domingo, 12 de setembro de 2021

TRANSPORTE MARÍTIMO INSUSTENTÁVEL ACELERA OS DANOS AO AMBIENTE ÁRTICO.

 Foto: Navegação no Ártico

Foto: Navegação no Ártico – Crédito: Marcus Lien Gundersen – via Flickr Creative Commons / UCL

Transporte marítimo insustentável acelera os danos ao ambiente ártico

Os prós e contras econômicos e ambientais do derretimento do gelo do Ártico, criando rotas de navegação mais curtas através da região polar, são avaliados em pesquisas inovadoras de especialistas da UCL em energia e transporte.

Eles concluem que os formuladores de políticas devem avaliar adequadamente as compensações e custos ambientais, além dos benefícios e oportunidades comerciais no transporte marítimo para o Ártico. Os autores também querem ver mais incentivos para impulsionar os desenvolvimentos tecnológicos que irão acelerar a adoção de tecnologias e combustíveis verdes.

O Ártico é a região de aquecimento mais rápido do planeta.

Rotas de navegação mais curtas do Ártico, o que significa menos combustível usado, já são usadas por um punhado de navios, quando as áreas do gelo ártico derretem durante o verão. Mas o período em que essas rotas são navegáveis está previsto para se estender com aumentos no aquecimento global e, se o aquecimento não permanecer dentro do limite de 1,5°C / 2°C estabelecido no acordo de Paris, o gelo ártico permanente pode ser uma coisa do passado.

A pesquisa, publicada em Transportation Research Parte A: Policy and Practice, examinou a competitividade financeira do transporte marítimo do Ártico, considerando o impacto das emissões desses navios no meio ambiente.

Eles analisaram dois cenários de políticas, um sendo business-as-usual, onde não há política de emissões, e outro operando sob uma política de emissões zero específica para o Ártico, onde os navios que poderiam operar usando energia de fontes renováveis foram considerados.

Quando os custos ambientais são ignorados, o óleo combustível residual à base de combustível fóssil é mais barato do que os combustíveis alternativos. No entanto, quando os impactos ambientais da mudança climática acelerada e os efeitos adversos das emissões dos navios na saúde humana são considerados, os navios de combustível residual não são mais viáveis devido à sua contribuição para as emissões de gases de efeito estufa e poluentes do ar.

Os especialistas concluem que, no segundo cenário, os navios com células a combustível de amônia verde são os mais viáveis comercialmente e que políticas que facilitem a introdução de tais combustíveis zero carbono e tecnologias de emissão zero devem ser incentivadas. A amônia verde é um exemplo de combustível que pode ser isento de emissões tanto em sua produção quanto em seu uso, com uma infraestrutura elétrica verde.

O autor principal Joseph Lambert (UCL Energy Institute) disse: “Uma mudança significativa está em andamento na região do Ártico devido ao aquecimento global e, de uma perspectiva de navegação, devemos nos preparar para o que isso significa avaliando todas as oportunidades, riscos e compensações que não são é exclusivamente financeiro. Essas rotas podem se tornar mais competitivas financeiramente à medida que o aquecimento global aumenta e o gelo do Ártico recua, mas mais fatores devem ser considerados. É fundamental que o gelo do Ártico mantenha sua permanência – a fim de permanecer dentro das metas de aquecimento global e proteger a ecologia da região ”.

O coautor, Dr. Tristan Smith (UCL Energy Institute), que supervisionou a pesquisa, disse: “Este é um trabalho novo que mostra os custos econômicos juntamente com os custos ambientais para a rota do Ártico , bem como mostra como certas escolhas de tecnologia, que poderiam ser incentivada por meio de políticas, poderia reduzir significativamente os custos ambientais que, de outra forma, surgiriam do transporte marítimo para o Ártico .

O documento mostra uma justificativa clara para os governos intervirem agora para evitar que o derretimento do Ártico possibilite uma redução nos custos de transporte por causa da maior aceleração da degradação deste ecossistema crucial. ”

Os pesquisadores dizem que os impactos que precisam ser explorados incluem os efeitos dos danos ecológicos e como a política pode ser estruturada para lidar com as questões ambientais.

