quarta-feira, 21 de abril de 2021

DOIS TERÇOS DAS TERRAS AGRÍCOLAS MUNDIAIS SOB RISCO DE POLUIÇÃO POR PESTICIDAS.

Dois terços das terras agrícolas mundiais sob risco de poluição por pesticidas

Um mapa global de terras agrícolas em 168 países revelou que 64% das terras usadas para agricultura e safras de alimentos correm o risco de poluição por pesticidas. Quase um terço dessas áreas são consideradas de alto risco.

University of Sydney*

Dois terços das terras agrícolas mundiais sob risco de poluição por pesticidas

O estudo, publicado na Nature Geoscience , produziu um modelo global que mapeia o risco de poluição causado por 92 produtos químicos comumente usados em pesticidas agrícolas em 168 países.

O estudo examinou o risco para o solo, a atmosfera e as águas superficiais e subterrâneas.

O mapa também revelou que a Ásia abriga as maiores áreas de terra com alto risco de poluição, com China, Japão, Malásia e Filipinas em maior risco. Algumas dessas áreas são consideradas nações de “tigela de comida”, alimentando uma grande parte da população mundial.

University of Sydney Research Associate e principal autora do estudo, Dra. Fiona Tang , disse que o uso generalizado de pesticidas na agricultura – enquanto aumenta a produtividade – pode ter implicações potenciais para o meio ambiente, saúde humana e animal.

“Nosso estudo revelou que 64% das terras aráveis do mundo estão sob risco de poluição por pesticidas. Isso é importante porque a literatura científica mais ampla descobriu que a poluição por pesticidas pode ter impactos adversos na saúde humana e no meio ambiente ”, disse o Dr. Tang.

Os agrotóxicos podem ser transportados para as águas superficiais e subterrâneas por meio de escoamento e infiltração, poluindo os corpos d’água e reduzindo a usabilidade dos recursos hídricos.

Dois terços das terras agrícolas mundiais sob risco de poluição por pesticidas

“Embora as terras agrícolas na Oceania mostrem o menor risco de poluição por pesticidas, a bacia de Murray-Darling da Austrália é considerada uma região de grande preocupação devido aos problemas de escassez de água e sua alta biodiversidade”, disse o coautor Professor Associado Federico Maggi da School of Civil Engineering e do Sydney Institute of Agriculture.

“Globalmente, nosso trabalho mostra que 34% das áreas de alto risco estão em regiões de alta biodiversidade, 19% em nações de renda baixa e média-baixa e 5% em áreas com escassez de água”, disse o Dr. Tang.

Há a preocupação de que o uso excessivo de pesticidas desequilibre a balança, desestabilize os ecossistemas e degrade a qualidade das fontes de água das quais humanos e animais dependem para sobreviver.

As perspectivas futuras

Espera- se que o uso global de pesticidas aumente à medida que a população global se aproxima de 8,5 bilhões até 2030.

“Em um clima mais quente, à medida que a população global cresce, o uso de pesticidas deve aumentar para combater o possível aumento de invasões de pragas e alimentar mais pessoas”, disse o professor associado Maggi.

O Dr. Tang disse: “Embora proteger a produção de alimentos seja essencial para o desenvolvimento humano, reduzir a poluição por pesticidas é igualmente crucial para proteger a biodiversidade que mantém a saúde e as funções do solo, contribuindo para a segurança alimentar.”

O coautor Professor Alex McBratney , Diretor do Sydney Institute of Agriculture da University of Sydney, disse: “Este estudo mostra que será importante monitorar cuidadosamente os resíduos anualmente para detectar tendências a fim de gerenciar e mitigar os riscos dos pesticidas usar.”

“Recomendamos uma estratégia global de transição para um modelo agrícola global sustentável que reduza o desperdício de alimentos e, ao mesmo tempo, reduza o uso de pesticidas”, afirmam os autores do artigo.

Referência:

Tang, F.H.M., Lenzen, M., McBratney, A. et al. Risk of pesticide pollution at the global scale. Nat. Geosci. (2021). https://doi.org/10.1038/s41561-021-00712-5

 

* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 31/03/2021

ÓBITOS PODEM SUPERAR OS NASCIMENTOS NO BRASIL PANDÊMICO.

