita pela BDO, empresa de auditoria e consultoria especializada em análises econômicas, financeiras e mercadológicas, aponta que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil vai render para a Fifa a maior arrecadação de sua história: nada menos do que US$ 5 bilhões entrarão nos cofres da entidade (cerca de R$ 10 bilhões).”

3. O prejuízo para o governo

O governo brasileiro, que tenta administrar todos os prejuízos do evento, vê-se obrigado, pelo compromisso assumido por ocasião da candidatura, a conferir para a FIFA garantias, que ferem a Constituição Federal e que, por consequência, estabelecem um autêntico Estado de exceção, para que o lucro almejado pela FIFA não corra risco de diminuição, entregando-lhe, além dos estádios, que a FIFA utilizará gratuitamente:

a) a criação de um “local oficial de competição”, que abrange o perímetro de 2 km em volta do estádio, no qual será reservada à FIFA e seus parceiros, a comercialização exclusiva, com proibição do livre comércio, inclusive de estabelecimentos já existentes no tal, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento;

b) a institucionalização do trabalho voluntário, para serviços ligados a atividade econômica (estima-se que cerca de 33 mil pessoas terão seu trabalho explorado gratuitamente, sem as condições determinadas por lei, durante o período da Copa no Brasil);

c) o permissivo, conferido pela Recomendação n. 3/2013, do CNJ, da exploração do trabalho infantil, em atividades ligadas aos jogos, incluindo a de gandula, o que foi proibido, ainda que com bastante atraso, em torneios organizados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), desde 2004, seguindo a previsão constitucional e o Estatuto da Criança e da Juventude (ECA);

d) a liberdade de atuar no mercado, sem qualquer intervenção do Estado, podendo a FIFA fixar o preço dos ingressos como bem lhe aprouver (art. 25, Lei Geral da Copa);

e) a eliminação do direito à meia-entrada, pois a Lei Geral da Copa permitiu à FIFA escalonar preços em 4 categorias, que serão diferenciadas, por certo, em razão do local no estádio, sendo fixada a obrigatoriedade de que se tenha na categoria 4, a mais barata (não necessariamente com preço 50% menor que a mais cara), apenas 300 mil ingressos, sem quórum mínimo para cada jogo, e apenas dentre estes é que se garantiu a meia entrada para estudantes, pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; e participantes de programa federal de transferência de renda, que, assim, foram colocados em concorrência pelos referidos ingressos;

f) o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, deixando-se os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos à definição exclusiva da FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade: de modificar datas, horários ou locais dos eventos, desde que seja concedido o direito ao reembolso do valor do ingresso ou o direito de comparecer ao evento remarcado; da venda de ingresso de forma avulsa, da venda em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do ingresso após a confirmação de que o pedido de ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do ingresso, independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso (art. 27).

4. O prejuízo para a cidadania

Para garantir mesmo que o lucro da FIFA não seja abalado, o Estado já anunciou que o evento terá o maior efetivo de policiais da história das Copas, com gasto estimado de 2 bilhões de reais, mobilizando, inclusive, as Forças Armadas, tudo isso não precisamente para proteger o cidadão contra atos de violência urbana, mas para impedir que o cidadão, vítima da violência da Copa, possa se insurgir, democraticamente, contra a sua realização.

A respeito das manifestações, vale frisar, é completamente impróprio o argumento de que como nada se falou antes, agora é tarde para os cidadãos se insurgirem. Primeiro, porque quando o compromisso foi firmado ninguém foi consultado quanto ao seu conteúdo. E, segundo, porque nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada. O argumento, portanto, é insustentável e muito grave, sobretudo no ano em que a sociedade brasileira se vê diante do desafio de saber toda a verdade sobre o golpe de 1964 e os 21 anos da ditatura civil-militar.

Deve-se acrescentar, com bastante relevo, que o evento festivo, composto por alguns jogos de futebol, está sendo organizado de modo a abranger toda a sociedade brasileira, impondo-lhe os mais variados sacrifícios, pois impõe uma intensa alteração da própria rotina social, atingindo a pessoas que nenhuma relação possuem com o evento ou mesmo que tenham aversão a ele.

O próprio calendário escolar foi alterado, para que não houvesse mais aulas durante a Copa, buscando, de fato, melhorar artificialmente o trânsito e facilitar o acesso aos locais dos jogos. A educação, que é preceito fundamental, que se arranje, pois, afinal, é ano da Copa! Algumas cidades, para melhor atingir esse objetivo da facilitar a circulação, mascarando os problemas do transporte, pensam, seriamente, em decretar feriados nos dias de jogo da seleção brasileira, interferindo, também, na lógica produtiva nacional.

Nos serviços públicos já se anunciaram alterações nos horários de funcionamento, de modo a não permitir coincidência com os dias de jogos do Brasil, sendo que em alguns Tribunais do Trabalho (Mato Grosso – em Cuiabá e nas cidades do interior; Rio Grande do Sul e São Paulo, com diferenças de intensidade e de datas); o funcionamento foi suspenso, gerando adiamento das audiências… Ou seja, o trabalhador, que esperou meses para ser atendido pela Justiça, verá sua audiência adiada para daqui a alguns novos meses, pois, afinal, era dia de jogo da Copa!

Somados todos esses fatores, é fácil entender que a Copa já perdeu todo o sentido para a nação brasileira. Não por outra razão, aliás, é que a aprovação para a realização da Copa no Brasil, em novembro de 2008, que era de 79% caiu, em abril de 2014, para 48%, e os que eram contrários subiram, no mesmo período, de 10% para 41%, sendo que mais da metade dos brasileiros considera que os prejuízos serão maiores que os ganhos.