Referência:

Lambert Joseph, Thomas Giles, Rehmatulla Nishatabbas, Smith Tristan,
A techno-economic environmental cost model for Arctic shipping,
Transportation Research Part A: Policy and Practice,
Volume 151, 2021, Pages 28-51,ISSN 0965-8564,
https://doi.org/10.1016/j.tra.2021.06.022

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Henrique Cortez, tradução e edição, a partir de original da University College London – UCL

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/07/2021

RIOS SÃO A MAIOR FONTE GLOBAL DE MERCÚRIO NOS OCEANOS E O AMAZONAS LIDERA A LISTA.

garimpo ilegal

Rios são a maior fonte global de mercúrio nos oceanos e o Amazonas lidera a lista

A presença de mercúrio nos oceanos do mundo tem ramificações para a saúde humana e a vida selvagem, especialmente nas áreas costeiras onde ocorre a maior parte da pesca.

Mas, embora os modelos que avaliam as fontes de mercúrio nos oceanos tenham se concentrado no mercúrio depositado diretamente da atmosfera, um novo estudo liderado por Peter Raymond, professor de ecologia de ecossistemas da Escola de Meio Ambiente de Yale e publicado na Nature Geoscience mostra que os rios são na verdade o principal fonte do metal pesado tóxico ao longo das costas do mundo.

Pela Yale University*

“É uma espécie de religação do ciclo global do mercúrio”, diz Raymond. Anteriormente, acreditava-se que a maior parte do mercúrio no oceano aberto era depositado da atmosfera e, em seguida, chegava às áreas costeiras . Mas agora parece que a maior parte do mercúrio flui dos rios para as áreas costeiras do oceano e, de lá, segue para o oceano aberto . “Atualmente, os legisladores se concentram principalmente no controle da emissão atmosférica e da deposição de mercúrio, enquanto a contribuição do mercúrio do rio para os oceanos costeiros não é bem compreendida”, disse Maodian Liu, pós-doutorado no laboratório de Raymond. Ele diz que as novas descobertas ressaltam a importância de limitar o mercúrio que penetra nos rios.

Os pesquisadores também investigaram mudanças no ciclo anual de escoamento de mercúrio ribeirinho, descobrindo que, globalmente, os níveis eram mais altos em agosto e setembro. E eles analisaram quais rios eram os maiores contribuintes de mercúrio; dez rios são responsáveis por metade do mercúrio ribeirinho. O rio Amazonas está no topo da lista, seguido pelo Ganges na Índia e Bangladesh, e pelo Yangtze na China.

Enquanto outros estudos recentes também estimaram as quantidades de mercúrio ribeirinho, Raymond diz que esses estudos não tinham o mesmo nível de especificidade em relação a quais rios tinham as maiores quantidades de mercúrio e quando durante o ano esses níveis eram mais elevados. “A comunidade realmente não tinha concordado com o papel dos rios”, diz ele, acrescentando que este novo trabalho ajuda a fortalecer o argumento de que os rios são de fato a maior fonte de mercúrio oceânico.

A queima do carvão é predominantemente responsável pelo mercúrio atmosférico, que acaba indo parar tanto no oceano quanto nas massas de terra. O mercúrio que os rios transportam para o oceano pode vir do mercúrio atmosférico que acabou nos solos; também pode vir de outras fontes antropogênicas, como mineração de ouro e, em menor grau, de fontes geológicas de ocorrência natural. Além disso, como a mudança climática induz tempestades e inundações mais severas , o mercúrio que permaneceu dormente nos solos por longos períodos pode ser cada vez mais transportado para os oceanos costeiros, dizem os pesquisadores.

Raymond diz que o trabalho futuro pode se concentrar na compreensão dos processos que afetam o mercúrio nesses “pontos críticos”, onde as concentrações que chegam ao oceano são mais altas, bem como examinar as conexões com a pesca nessas áreas. “O consumo de peixe é a fonte alimentar mais importante de exposição humana ao mercúrio”, observa Liu. Em última análise, essa compreensão aprimorada de como e onde o mercúrio entra nos oceanos ajudará a informar os regulamentos para reduzir a quantidade de mercúrio nos peixes em todos os nossos pratos.

Referência:

Liu, M., Zhang, Q., Maavara, T. et al. Rivers as the largest source of mercury to coastal oceans worldwide. Nat. Geosci. (2021). https://doi.org/10.1038/s41561-021-00793-2

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Henrique Cortez, tradução e edição.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/08/2021 

EM 30 ANOS O BRASIL PERDEU 15% DE SUPERFÍCIE DE ÁGUA.