Óbitos podem superar os nascimentos no Brasil pandêmico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Um crescimento vegetativo negativo seria uma grande antecipação de uma tendência que está prevista para décadas adiante. Evidentemente, este acontecimento inédito e inesperado, caso ocorra de fato, não deve permanecer quando a pandemia entrar em fase de retração

[EcoDebate] O Brasil é um dos países mais impactados no mundo pela pandemia. No acumulado, o Brasil chegou a 330 mil óbitos da covid-19 e o mundo chegou a 2,85 milhões de óbitos, segundo a OMS. Isto significa que o Brasil (com 2,7% da população mundial) tem quase 12% das mortes globais. Na semana de 27/03 a 02/04/2021, o Brasil somou 3.013 óbitos diários em média e o mundo somou 10.127 óbitos em média, segundo a OMS. Isto quer dizer que, na semana, o Brasil foi responsável por 30% dos óbitos globais da covid-19. No mês de março o Brasil teve 67,3 mil mortes pela covid-19, o que representou 24% das 283 mil mortes globais em 31 dias.

Mas provavelmente estes números de óbitos no Brasil estão subestimados e, uma parte, registrados como outras causas de morte. Para avaliar o impacto geral na mortalidade é preciso recorrer às estatísticas vitais, que também fornecem os dados sobre a natalidade. Como mostrei em artigo “O impacto da pandemia da covid-19 na dinâmica demográfica brasileira”, publicado no Portal do Envelhecimento (12/03/2021), mostra que o número de nascimentos caiu de 2,77 milhões de bebês em 2019 para 2,6 milhões em 2020 e o número de óbitos subiu de 1,26 milhão para 1,45 milhão no mesmo período.

Os dados são do Portal da Transparência (ainda sujeitos a alguma modificação em função de registros tardios que ainda não foram contabilizados). Mas sem dúvida, menor número de nascimentos e maior número de mortes significa menor crescimento vegetativo da população, que, pelos dados do gráfico, foi de 1,5 milhões em 2019 e caiu para 1,2 milhões em 2020 (sendo que o saldo da migração internacional é bem pequeno). Ou seja, a população brasileira continua crescendo, só que em ritmo um pouco mais lento. Todavia, os dados preliminares de 2021 já colocam um cenário inimaginado até há bem pouco tempo, isto é, a possibilidade dos óbitos brasileiros superarem os nascimentos em alguns dos meses do corrente ano. O gráfico abaixo mostra os números de nascimentos e mortes no Brasil, em março, nos últimos 7 anos.

número total de nascimentos e óbitos no brasil

Mesmo não sendo dados definitivos, o gráfico acima indica claramente que o número de nascimentos caiu ligeiramente nos meses de março de 2020 e 2021, em relação aos mesmos meses dos anos anteriores, e o número de óbitos subiu substancialmente em 2021. A diferença entre os eventos vitais que estava em 162 mil nascimentos a mais do que os óbitos em março de 2017 caiu para 105 mil em março de 2020 e para somente 47 mil em março de 2021.

O gráfico abaixo, também do Portal da Transparência, mostra os mesmos dados, mas para o trimestre janeiro, fevereiro e março de 2015 a 2021. A diferença entre nascimentos e óbitos que estava pouco abaixo de 400 mil nascimentos sobre óbitos no primeiro trimestre de 2015 e 2016, subiu para mais de 400 mil em 2018 e 2019, mas caiu para 345 mil em 2020 e para somente 134 mil em 2021.

número total de nascimentos e óbitos no brasil

Se a pandemia não for controlada rapidamente existe a possibilidade do número de óbitos continuar subindo e o número de nascimentos cair ainda mais, pois é muito arriscado uma gravidez e um parto numa situação de transmissão comunitária descontrolada do coronavírus e de colapso do sistema hospitalar.

Muitas mulheres e casais vão, racionalmente e compreensivelmente, adiar suas decisões reprodutivas diante da conjuntura adversa não só na saúde, mas também devido à crise no mercado de trabalho. No 31/03, o IBGE divulgou os dados da PNAD Contínua sobre a taxa de desocupação e a taxa de subutilização para o trimestre encerrado em janeiro de 2021, indicando 14,3 milhões de pessoas desocupadas, sendo que a população subutilizada chegou a impressionantes 32,4 milhões de pessoas.