5. O prejuízo para a razão

Numa leitura otimista, o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, que se chama, por coincidência reveladora, Ricardo Trade (comércio, em inglês), prefere dar destaque ao fato de que 48% são a favor e apenas 41% são contra, avaliando, então, que o copo está meio cheio. Só não consegue ver que o copo está esvaziando e que, de fato, nos trens e ônibus, que transportam os trabalhadores, só se fala da Copa para expressar indignação com relação às condições do transporte, da saúde, das escolas, e da falta de creches. Sintomático, aliás, o fato de que as periferias das grandes cidades não estão pintadas para a “festa” do futebol, como estavam nas Copas anteriores e isso porque, com a Copa sendo realizada aqui, é possível ver as disparidades e perceber com maior facilidade como a retórica do legado não atinge, concretamente, a vida da classe trabalhadora.

Os tais empregos gerados são precários e inseridos, sobretudo nas obras de estádios, aeroportos e vias públicas, na lógica perversa da terceirização, sendo que muitos trabalhadores ainda serão explorados sem qualquer remuneração no mal denominado trabalho “voluntário”, referido com orgulho pelo “Senhor Comércio”.

Fato é que não será mais possível assistir a um jogo da Copa, no estádio, pela TV ou nos circos armados do “Fan Fest” e se emocionar com uma jogada ou um gol, sem lembrar do preço pago: assalto à soberania; Estado de exceção; gastos públicos; abalo da confiabilidade em razão da desorganização; violências dos despejos, dos acidentes de trabalho e da repressão policial…

Sobre o Fan Fest, ademais, é oportuno esclarecer que se trata de um “evento oficial” da Copa da FIFA, que deve ser organizado e custeado pelas cidades sedes de jogos, para que os excluídos dos estádios possam assistir aos jogos por um telão, com o acompanhamento de shows. Esse evento, organizado e pago pelo Estado (que se fará em São Paulo mediante pareceria com o setor privado, conforme Comunicado de Chamamento Público n. 01/2014/SMSP, que estabeleceu o prazo de uma semana para o oferecimento de ofertas), realizado em espaço público, atende aos interesses privados da FIFA e suas parceiras. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, o Decreto n. 55.010, de 9 de abril de 2014, assinado pela vice-prefeita em exercício, Nádia Campeão (em nova coincidência reveladora), que regulou o evento, transforma a área pública do Fan Fest em uma área privada, reservada, como dito no Decreto, aos fãs da Copa. Nos termos expressos no Decreto: “FAN FEST: área do Vale do Anhangabaú indicada pela cidade-sede e reconhecida pela FIFA como área de lazer exclusiva aos fãs da Copa do Mundo FIFA 2014” (inciso VIII, do art. 2º.) – grifou-se.

O mesmo Decreto fixa esse local, o do Fan Fest, como área de “restrição comercial”, que são “áreas definidas pelo Poder Público Municipal com perímetros restritos no entorno de locais oficiais específicos de competição, nas quais, respeitadas as normas legais existentes, fica assegurada a exclusividade prevista no artigo 11 da Lei Federal nº 12.663, de 2012, à FIFA ou a quem ela autorizar” (inciso XIII, do art. 2º.), valendo reparar que o Decreto, artificialmente, amplia, em muito, a extensão geográfica do Vale do Anhangabaú: “FAN FEST: a partir do Largo da Memória, Rua Formosa, Viaduto do Chá, Praça Ramos de Azevedo, Rua Conselheiro Crispiniano, Rua Capitão Salomão, Praça Pedro Lessa, Largo São Bento, Rua Florêncio de Abreu, Rua Boa Vista, Rua Líbero Badaró, Praça do Patriarca, alça de retorno da Av. 23 de Maio do sentido Bairro/Centro para o sentido Centro/Bairro, Av. 23 de Maio, entre o Largo da Memória e o Viaduto do Chá, conforme Anexo II deste decreto” (inciso II, do art. 3º.), atingindo até mesmo o espaço aéreo: “Os espaços aéreos correspondentes aos perímetros descritos nos incisos I e II do “caput” deste artigo também se constituem em áreas de restrição comercial” (parágrafo único do art. 3º.).

É importante saber que ao se impedir a comercialização na área reservada a Prefeitura de São Paulo acabou interrompendo um processo de negociação, iniciado em maio de 2012, com os ambulantes que atuavam na cidade e, em especial, na região central, onde se situa o Vale do Anhangabaú, e cuja licença havia sido cassada no contexto de uma política de endurecimento muito forte quanto à fiscalização de sua atuação, que fora intensificada, exatamente, a partir de 2011, quando houve a assinatura do termo de compromisso, anunciando São Paulo como uma das cidades sedes da Copa. Em 2012, acabaram sendo canceladas todas as 5.137 licenças dos ambulantes e até hoje, mesmo após instaurado, desde 2012, um grupo de trabalho tripartite – trabalhadores, sociedade civil e prefeitura (Fórum dos Ambulantes), para a discussão do problema, nada se resolveu e, em concreto, ao editar o Chamamento Público acima citado, a Prefeitura acabou dificultando sobremaneira a pretensão dos ambulantes de terem alguma atuação comercial durante a Copa. É a Copa, na verdade, fechando postos de trabalho!