 

serie temporal da superfície de água no brasil

Em 30 anos o Brasil perdeu 15% de superfície de água; Veja a análise dos dados

Tendência de redução da superfície de água é observada em 8 das 12 regiões hidrográficas e em todos os biomas do Brasil. No Mato Grosso do Sul, a perda foi de 57% da superfície de água

Do WWF-Brasil

O Brasil está secando: esta é a conclusão obtida pela análise de imagens de satélite de todo o território nacional entre 1985 e 2020 feita pela equipe do MapBiomas. Os dados, que ficam disponíveis a todos os interessados a partir desta segunda (23/08) no site https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/agua, indicam uma clara tendência de perda de superfície de água em 8 das 12 regiões hidrográficas, em todos os biomas do País.A superfície coberta por água do Brasil em 2020 era de 16,6 milhões de hectares, uma área equivalente ao estado do Acre ou quase 4 vezes o estado do Rio de Janeiro. Desde 1991, quando chegou a 19,7 milhões de hectares, houve uma redução de 15,7% da superfície de água no país. A perda de 3,1 milhões de hectares em 30 anos equivale a mais de uma vez e meia a superfície de água de toda região nordeste em 2020.

“Mudanças no uso e cobertura da terra, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção de bens e serviços alteraram a qualidade e disponibilidade da água em todos os biomas brasileiros. Ao mesmo tempo, secas extremas e inundações associadas às mudanças climáticas aumentaram a pressão sobre os corpos hídricos e ecossistemas aquáticos”, explica Carlos Souza, coordenador do GT de Água do MapBiomas. “Se não implantarmos a gestão e uso sustentável dos recursos hídricos considerando as diferentes características regionais e os efeitos interconectados com o uso da terra e as mudanças climáticas, será impossível alcançar as metas de desenvolvimento sustentável”, alerta.

O estado com a maior perda absoluta e proporcional de superfície de água na série histórica de 35 anos analisada pela equipe do MapBiomas foi o Mato Grosso do Sul, com uma redução de 57%. Se em 1985 o estado tinha mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água, em 2020 eram apenas pouco mais de 589 mil hectares. Mais de 780 mil hectares de água foram perdidos no período. Essa redução se deu basicamente no Pantanal, mas toda a bacia do Paraguai é afetada pela redução da superfície de água. Em segundo lugar está o Mato Grosso, com uma perda de quase 530 mil hectares, seguido por Minas Gerais, com um saldo negativo, entre a água que entrou e a que se esvaiu, de mais de 118 mil hectares.

Vários pontos de maior redução da superfície da água encontram-se próximos a fronteiras agrícolas, o que sugere que o aumento do consumo, construção de pequenas represas em fazendas, que provoca assoreamento e fragmentação da rede de drenagem e que vem junto com o desmatamento e aumento de temperatura, são fatores que podem explicar as da diminuição da superfície da água no Brasil. Além disso, o aumento de temperatura global de 1,5 oC, com contribuição significativa pelas ações humanas, segundo o relatório recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), pode estar contribuindo para esse processo de redução de superfície de água no Brasil.

Temos vários casos que indicam os efeitos combinados do uso da terra e das mudanças climáticas. Esse é o caso do Rio São Francisco, que corre por áreas de Cerrado e Caatinga. Os dados analisados mostram que há tendência de decréscimo na superfície de água, especialmente na margem esquerda, onde ficam as regiões de fronteiras agrícolas. A redução foi notada nos últimos 15 anos, que coincidem com o período de expansão agrícola no Matopiba. O maior consumo de água dessas atividades, combinado ao assoreamento da calha do rio devido a forte intervenções e períodos de seca típicos da região por onde o Velho Chico passa, resultou em uma redução de 10% em sua superfície de água nos últimos quinze anos. Em sua foz, as comunidades já sentem os efeitos, com a invasão do rio pelo mar.