Por conseguinte, não é improvável que em algum mês de 2021 o número de óbitos supere o número de nascimentos. Isto seria um fato absolutamente inédito na história brasileira que é marcada por um crescimento muito consistente e acelerado ao longo da história. A população brasileira estava em torno de 4,5 milhões de habitantes em 1822, quando da Independência do país e deve chegar a 213 milhões em 2022. Embora as taxas de fecundidade estejam caindo desde a década de 1960, as projeções do IBGE e da ONU indicam que o número de habitantes do Brasil vai continuar crescendo até a década de 2040 e deve começar a diminuir na segunda metade do século.

Desta forma, um crescimento vegetativo negativo seria uma grande antecipação de uma tendência que está prevista para décadas adiante. Evidentemente, este acontecimento inédito e inesperado, caso ocorra de fato, não deve permanecer quando a pandemia entrar em fase de retração, pois o número de óbitos deve cair e o número de nascimentos deve subir na medida em que os casais tiverem confiança no fim da emergência sanitária.

A tendência geral do Brasil é de diminuição do crescimento populacional. Neste sentido, os montantes indicados pelas projeções do IBGE devem ser antecipados em alguns anos. Por exemplo, o crescimento anual da população previsto em 1,05 milhão de pessoas para 2030 pode ser atingido em torno de 5 anos antes. O pico da população que estava previsto para 2047 também pode ser atingido em torno de 5 a 10 anos antes. Ou seja, as projeções populacionais do IBGE precisarão ser refeitas e atualizadas em 2022. Os novos números, com certeza, não serão os mesmos.

Mas, indubitavelmente, não haverá grandes mudanças nas tendências estruturais, pois, pelo menos até 2040, a população brasileira vai continuar crescendo com redução da população jovem e aumento da população idosa. Mas, sem dúvida, a possibilidade de os óbitos superarem os nascimentos em algum mês de 2021 é uma novidade e tanto nos 521 anos da história de Pindorama. O que não pode acontecer é a desculpa para um ressurgimento de um pronatalismo inconsequente e que desrespeite os direitos sexuais e reprodutivos.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020
https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v37/0102-3098-rbepop-37-e0120.pdf

ALVES, JED. O impacto da pandemia da covid-19 na dinâmica demográfica brasileira, Portal do Envelhecimento, SP, 12/03/2021
https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/o-impacto-da-pandemia-da-covid-19-na-dinamica-demografica-brasileira/

ALVES, JED. Apresentação sobre a pandemia no Brasil até o dia 03 de abril de 2021 e sobre a possibilidade de uma terceira década perdida.
https://pt.scribd.com/presentation/501499345/Pandemia-e-Economia-Internews-Jeda-Final-03abr21

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/04/2021

SAVANAS ESTÃO SE EXPANDINDO NA AMAZÔNIA EM CONSEQUÊNCIA DE INCÊNDIOS FLORESTAIS.

Savanas estão se expandindo na Amazônia em consequência de incêndios florestais

Savanas nativas estão se expandindo no interior do sistema amazônico em consequência de incêndios florestais recorrentes, aponta estudo

Amazônia queimada
Pesquisadores rastrearam os efeitos do fogo sobre a cobertura vegetal e a qualidade do solo nos últimos 40 anos. Resultados indicam que, mesmo nas regiões preservadas, longe do chamado “arco de desmatamento”, a floresta é altamente vulnerável (área florestal destruída pelo fogo na região do médio rio Negro; foto: Bernardo Monteiro Flores)

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Savanas nativas estão se expandindo no interior do sistema amazônico em consequência de incêndios florestais recorrentes, aponta estudo publicado no periódico Ecosystems.

A pesquisa, apoiada pela FAPESP, foi realizada por Bernardo Monteiro Flores, atualmente pós-doutorando em ecologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e por Milena Holmgren, professora do Departamento de Ciências Ambientais da Wageningen University, nos Países Baixos.

“Por muito tempo, as partes periféricas da floresta amazônica foram consideradas as mais vulneráveis, devido à expansão da fronteira agrícola. Essa degradação da floresta, ao longo do chamado ‘arco do desmatamento’, continua ocorrendo e constitui algo muito preocupante. Mas verificamos que, além dela, está acontecendo também um processo de savanização no coração da Amazônia, bem longe da fronteira agrícola”, relata o pesquisador à Agência FAPESP.

Os autores fizeram a descoberta em uma paisagem de ecossistemas inundáveis, no médio rio Negro, na região do município de Barcelos, a pouco mais de 400 quilômetros a montante de Manaus, onde manchas de savana de areia branca crescem em meio à floresta preservada. A causa apontada são incêndios recorrentes, cuja intensidade e frequência vêm aumentando no contexto maior da mudança climática global.