6. De novo o dinheiro

Há de se considerar que todos esses efeitos já foram produzidos e continuarão repercutindo na vida real para além da Copa, ainda que o saldo econômico desta venha a ser positivo. E se o tema é dinheiro, há de se indagar: dinheiro para quem, cara pálida? É evidente que o benefício econômico não ficará para a classe trabalhadora e sim para quem explora o trabalho ou se vale da lógica de reprodução do capital. Para o trabalhador, o dinheiro que se direciona é o fruto do trabalho realizado, que, de fato, na lógica do modelo de sociedade capitalista, não representa, jamais, o equivalente necessário para restituir à classe trabalhadora como um todo o valor do trabalho empregado no serviço ou na obra. A lógica econômica da Copa não é outra coisa senão a intensificação do processo de acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho alheio, sendo que se considerarmos a utilização do denominado “trabalho voluntário”, que se realizará sem qualquer custo remuneratório, a acumulação que se autoriza é ainda maior.

O tal efeito benefício econômico, a que tanto se alude, portanto, não será, obviamente, revertido à classe trabalhadora. Esta, inclusive, será enormemente prejudicada, na medida em que o dinheiro público utilizado para financiar a atividade lucrativa de índole privada foi extraído da tributação realizada sobre a riqueza produzida pelo trabalho e que, assim, deveria ser, prioritariamente, revertida ao conjunto da classe trabalhadora para a satisfação das necessidades essenciais garantidas por preceitos constitucionais: escolas, hospitais, previdência e assistência social, creches e transporte, por exemplo. É completamente ilógico dizer, como disse o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, no texto mencionado, que se está usando o dinheiro público para incentivar uma produção privada com o objetivo de, ao final, tributar essa produção e devolver o dinheiro aos cofres públicos.

O argumento seria apenas ilógico não fosse, também, digamos assim, carregado de alguns equívocos, o que o torna, portanto, muito mais grave. Ora, como adverte Maurício Alvarez da Silva, pelos termos da Lei Geral da Copa, Lei n. 12.350/10, “foi concedida à Fifa e sua subsidiária no Brasil, em relação aos fatos geradores decorrentes das atividades próprias e diretamente vinculadas à organização ou realização dos Eventos, isenção de praticamente todos os tributos federais” .

Além disso, em 17 de maio de 2013, o governo federal publicou no “Diário Oficial da União decreto que concede isenção de tributos federais nas importações destinadas à Copa das Confederações neste ano e à Copa do Mundo de 2014. Entre os produtos incluídos na isenção estão alimentos, suprimentos médicos, combustível, materiais de escritório, troféus. O benefício abrange Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na importação, Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Taxa de utilização do Siscomex, Taxa de utilização do Mercante, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante e Cide-combustíveis”.

Em concreto, continuarão sendo tributados apenas as empresas nacionais, que não estejam integradas ao rol das apaziguadas da FIFA, sofrendo, ainda, com a isenção concedida às importadoras, os trabalhadores e os consumidores, sendo que o valor circulado nesta seara é ínfimo se considerarmos aquele, sem tributação, destinado à FIFA e suas parceiras e às importadoras.

7. De novo os ataques aos trabalhadores

Quando os trabalhadores, saindo da invisibilidade, se apresentam no cenário político e econômico e se expressam no sentido de que planejam uma organização coletiva para tentarem diminuir o prejuízo, buscando, por meio de reivindicações grevistas, atrair para si uma parte maior do capital posto em circulação em função da Copa, logo algum economista de plantão vem a público com a ameaça de que tais ganhos podem resultar em demissões futuras.

Mas, essa possibilidade aventada pelos trabalhadores de se fazerem ouvir na Copa, que pode, em concreto, minimizar o prejuízo dos trabalhadores, no processo de acumulação, e do país, na evasão de riquezas, acabou provocando uma reação institucional imediata, afinal o compromisso assumido pelo Estado brasileiro foi o de permitir que a FIFA obtivesse o seu maior lucro da história. Então, a Justiça do Trabalho se adiantou e divulgou que vai estabelecer um sistema de plantão para julgar, com a máxima celeridade (de um dia para o outro), as greves que ocorram durante a Copa, com o pressuposto já anunciado de que “as greves têm custo para os trabalhadores, empregadores e população”, sendo certo que a Copa não pode ser usada para “expor o país a uma humilhação internacional, como no Carnaval, quando houve greve de garis”.

Pouco importa o quanto a Justiça do Trabalho, historicamente, demora para dar respostas aos direitos dos trabalhadores, no que se refere às diversas formas de violências de que são vítimas em razão das práticas de algumas empresas no que tange à falta de registro, ao não pagamento de verbas rescisórias, ao não pagamento de horas extras, ao não pagamento de indenizações por acidentes do trabalho etc. Mesmo que já tendo melhorado sobremaneira na defesa dos interesses dos trabalhadores, transmite ainda a ideia central de que o que importa é ser célere quando isso interessa ao modelo econômico, que se vale da exploração do trabalho para reproduzir o capital.

A iniciativa repressiva da Justiça, ademais, foi aplaudia, rapidamente, por editorial do jornal Folha de S. Paulo, o qual, inclusive, em declaração, no mínimo, infeliz, chamou os trabalhadores de oportunistas: É uma iniciativa elogiável para evitar o excesso de oportunismo sindical, que não hesita em prejudicar o público e ameaçar o principal evento do ano no país.

Ou seja, todo mundo pode ganhar, menos os trabalhadores. Parodiando a máxima penal, é como se lhes fosse dito: “tudo que vocês ganharem pode ser utilizado contra vocês mesmos…”.