Outro majestoso rio que está perdendo seu vigor é o Negro, na Amazônia. Há uma tendência de decréscimo de superfície de água generalizada em sua sub-bacia hidrográfica. Considerando o início e o final da série, ela perdeu mais de 360 mil hectares de superfície de água, uma diferença de 22%. O sinal de queda mais acentuado ocorreu entre 1999 e 2000 com redução de mais de 560 mil hectares, ou um pouco mais de 27% de diferença.

O município que mais pegou fogo entre 1985 e 2020, segundo o MapBiomas Fogo, e que mais perdeu água nesse período, pelo MapBiomas Água, foi Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Cáceres, o quinto que mais queimou no país, é o vice-líder em perda de superfície de água. “Os ciclos de fogo e água estão interligados e se retroalimentam. Menos água deixa a terra e a matéria orgânica que se depositam sobre ela mais vulneráveis ao fogo. Mais fogo suprime a vegetação, que tem papel crucial para perenizar nascentes e mananciais”, explica Tasso Azevedo, Coordenador do MapBiomas.

Superfícies naturais e antrópicas

Estruturas antrópicas, como barragens, açudes e reservatórios, contribuem na mudança dos padrões hidrológicos das regiões. No Pampa, há uma grande densidade de reservatórios artificiais para uso na irrigação do cultivo de arroz, construídos, em sua maioria, antes de 1985. No período de análise do MapBiomas Água, entre 1985 e 2020, houve continuidade na criação de novos reservatórios, com destaque para os municípios de Dom Pedrito e Uruguaiana, ambos no Rio Grande do Sul. Apesar de apresentar a menor tendência de redução de superfície de água, ela também ocorre no Pampa: redução de quase 2,3 mil hectares. No Cerrado, a água natural, de rios livres, está perdendo espaço para a água antrópica com reservatórios. Há uma combinação de regiões com redução e outras com aumento de superfície de água em barragens no Cerrado, levando a uma leve perda de superfície da água neste bioma.No caso da Mata Atlântica, os dados mostram que o Bioma não conseguiu passar incólume às crises hídricas de 2001 e 2015, apresentando decréscimos significativos nesses anos, apesar da boa quantidade de estruturas artificiais para armazenamento de água que o bioma abriga. Na Caatinga, estruturas antrópicas também não impediram o revés. Com a construção de estruturas de captação de água, o bioma experimentou um aumento de 13% da superfície de água entre 2004 e 2009. A partir de então, no entanto, sofreu uma redução de 30% devido a períodos de seca prolongados.

A perda da superfície de água natural por causa da água armazenada em estruturas construídas pelo homem tem consequências preocupantes na alteração do regime hídrico, afetando a biodiversidade e a dinâmica dos rios. O Pantanal é um desses exemplos, com a construção de hidrelétricas nos rios que formam o bioma. Ainda, há dezenas de outras barragens projetadas para esta região, com pouca contribuição para o sistema elétrico e um grande potencial de impactos. “Elas se somam a um modelo de produção agropecuária que altera o regime de drenagem da água e intensifica a deposição de sedimentos, reduzindo a vazão da água. Se esse modelo de desenvolvimento não for revisto, o futuro Pantanal está comprometido”, explica Cássio Bernardino, coordenador de projetos do WWF-Brasil.

Onde está a água no Brasil?

O Brasil possui 12% das reservas de água doce do planeta, constituindo 53% dos recursos hídricos da América do Sul. Existem 83 rios fronteiriços e transfronteiriços, assim como bacias hidrográficas e aquíferos. As bacias hidrográficas transfronteiriças ocupam 60% do território brasileiro.O bioma com a maior área coberta por água no Brasil é a Amazônia, com mais de 10,6 milhões de hectares de área média, seguida pela Mata Atlântica (mais de 2,1 milhões de hectares) e pelo Pampa (1,8 milhão de hectares). O Pantanal ocupa a quinta posição, com pouco mais de 1 milhão de hectares de área média, atrás do Cerrado (1,4 milhão de hectares).

Sobre MapBiomas Água
Trata-se de uma iniciativa inédita de mapeamento territorial da dinâmica da água superficial e de corpos hídricos para todo o território nacional desde 1985. A exemplo do MapBiomas Fogo, a série Água processou mais de 150 mil imagens geradas pelos satélites Landsat 5, 7 e 8 de 1985 a 2020. Com a ajuda de inteligência artificial, foi analisada a área coberta por água em cada pixel de 30 m X 30 m dos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro ao longo dos 36 anos entre 1985 e 2020, distinguindo os corpos hídricos naturais e antrópicos. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor cobertura de água. O método também permite identificar a área com água em cada mês em todo o período, bem como as transições e tendências. Os dados podem ser encontrados em mapas e estatísticas anual, mensal e acumulada em para qualquer período entre 1985 e 2020 na plataforma https://agua.mapbiomas.org/, aberta a todos.