Como foram as condições de trabalho nas obras? Quantos trabalhadores não receberam ainda os seus direitos por serviços que prestaram para a realização da Copa? Segundo preconizado pelo viés dessa preocupação, nada disso vem ao caso… Na visão dos que só veem imperativo obrigacional de realizar a Copa, como questão de honra, custe o que custar, o que importa é que o “público” receba o proveito dos serviços dos trabalhadores e se estes não ganham salário digno ou se trabalham em condições indignas não há como trazer à tona, para não impedir a realização do evento e para não abalar a imagem no Brasil lá fora.

Mas, concretamente, que situação pode constranger mais a figura do Brasil no exterior? O Brasil que faz greves? Ou o Brasil em que os trabalhadores são submetidos a condições subumanas de trabalho e que não permite que esses mesmos trabalhadores, em geral invisíveis aos olhos das instituições brasileiras, se insurjam contra essa situação, tendo que aproveitar o momento de um grande evento para, enfim, ganhar visibilidade, inclusive, internacional?

Na verdade, a humilhação internacional, a qual não se quer submeter o Brasil, é a de que o mundo saiba como o capitalismo aqui se desenvolve, ainda marcado pelos resquícios culturais de quase 400 anos de escravidão e sem sequer os limites concretos da eficácia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais, promovendo, em concreto, uma das sociedades mais injustas da terra.

8. O perverso legado das condições de trabalho na Copa

Do ponto de vista da realidade, é preciso consignar que a pressa na execução das obras ainda tem aumentado a espoliação da classe trabalhadora com elevação das jornadas de trabalho, cuja retribuição, ainda que paga, nunca é suficiente para atingir o nível da equivalência, ainda mais quando são implementadas fórmulas jurídicas fugidias do efetivo pagamento (banco de horas, compensações etc.). O trabalho em jornadas extraordinárias, ademais, gera um desgaste físico e mental do trabalhador que não é computado e não se compensa por pagamento.

Além dos acidentes do trabalho citados inicialmente, portanto, é importante adicionar ao legado da Copa para a classe trabalhadora as más condições de trabalho, caracterizadas pela elevação das jornadas de trabalho, pelo aumento do ritmo do trabalho e da pressão pela celeridade.

O relato de alguns fatos, extraídos do noticiário jornalístico, auxilia na visualização desse contexto de supressão de direitos dos trabalhadores no período de preparação para a Copa.

Em setembro de 2013, 111 migrantes, vindos do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram encontrados em condições análogas à de escravos na obra de ampliação do aeroporto de Guarulhos/SP, o mais movimentado da América Latina, sob a responsabilidade da empresa OAS, que além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, sendo uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport e que para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, obteve do BNDES um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.

E a OAS, evidentemente, declarou que “vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações” do Ministério do Trabalho e Emprego, negando que as vítimas fossem suas empregadas ou que tivesse tido qualquer “participação no incidente relatado” .

Até abril de 2012, conforme reportagem de Vinícius Segalla, oito dos doze estádios da Copa já haviam enfrentado greves, atingindo 92 dias de paralisação, sendo o recorde do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 24 dias. As reivindicações foram variadas, indo desde questões ligadas à remuneração até o desrespeito de direitos como pagamento de horas extras e fornecimento de planos de saúde. Segundo a reportagem, “Em uma das quatro paralisações já ocorridas em Pernambuco, no início de novembro do ano passado, o motivo foi a forma como a Odebrecht lidou com as reivindicações dos trabalhadores. É que a empreiteira demitiu dois funcionários da arena que eram membros da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) porque eles teriam incitado os trabalhadores a fazer greve. A demissão dos operários, junto com denúncias de assédio moral supostamente praticados pelo responsável pela segurança do canteiro, levou os funcionários a decretar greve.”

Também nos termos da reportagem, “a empresa explicou ao UOL Esporte que ‘Os dois empregados membros da Cipa foram demitidos por justa causa, por cometimento de flagrante ato de indisciplina, quando, no último dia 31 de outubro, instigaram os colegas a paralisarem a obra da Arena da Copa, sem nenhuma razão plausível’.” Embora, depois, por meio de nota tenha dito que as dispensas se deram sem justa causa.

A situação, revela a mesma reportagem, foi também bastante séria na greve do Maracanã, em setembro de 2011, cuja motivação, segundo Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), teria sido o fato de que “foram servidos aos cerca de 2.000 trabalhadores da obra macarrão e feijão estragados, salada com bichos e leite fora da validade”, o que fora negado pelo Consórcio Maracanã (Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez), por meio de nota. O local já havia sido alvo de uma greve, um mês antes, agosto de 2011, por causa de uma explosão no canteiro que feriu um trabalhador.

Relata-se, ainda, que em Manaus (AM), na Arena Amazônia, houve paralisação de um dia, em 22 de março de 2012, porque conta do valor da cesta básica que estava sendo paga aos operários, R$ 37, enquanto que “de acordo com pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ), o valor da cesta básica, composta por 12 produtos, fechou o mês de março a um custo R$ 251,38 na capital amazonense”, tendo a greve se encerrado com o aumento da cesta para R$ 60, acompanhado da promessa da empresa de que iria “voltar a pagar hora extra aos sábados, o que parara de fazer três meses antes”.

Na arena de Pernambuco, no início de 2012, foi promovida a dispensa coletiva de 560 empregados, conforme destacado em reportagem de Paulo Henrique Tavares, que vale a pena reproduzir:

A sexta-feira marcou a volta aos trabalhos dos operários responsáveis pela construção da Arena Pernambuco, na cidade de São Lourenço da Mata. E como “boas-vindas”, 560 trabalhadores acabaram recebendo o comunicado de demissão. A expectativa da comissão organizadora da recente greve, que paralisou as obras do estádio por oito dias, é de que outros mil funcionários peçam a carta de dispensa até o fim da tarde.

Por considerar “abusiva e ilegal”, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PE) exigiu, na quinta-feira, a volta aos trabalhos dos grevistas, com penalidade de R$ 5 mil, por dia, ao sindicato da categoria, o Sintepav, em caso de descumprimento. Apesar da obrigatoriedade, a ideia dos remanescentes nas obras da Arena Pernambuco é praticar – como os próprios denominam – uma “operação tartaruga”.

“Eu vim preparado para ser demitido. Como não fui, a maneira que encontrei para ajudar meus companheiros é trabalhar de maneira lenta. Cada prego desta Arena irá demorar pelo menos um dia, para ser colocado”, disse um trabalhador, que preferiu não ser identificado. “Eu não tenho prazo para terminar a obra. Quem tem prazo é o governo.”

Antes das demissões, as obras para a Arena da Copa contavam com 2.437 trabalhadores. Já contando com as saídas desta sexta-feira, cerca de 250 novos operários se apresentaram para o trabalho, em São Lourenço da Mata. “Pelo número de polícias que estão aqui na obra hoje, acredito que eles e o governador Eduardo Campo devem colocar a mão na massa para levantar o estádio até a Copa do Mundo”, falou, em tom irônico, um dos novos desempregados.

Entre as reivindicações, os trabalhadores exigiam aumento de benefícios, como cesta básica de R$ 80 para R$ 120, maior participação nos lucros e resultados (PLR), Plano de Saúde para os profissionais e ajudantes, além de abono dos dias parados e estabilidade de um ano para a comissão dos trabalhadores.

A questão pertinente às condições de trabalho chegou a tal extrema que, na Arena do Grêmio (que não está integrada aos jogos da Copa, mas se alimenta da mesma lógica), em outubro de 2011, os próprios trabalhadores pediram sua demissão, como “forma de protesto pelas condições de trabalho impostas pela empreiteira. A maioria dos trabalhadores é do Maranhão e retornará ainda hoje para seu estado natal.”

No estádio do Itaquerão, os operários disseram, em janeiro de 2014, à reportagem do UOL que estavam recebem salário “por fora” (que impede a tributação e não se integra aos demais direitos dos trabalhadores), “para trabalhar mais do que o previsto pelo acordo e evitar que a inauguração do palco de abertura da Copa do Mundo atrase ainda mais”. Segundo consta da reportagem, “Um soldador que trabalha na obra contou à reportagem que espera receber um salário quatro vezes maior do que o normal neste mês devido às horas extras irregulares que está fazendo”.

Segundo a reportagem, o acordo em questão, firmado com o aval do Ministério do Trabalho e Emprego, em 19 de dezembro de 2013, foi o de que estaria autorizado o trabalho em até duas horas extras diariamente, sendo que, anteriormente, dizem os trabalhadores, havia jornadas de até 16 horas. E, presentemente, as horas além das duas extras permitidas, que já é, por si, grave afronta à Constituição, eram trabalhadas sem marcação em cartão de ponto. “Eles [os chefes] falam para a gente: ‘Não pode atrasar’. Ainda tem muita coisa pra fazer e às vezes é melhor mesmo você trabalhar umas horinhas a mais num dia para terminar uma tarefa e já começa num ponto mais a frente no dia seguinte”, disse à reportagem um ajudante de pedreiro, de 23 anos, que, assim como os outros trabalhadores que conversaram com o UOL Esporte, pediu para não ser identificado.

Nos termos da reportagem, “Além do medo de perder o salário adicional, os funcionários da construtora disseram que foram orientados a não dar entrevistas. ‘Teve uma palestra no fim do ano para falar pra gente tomar cuidado com a imprensa, pra não ficar falando qualquer coisa porque isso só atrapalha a gente’, declara o ajudante de pedreiro.” Como revela notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, edição de 23/03/14 (p. D-4), foram flagrados pelos jornalistas trabalhadores executando suas tarefas sem as mínimas condições de segurança e de uma subsistência digna em obra do centro de treinamento da seleção da Alemanha no sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália).

9. O atentado histórico à classe trabalhadora

A maior parte dos problemas vivenciados pelos trabalhadores nas obras da Copa está ligada à sua submissão ao processo de terceirização e de precarização das condições de trabalho, que acabaram sendo acatados, sem resistência institucional contundente, durante o período de preparação para a Copa, interrompendo o curso histórico que era, até então, de intensa luta pela melhoria das condições de trabalho no setor da construção civil, que é o recordista, vale destacar, em acidentes do trabalho. Essa luta, implementada pelo Ministério Público do Trabalho, tendo como ponto essencial o combate à terceirização, entendida como fator principal da precariedade que gera acidentes, já havia sido, inclusive, encampada pelo Governo Federal, em 2012, ao se integrar, em 27 de abril, ao Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.