Sobre MapBiomas
Iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/08/2021

QUEIMADAS AFETAM A FORMAÇÃO DE NUVENS DE CHUVAS NA AMAZÔNIA.

Queimadas afetam a formação de nuvens de chuva na Amazônia

Queimadas na Amazônia – Aerossóis gerados dificultam movimento de massas de ar e limitam congelamento da água em nuvens, o que pode afetar chuvas

Por: Júlio Bernardes
Arte: Simone Gomes
Jornal da USP

Pesquisa com participação do Instituto de Física (IF) da USP revela como as queimadas interferem no desenvolvimento de nuvens de chuva na Amazônia. Os pesquisadores usaram imagens de satélite e medições da quantidade de partículas formadas pelas queimadas e constataram que elas tornam a atmosfera mais estável e dificultam os movimentos verticais das massas de ar. Isso impede que as nuvens ganhem altura e limita o resfriamento que leva ao congelamento das gotas de água, possivelmente reduzindo a ocorrência de chuvas e aumentando a incidência dos raios solares no solo. Os resultados do trabalho são descritos em artigo publicado na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature.

Os pesquisadores estudaram a temperatura na qual as gotas de nuvens convectivas da Amazônia congelam, procurando entender quais elementos mais importantes que controlam esse fenômeno. “Nesse caso, a temperatura de congelamento não é zero graus Celsius (°C). Dependendo de condições diversas, essa temperatura pode variar entre alguns graus abaixo de 0 °C até um mínimo de -38 °C que, na natureza, é o limite de congelamento para a água”, relata ao Jornal da USP o professor Alexandre Correia, do IF, um dos responsáveis pela pesquisa.  “Assim, o objetivo do trabalho foi justamente estudar quais os principais fatores que controlam a temperatura na qual as gotas de nuvem congelam.”

As nuvens convectivas se formam quando o vapor de água é transportado verticalmente e sofre condensação sobre aerossóis, que são partículas microscópicas sempre presentes na atmosfera. “Nuvens convectivas se desenvolvem muito na vertical, atingindo altitudes elevadas, com topos acima de 10 quilômetros”, descreve o professor. “Durante o caminho entre a base e o topo das nuvens, as gotas de água vão esfriando e congelam a uma certa temperatura, uma vez que, em geral, quanto maior a altitude na atmosfera, menor a temperatura, até chegar na estratosfera.”

Os pesquisadores avaliaram 15 anos de imagens de satélite, entre 2000 e 2014, para obter a temperatura de cada pixel identificado como nuvem sobre a região amazônica. “Também usamos dados da Nasa [National Aeronautics and Space Administration] sobre a quantidade de aerossol presente na atmosfera. Essas medidas de aerossol foram realizadas em solo usando fotômetros solares em cinco localidades: Alta Floresta e Cuiabá, no Mato Grosso; Rio Branco, no Acre; e Ji-Paraná e Ouro Preto Do Oeste, chamada no trabalho de ‘Abracos Hill’, em Rondônia”, descreve o professor. A base de dados também contou com dados atmosféricos do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), que permitiram avaliar o estado da atmosfera em cada situação analisada.

Os resultados da pesquisa mostram que a temperatura média de glaciação ou congelamento de nuvens na Amazônia depende de três principais fatores: a umidificação da atmosfera, partículas de aerossol e a radiação solar. “Esses fatores agem em associação, o que é chamado de modo ‘acoplado’”, destaca Correia. “Fora da época de queimadas na Amazônia, a ação combinada da umidificação da atmosfera e a presença de aerossóis faz com que a temperatura de glaciação decresça quanto mais aerossol e umidade estiverem presentes.”