O fato é que o evento Copa, diante da necessidade de se acelerarem as obras, acabou por jogar por terra quase toda, senão toda, a racionalidade que já havia sido produzida a respeito do assunto pertinente ao combate à terceirização no setor da construção civil, chegando-se mesmo ao cúmulo do próprio Superintendente Regional do Trabalho e emprego de São Paulo, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Antônio Medeiros, um ex-sindicalista, declarar, sobre as condições de trabalho no Itaquerão, que: “Se esse estádio não fosse da Copa, os auditores teriam feito um auto de infração por trabalho precário e paralisado a obra. Estamos fazendo de conta que não vemos algumas irregularidades” (entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 03/04/14).

O período da preparação para a Copa, portanto, pode ser apontado como um atentado histórico à classe trabalhadora, que jamais será compensado pelo aludido “aumento de empregos”, até porque, como dito, tais empregos, no geral, se deram por formas precárias. Nas obras o que se viu e se vê – embora não seja visto pelo Ministério do Trabalho e Emprego – são processos de terceirização e quarteirização, sem uma oposição institucional, que, por conseqüência, produz o legado de grave retrocesso sobre o tema, que tende a se estender, perigosamente, para o período posterior à Copa.

Não se pode esquecer que quase todos os acidentes fatais acima mencionados, não por coincidência, atingiram trabalhadores terceirizados, e o Estado de exceção, acoplado ao silêncio institucional sobre as formas de exploração do trabalho (exceção feita a algumas iniciativas individualizadas de membros do Ministério Público do Trabalho) e acatado para garantir a Copa, acabaram servindo como uma luva a certas frações do setor econômico, que serão as únicas, repita-se, que verdadeiramente, se beneficiarão do evento, para desferir novo ataque aos trabalhadores, representado pela tentativa de fuga de responsabilidade da empresa responsável pela obra, transferindo-a à empresa contratada (terceirizada), que possui, como se sabe, quase sempre, irrisório suporte financeiro para arcar com os riscos econômicos envolvidos.

Sobre a morte de José Afonso de Oliveira Rodrigues, a construtora Andrade Gutierrez, responsável pela construção da arena em Manaus, defendeu-se, publicamente, dizendo que Martins trabalhava para a Martifer, empresa contratada para fazer as estruturas metálicas da fachada e da cobertura.

Quando da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, também na obra da arena de Manaus, a Andrade Gutierrez repetiu a estratégia, expressando-se em nota:

É com pesar que a Construtora Andrade Gutierrez informa que por volta das 4h da manhã de hoje, 14/12/2013, o operário Marcleudo de Melo Ferreira, 22 anos, natural de Limoeiro do Norte – CE, funcionário de empresa subcontratada que presta serviços na montagem da cobertura da Arena da Amazônia, sofreu uma queda de uma altura de cerca de 35 metros, sendo socorrido e levado ao Pronto Socorro 28 de Agosto ainda com vida, onde não resistiu aos ferimentos e veio a falecer nesta manhã. Reiteramos o compromisso assumido com a segurança de todos os funcionários e que uma investigação interna está sendo feita para apurar as causas do acidente. As medidas legais estão sendo tomadas em conjunto com os órgãos competentes. Lamentamos profundamente o acidente ocorrido e estamos prestando total assistência à família do operário. Em respeito à memória do mesmo, os trabalhos deste sábado foram interrompidos. – grifou-se.

Igual postura foi adotada pela Odebrecht Infraestrutura, responsável pela obra do Itaquerão, no que tange às mortes de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos. Eis a nota publicada:

A Odebrecht Infraestrutura e o Sport Club Corinthians Paulista lamentam informar que no início da tarde de hoje um acidente na obra da Arena Corinthians provocou o falecimento de dois trabalhadores – Fábio Luiz Pereira, 42, motorista/operador de Munck da empresa BHM, e Ronaldo Oliveira dos Santos, 44 anos, montador da empresa Conecta. Pouco antes das 13 horas, o guindaste, que içava o último módulo da estrutura da cobertura metálica do estádio, tombou provocando a queda da peça sobre parte da área de circulação do prédio leste – atingindo parcialmente a fachada em LED. A estrutura da arquibancada não foi comprometida. Era a 38ª vez que esse tipo de procedimento realizava-se na obra e uma peça de igual proporção foi instalada há pouco mais de uma semana no setor Sul do estádio. Equipes do corpo de bombeiros estão no local. No momento, todos os esforços estão concentrados para oferecer assistência total às famílias das vítimas.

E para demonstrar que a terceirização, com a utilização da estratégia de se eximir de responsabilidade, não é privilegio da iniciativa privada, quando houve a morte de José Antônio do Nascimento na obra do Centro de Convenções do Amazonas, desenvolvida pelo Centro de Gestão Metropolitana do Município de Manaus ao lado da Arena da Amazônia, a entidade em questão expediu a seguinte nota:

O funcionário da Conserge, empresa que presta serviço para a Unidade de Gestão Metropolitana, José Antônio da Silva Nascimento, de 49 anos, morreu de infarto por volta das 9h da manhã deste sábado (14 de dezembro), quando trabalhava nos serviços de limpeza e terraplanagem para o asfaltamento do Centro de Convenções da Amazônia, localizado na Avenida Pedro Teixeira. José Antônio se sentiu mal quando subiu em uma caçamba. Uma ambulância do Samu foi acionada imediatamente para realizar o atendimento, mas o trabalhador não resistiu. A Conserge está dando toda a assistência necessária à família da vítima.

Segundo a família de José Antônio, este trabalhava sob pressão devido ao atraso na obra. “Ele trabalhava de domingo a domingo”, afirmou sua cunhada, Priscila Soares.

Por ocasião da morte de Antônio José Pitta Martins, técnico especializado em operações de guindastes de grande porte, que veio de Portugal para trabalhar na obra da Arena da Amazônia, tendo sido atingido na cabeça por uma peça de ferro que se soltou de um guindaste, novamente a fala se repete. Em nota oficial, a empresa responsável técnica pela obra, Andrade Gutierrez, destaca que o trabalhador não era seu empregado, ao mesmo tempo em que deixa claro que “o acidente não interferiu no seguimento das obras”.

Eis o teor da nota:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A Construtora Andrade Gutierrez informa que, por volta das 8h da manhã de hoje, 07/02/2014, um técnico de guindaste de grande porte, funcionário da empresa Martifer, sofreu um acidente nas dependências do sambódromo enquanto desmontava a máquina utilizada nas obras da Arena da Amazônia. O guindaste, que auxiliava os trabalhos da Arena, já estava com as operações encerradas desde 11/01/2014 e desmobilizado em uma área externa. O operador foi socorrido pela equipe de Segurança do Trabalho e levado pelo SAMU até o hospital 28 de Agosto, onde teve seu quadro de saúde estabilizado e foi transferido para o hospital João Lúcio. O acidente não interferiu no seguimento das obras da Arena da Amazônia. – grifou-se.

A empresa Martifer Construções Metalomecânica S/A, por sua vez, emitiu nota de pesar, noticiando que iria “apurar as causas do acidente”.

A última morte foi a de Fabio Hamilton da Cruz, que se deu em acidente ocorrido no Itaquerão, após uma queda de oito metros de altura. Fabio, conforme foi várias vezes frisado pelos envolvidos, com difusão na imprensa, era empregado da WDS, uma subcontratada da Fast Engenharia, que fora contratada pela AmBev, que aceitou bancar os 38 milhões de reais para colocação de arquibancadas provisórias, exigidas pela FIFA para que o estádio tivesse a capacidade de público necessária para receber a abertura da Copa do Mundo.

10. A culpabilização das vítimas

A respeito do acidente de Fábio Hamilton da Cruz, o Delegado designado para verificação do ocorrido, após ouvir alguns relatos, um dia depois do ocorrido, sem a realização de qualquer laudo técnico, já concluiu que teria havido um “excesso de confiança” da vítima.

Essa foi, ademais, outra forma de agressão aos direitos dos trabalhadores que a pressa para a realização da Copa acabou reforçando, a da culpabilização da vítima nos acidentes do trabalho.

Ora, como o próprio nome diz, o acidente do trabalho é um sinistro que se dá em função da realização de trabalho em benefício alheio, ao qual, independente da postura da vítima, fica obrigado a reparar o dano, já que o risco da atividade econômica lhe pertence (art. 2º. da CLT) e, consequentemente, é de sua responsabilidade o cuidado com o meio ambiente de trabalho.

É extremamente agressivo à inteligência humana, servindo, inclusive para fazer prolongar no tempo o sofrimento da vítima ou de seus familiares, o argumento, daquele que explora com proveito econômico o trabalho alheio, de que “vai apurar” o ocorrido, deixando transparecer no ar uma acusação, que nem sempre é velada, de que a culpa pelo acidente foi do trabalhador.

Veja-se, por exemplo, o que se passou no caso do Raimundo Nonato Lima Costa, que morreu após uma queda de 35 metros na Arena da Amazônia. Em nota de pesar pela sua morte, a responsável técnica pela obra não teve o menor receio, inclusive, de fazer uma acusação generalizada aos trabalhadores, apontando-os como responsáveis por sua própria segurança. Diz a nota.

NOTA DE PESAR

A Andrade Gutierrez lamenta a morte do operário Raimundo Nonato Lima Costa, ocorrida na noite desta quinta-feira, durante o turno noturno da obra da Arena da Amazônia. A empresa providenciou apoio imediato à família do funcionário e aguarda o resultado dos trabalhos da perícia técnica que foi iniciada pela Polícia Civil com o objetivo de apurar as causas do ocorrido. A Andrade Gutierrez reitera o compromisso assumido com a segurança de todos os seus funcionários e informa que intensificará o trabalho de conscientização dos operários com foco na prevenção de acidentes.

Por ocasião da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, na mesma Arena, já mencionada acima, o secretário da Copa em Manaus, Miguel Capobiango, foi além na agressão aos trabalhadores e desferiu o ataque de que as duas quedas fatais até então havidas na Arena tinham sido fruto do “relaxo” dos operários na utilização dos equipamentos de segurança. “Usar o equipamento de segurança às vezes é chato e nem todos gostam de estar usando. O operário às vezes abre mão por preguiça, então ele relaxa, e é isso que agora nós não podemos deixar”. “Infelizmente, os dois acidentes aconteceram por uma questão básica de não cuidado do trabalhador no uso correto do equipamento.”

E, sobre a morte de Fabio Hamilton da Cruz no estádio no Itaquerão, disse Andrés Sanches: “Na vida, cometemos erros e excessos. Já dirigi carro a 150 km/h. Eu não bebo. Vocês já devem ter dirigido “mamados”. Infelizmente, cometemos erros que acabam em fatalidade. Realmente, é padrão na construção civil.”

11. O retrocesso social e humano da Copa

Bem se vê que o legado maléfico para os trabalhadores brasileiros com a Copa não está apenas nas más condições de trabalho e nos conseqüentes oito acidentes fatais (não se contando aqui os vários outros acidentes do trabalho que não resultaram em óbito), o que, por si, já constitui um grande prejuízo, ainda mais se lembrarmos que as obras para a Copa da África em 2010 deixaram 02 mortes por acidente do trabalho, está também na tentativa explícita de culpar as vítimas, buscando atingir a uma impunidade que reforça a lógica de uma exploração do trabalho alheio pautada pela desconsideração da dignidade humana.