 

Influência das queimadas

tempertatura de congelamento em núvens

Gráfico: – Imagem cedida pelo pesquisador

Por exemplo, a temperatura média de glaciação pode variar entre -10 °C e -18 °C à medida que a quantidade de aerossol aumenta, mas ainda dentro de condições limpas, com pouco aerossol, explica o professor. “Isso acontece porque num ambiente natural não poluído, quanto mais aerossol, em geral, menores são as gotículas de nuvem que se formam, e menos eficiente é o processo de congelamento.”

Já em condições de poluição intensa devido às queimadas na Amazônia, o efeito sobre o congelamento depende da umidade na atmosfera, observa Correia. “Para uma atmosfera úmida, a temperatura média de glaciação diminui quanto mais aerossol estiver presente, podendo chegar próximo do limite de -38 °C. Se a atmosfera estiver relativamente seca, primeiramente deve-se considerar que a formação de nuvens é dificultada”, afirma. “Isso se deve em parte ao sombreamento que o aerossol causa sobre a superfície, que contraria o movimento de convecção de massas de ar. As nuvens que conseguem se formar não se desenvolvem muito na vertical, e a temperatura de glaciação permanece em níveis como -15 °C a -16 °C em média, resultado que ainda não tinha sido descrito na literatura científica.”

Segundo Correia, na Amazônia há um período do ano em que a atmosfera é extremamente limpa, na qual a quantidade de aerossóis é mínima, e essas partículas são de origem natural. Mas também há todos os anos um período em que a atmosfera é altamente poluída devido às queimadas, que ocorrem entre agosto e outubro. “A fumaça de queimadas contém uma quantidade gigantesca de partículas de aerossol que, também estando presentes na atmosfera, podem influenciar como as gotas de nuvens são formadas e o processo de congelamento subsequente”, aponta.

análise de núvens sobre a Amazônia

A fumaça de queimadas contém grande quantidade de partículas de aerossol, que podem influenciar como as gotas de nuvens são formadas e o processo de congelamento subsequente – Gráfico: Imagem cedida pelo pesquisador

A presença de gelo nas nuvens influencia seu desenvolvimento, como por exemplo seu “tempo de vida” médio, isto é, o intervalo de tempo médio em que elas estão presentes na atmosfera. “Quanto maior a duração média de nuvens, mais radiação solar é refletida de volta ao espaço, contribuindo para o resfriamento do planeta”, observa o professor. O gelo presente em nuvens também afeta a formação de precipitação, um elemento crucial do sistema climático. Propriedades físicas de nuvens e seu papel sobre o clima são temas atuais de pesquisa.

O pesquisador enfatiza que ao trazer conhecimentos sobre a física de nuvens e sua dinâmica de desenvolvimento, os resultados do trabalho podem ser utilizados futuramente em modelos e outros estudos que procurem aprimorar a quantificação do impacto climático de nuvens. “Ao se compreender melhor a dimensão desses efeitos, a necessidade de preservação dos ambientes naturais, em particular da Amazônia, torna-se claramente urgente”, ressalta. A pesquisa contou com a participação das professoras Maria Assunção Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Elisa Sena, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de Ilan Koren, do Weizmann Institute of Science (Israel).

Referência:

Correia, A.L., Sena, E.T., Silva Dias, M.A.F. et al. Preconditioning, aerosols, and radiation control the temperature of glaciation in Amazonian clouds. Commun Earth Environ 2, 168 (2021). https://doi.org/10.1038/s43247-021-00250-3

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/08/2021

PROPAGAÇÃO DA VARIANTE DELTA DA COVID-19 REFORÇA NECESSIDADE DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO.

covid-19

Propagação da variante Delta da COVID-19 reforça necessidade de medidas de proteção

Delta acaba por ganhar destaque visto que estudos preliminares apontam maior potencial de transmissão dessa variante quando comparada com as demais

Surgida em dezembro de 2020, na Índia, a variante Delta da COVID-19 tem se espalhado rapidamente por diversas cidades do mundo e trazido urgentes necessidades de aceleração no processo de vacinação e retomada das regras de restrição. No Brasil, entre 10 de janeiro e 17 de julho, foram notificados 27 casos da doença, que têm sido monitorados de perto pelas autoridades e muitos apresentaram evolução favorável. No entanto, de acordo com o Centro Estadual de Vigilância e Saúde do Rio Grande do Sul (CEVS), os dados disponíveis não possibilitam estabelecer consenso sobre sua transmissibilidade, gravidade e potencial de escape imunológico.

Desde o início da pandemia, quatro variantes de destaque da COVID-19 já foram identificadas: Alfa, Beta, Gama e a já referida Delta. “Já era esperado que aparecessem variantes do SARS-CoV-2, por isso os grupos de vigilância têm realizado ações para monitorá-las”, explica a Profª Drª. Raquel Xavier de Souza Saito, docente do curso de graduação em enfermagem da Faculdade Santa Marcelina. “Esse acompanhamento é importante para entendermos a capacidade de transmissão dessas variantes, os números de quadros infecciosos graves, a eficácia dos tratamentos disponíveis e, principalmente, a efetividade das vacinas”.

Nesse contexto, a Delta acaba por ganhar destaque visto que estudos preliminares apontam maior potencial de transmissão dessa variante quando comparada com as demais, especialmente no que diz respeito a pessoas que estejam com o sistema imunológico comprometido. “Esse grupo pode apresentar evoluções mais desfavoráveis quando infectados pela variante Delta, e nisso se incluem idosos”, completa Raquel.

É importante lembrar que a vacinação está entre as principais medidas de prevenção contra a doença, e estudos preliminares atestam a eficácia dos imunizantes disponíveis no Brasil na prevenção das infecções. No entanto, a professora lembra que nenhuma vacina tem eficácia de 100%. “Por isso, é muito importante que, mesmo após a imunização completa pelas vacinas, as pessoas sigam fazendo o distanciamento social, a higienização das mãos, sigam com o uso de máscaras e com a limpeza e desinfecção de ambientes”, acrescenta. “Estas medidas, somadas ao isolamento de casos suspeitos e confirmados de infectados, favorecem o controle da transmissão da Covid-19 e suas variantes existentes e novas que possam vir a surgir”.

Sintomas da variante Delta da COVID-19

Os sintomas apresentados pela variante Delta são os mesmo da COVID-19 regular, então é importante estar atento para saber reconhecer, identificar e notificar qualquer suspeita da doença para as autoridades responsáveis. “O indivíduo com os sintomas leves da infecção, chamada síndrome gripal, irá apresentar pelo menos dois dos seguintes sintomas: febre, calafrios, dor de garganta, dor de cabeça, tosse, coriza e distúrbios olfativos ou gustativos”, explica a professora.

Sobre os sintomas de casos graves da doença, conhecidos como síndrome respiratória, Raquel completa que a pessoa infectada irá sentir um desconforto respiratório, pressão ou dor no tórax, ou coloração azulada nos lábios ou rosto. “Em crianças, além dos itens anteriores, é importante observar os batimentos de asa de nariz, cianose, tiragem intercostal, desidratação e inapetência”, finaliza.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/08/2021

REAPROVEITAMENTO DE ÁGUA PODERIA REDUZIR A CRISE HÍDRICA.

coleta de água de chuva
Muitos dispositivos de reuso de água são de baixo custo e podem ser implantados em qualquer residência. Divulgação

 

Reaproveitamento de água poderia reduzir a crise hídrica

Sistemas de reuso e captação da água da chuva ainda não são uma obrigação, mas espera-se que seja em breve

Segundo arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves, embora os modernos empreendimentos ofereçam tais inovações, falta incentivo do poder público para uso consciente dos recursos naturais, como o reaproveitamento de água

A crise hídrica anunciada no fim do último mês de maio pelo próprio governo federal e que já atinge cinco estados brasileiros, entre eles Goiás, é considerada a mais grave nos últimos 91 anos. Por isso já provoca um efeito em cadeia enorme, que vai desde a falta de água nas torneiras das casas, ao impacto negativo na economia com encarecimento de energia elétrica e da produção de alimentos.

Acontece que, esse quadro não precisaria ser tão grave se, primeiro, a população brasileira tivesse uma efetiva educação ambiental; e segundo, se tecnologias e sistemas de reuso de água ou que estimulam o consumo racional já estivessem sendo usados em larga escala no País. É no que acredita o arquiteto e urbanista Paulo Renato Alves, especializado em desenvolvimento de empreendimentos imobiliários. Segundo ele, muitos dos novos empreendimentos que estão sendo lançados e construídos atualmente pelo mercado imobiliário, já contam com mecanismos de captação das águas da chuva ou de reuso da água fornecida pela concessionária de saneamento.