A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos.

O passo fundamental é o de recuperar a consciência, pois a porta aberta às concessões morais e éticas para atender aos interesses econômicos na realização da Copa tem deixado passar a própria dignidade, o que resta demonstrado nas manifestações que tentam justificar o injustificável apenas para não permitir qualquer abalo na “organização” do evento. Foi assim, por exemplo, que o maior atleta do século XX e melhor jogador de futebol de todos os tempos, o eterno Pelé, chegou a sugerir, mesmo que não tenha tido uma intenção malévola, que mortes em obras são fatos que acontecem, “são coisas da vida” e que se preocupava mesmo era com o atraso nas obras dos aeroportos; que o competente e carismático técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, ainda que sem querer ofender, afirmou que a solução para o problema do racismo no futebol é ignorar os “babacas” que cometem tais ofensas, pois puni-los não resolve nada; e que o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, cogitou pedir para que os cidadãos brasileiros economizassem energia a fim de que não faltasse luz na Copa.

A postura subserviente, para satisfazer os interesses da FIFA, chegou ao ponto extremo de algumas cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal e Fortaleza, terem atendido pedido feito, com a maior cara de pau do mundo, pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, para que as cidades sedes de jogos da Copa concedessem transporte gratuito – algo que o Movimento Passe Livre está lutando, e sofrendo, para conseguir há anos –, sendo que a concessão, diversamente do que tem buscado o MPL, não se destina às pessoas necessitadas, mas aos torcedores dos jogos da Copa, que possuem condições financeiras para pagar os altos preços dos ingressos, que chegaram a ser vendidos, no paralelo, por até R$91 mil…

É de suma importância deixar claro, para a nossa compreensão e para a nossa imagem no mundo, que temos a percepção de todos esses problemas, que não o aprovamos e que estamos dispostos a enfrentá-los e superá-los.

O autêntico efeito positivo da Copa – realizada, ou não – será a constatação de que a classe trabalhadora se encontra em um estágio de consciência que lhe permite compreender que a Copa reforça e intensifica a lógica da exploração do trabalho como fonte reprodutora do capital, favorecendo ao processo de acumulação da riqueza, ao mesmo tempo em que permite a institucionalização de uma evasão oficial de divisas. A partir dessa compreensão, a classe trabalhadora não se deixará levar pela retórica de que o dinheiro dos turistas vai estimular o crescimento e gerar empregos, até porque ao se inserir na mesma lógica capitalista o dinheiro não é revertido à classe trabalhadora, à qual apenas é remunerada, sem o necessário equivalente, pelo trabalho prestado, direcionando-se, pois, a maior parcela do dinheiro em circulação em função da Copa às multinacionais aqui instaladas, especialmente no setor hoteleiro e nas companhias aéreas.

Cada trabalhador, pensando em sua atividade e em seu cotidiano de ganho e de trabalho durante a Copa, ou antes, que responda: teve ou terá algum ganho na Copa que não provenha do trabalho? Este trabalho é prestado em que condições? O eventual acréscimo de ganho está ligado ao aumento da quantidade de trabalho prestado? Que o digam, sobretudo, os jornalistas!!!

Claro que uma ou outra experiência comercial exitosa, desvinculada da dos protegidos da FIFA, pode ocorrer, mas isso por exceção. E, cumpre repetir: mesmo que no geral a Copa produza resultados econômicos satisfatórios, não se terão, com isso, justificadas as supressões da ordem jurídica constitucional, já havidas no período de preparação para o evento, e as violências sofridas por diversas pessoas, e, em especial, a classe trabalhadora, no que tange aos seus direitos sociais e humanos.

Este é o ponto fundamental: o de não permitir que a Copa e a violência institucional posta a seu serviço furtem a nossa consciência, que está sendo duramente construída, vale lembrar, após 21 anos de ditadura, seguida de 15 anos de propaganda neoliberal. A produção dessa consciência é extremamente relevante para que o drama das diversas pessoas, vitimadas pela Copa, não se arraste por muito mais tempo, sofrimento que, ademais, só aumenta quando, buscando não abalar eventual euforia da Copa, se tenta desconsiderar a sua dor, ou quando, partindo de uma perversão da realidade, argumenta-se que as pessoas que são contra a Copa (mesmo se apoiadas nos motivos acima mencionados) fazem parte de uma conspiração para “contaminar” a Copa, apontadas como adeptas da “violência”, sendo que para a ação dessas pessoas (que, de fato, carregam um dado de consciência), o que se reserva é o contra-argumento da “segurança pesada”.

O desafio está lançado. O que vai acontecer nos jogos da Copa, se a “seleção canarinho” vai se sagrar hexa campeã, ou não, não é decisivo para a história brasileira. Já o tipo de racionalidade e de reação que produzirmos diante dos fatos sociais e jurídicos extremamente graves relacionados ao evento vai, certamente, determinar qual o tipo de sociedade teremos na sequência. Boa ou ruim, a Copa acaba e a vida concreta continua e será boa ou ruim na medida da nossa capacidade de compreendê-la e de interagir com ela, pois como já disse Drummond:

Foi-se a Copa? Não faz mal.

Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.
Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.

Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.
O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

Veja também:

Copa do Mundo. Para quem e para quê? Revista IHU On-Line, no. 422