Segundo o especialista, são tecnologias que requerem um investimento um pouco maior na construção, mas que têm um retorno imediato para o morador e claro, para o meio ambiente. “Hoje você recebe uma água potável na sua casa que é toda descartada só com um primeiro uso, sendo que atualmente existem tecnologias super acessíveis e que irão pegar essas águas, como por exemplo a água usada no banho, que será armazenada e tratada numa subestação, podendo ser tranquilamente usada para outros fins. Isso, além de bom para o meio ambiente, é economia para as famílias”, afirma Paulo Renato.

Mas apesar de muitos novos projetos preverem tais tecnologias de uso sustentável da água, elas não são obrigatórias nos empreendimentos. O urbanista lembra, porém, que essa discussão já existe, em Goiânia inclusive, mas precisa avançar. “Esses sistemas de reuso e captação da água da chuva ainda não são uma obrigação, mas espera-se que seja em breve. Já há muitas cidades Brasil afora que já discutem isso. Em Goiânia mesmo, há um projeto de lei municipal que propõe tal obrigatoriedade”, revela Paulo Renato.

Lençol freático

Mas Paulo Renato aponta alguns avanços importantes nas leis sobre a gestão dos recursos hídricos. “As legislações municipais têm se atentado muito a isso. Uma dessas ferramentas que já tem sido amplamente usada, e que em Goiânia é obrigatória, são os poços de infiltração. Os empreendimentos precisam ter a caixa de recarga, poço de infiltração, que nada mais são formas de você pegar a água que vem das chuvas e devolvê-la para o lençol freático”, destaca.

Paulo Renato afirma que a preservação dos lençóis freáticos é uma questão primordial para a manutenção da água potável. Ele, inclusive, condena o hábito de muitas famílias, que ao construírem ou comprarem uma casa eliminam as áreas permeáveis ou cobertura verde desses terrenos. “Na maioria das residências pela cidade, a área permeável que a prefeitura exige nos terrenos, depois que o proprietário tem o habite-se, é toda cimentada. Então o que acontece com a água da chuva? Ela cai no telhado ou no chão, desce, vai para o piso, sai desse terreno e vai para a rede pluvial. Então essa água não volta para o lençol freático. Então, além do uso exagerado, há uma interrupção desse ciclo natural da água, o que com tempo reflete nesse desequilíbrio hídrico que estamos vendo hoje ”, explica o arquiteto e urbanista.

Incentivos

Para Paulo Renato, além de uma maior conscientização da população brasileira sobre o uso racional da água, faltam ainda políticas públicas que incentivem as pessoas e empresas a adotarem essas tecnologias sustentáveis. “Acho que aqui no Brasil a população só irá fazer alguma coisa se houver de fato algum incentivo. Só pela conscientização, pura e simplesmente, eu não acredito que a grande maioria da população o faça”.

O urbanista defende incentivos fortes por parte do poder público. “As prefeituras podem perfeitamente implantar políticas de incentivo fiscal ou de desconto no IPTU para quem implantar na sua casa, por exemplo, uma canalização para captação de água da chuva, que é algo muito simples”, sugere.

Experiências fora

O urbanista cita várias experiências de sucessos que já são adotadas em outros países há um bom tempo e podem ser facilmente implantadas aqui no Brasil. “Na Alemanha, por exemplo, já desde os anos 1980 as casas e prédios contam com sistemas de reuso da água da chuva. Essa água é armazenada e depois utilizada para irrigação, para descarga, para limpeza e outros usos. Em todo o Japão, por exemplo, usa-se água da captação das chuvas. Inclusive, em várias cidades japonesas você encontra empreendimentos, que não só captam a água da chuva, mas a tornam potável”, exemplifica Paulo Renato Alves.

De acordo o urbanista, países que adotam uma gestão eficiente dos recursos hídricos têm quase sempre algo incomum, terem em algum momento de sua história passado por uma forte escassez de água, o que faz das populações destas nações mais conscientes. “A Alemanha, por exemplo, viveu duas Grandes Guerras, e por isso eles sabem bem o que é escassez, não só de água, mas de alimento e outras coisas vitais. Nesses países eles sabem que a falta de água potável gera mortes”, alerta o especialista.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/08/2021