“Nós mapeamos 40 anos de incêndios florestais usando imagens de satélite e coletamos informações detalhadas em campo para avaliar se as florestas queimadas estavam mudando. Ao analisar a abundância de espécies de árvores e as propriedades do solo em diferentes momentos no passado, descobrimos que os incêndios florestais haviam matado praticamente todas as árvores, possibilitando que a camada superficial do solo, rica em argila, sofresse erosão com as inundações anuais e se tornasse progressivamente arenosa”, conta Flores.

Além disso, os pesquisadores constataram que, no processo natural de recuperação das áreas queimadas, o tipo de cobertura vegetal passou por importante modificação, com a proliferação de árvores típicas das savanas de areia branca, que se tornaram cada vez mais dominantes, junto com plantas herbáceas nativas.

Campinas

De onde vieram essas árvores de savana? Segundo Flores, as savanas fazem parte do sistema amazônico. Aproximadamente 11% da Amazônia está coberta por savanas. São savanas antigas, bem diferentes de um bioma tão rico em biodiversidade quanto o Cerrado, porém, mesmo assim dotadas de muitas espécies vegetais endêmicas. A população local as chama de “campinas”. Vista do alto, a paisagem amazônica apresenta pequenas ilhas de savana cercadas por um mar de floresta. As sementes das espécies vegetais de savana são carregadas pelas águas, peixes e aves. E, quando chegam a uma área queimada e de solo degradado, são elas, e não as sementes das espécies de floresta, que têm maior chance de germinar e repovoar aquele pedaço de terra.

“Nossa pesquisa mostrou que as savanas nativas estão em expansão e podem se expandir ainda mais na Amazônia. Não ao longo do ‘arco do desmatamento’, onde as gramíneas exóticas estão se espalhando, mas sim a partir de manchas de savana de areia branca disseminadas por toda a bacia, em regiões remotas”, afirma Flores.

Aqui há um ponto muito importante a ressaltar. Na Amazônia, as florestas inundáveis, chamadas de florestas de igapó ou de igarapé, são muito menos resilientes do que as florestas de terra firme. Queimam com maior facilidade e, uma vez queimadas, seu solo, lavado pelas águas, degrada-se muito mais rapidamente. “Elas constituem o ‘calcanhar de Aquiles’ do sistema amazônico”, diz Holmgren, coautora do estudo. “Temos evidências de campo de que, se o clima amazônico se tornar mais seco e os incêndios mais intensos e frequentes, as florestas inundáveis serão as primeiras a colapsar”, acrescenta.

E esses dois fatores – clima mais seco e incêndios mais intensos e frequentes – já são uma realidade, no quadro da mudança climática em curso. O próprio estudo mostrou que, durante o severo El Niño de 2016, os incêndios ocorridos na região do médio rio Negro queimaram uma área sete vezes maior do que a acumulada nos 40 anos anteriores.

“A perda adicional de florestas inundáveis pode resultar na emissão de enormes quantidades de carbono, estocado nas árvores, solos e turfeiras, e também reduzir a disponibilidade de recursos como peixes e produtos florestais para os povos locais. As novas descobertas reforçam a urgência de defender as florestas remotas. Por exemplo, implementando um programa de manejo de fogo para diminuir a propagação de incêndios florestais durante os períodos secos”, alerta Flores.

O artigo White-sand savannas expand at the core of the amazon after forest wildfires pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10021-021-00607-x.

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/04/2021

VIDA MARINHA ESTÁ MIGRANDO DOS TRÓPICOS DEVIDO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.

 

temperatura anual entre 1880 e 2020

Vida marinha está migrando dos trópicos devido às mudanças climáticas

Um novo estudo mostra que a vida marinha vem mudando sua distribuição para longe das regiões tropicais em resposta direta às mudanças climáticas. Esta é a primeira vez que isso é observado em escala global e em relação a todas as espécies.

Por Cinthia Leone, ClimaInfo

Como previsto em projeções sobre o aquecimento do clima, o número de espécies diminuiu no equador e aumentou nas regiões subtropicais desde os anos 1950. Os resultados da pesquisa liderada pela Universidade de Auckland, na Austrália, mostram que todas as 48.661 espécies estão obedecendo esta tendência, mas que os animais que vivem em águas abertas (pelágicos), como peixes, moluscos e crustáceos, estão se movendo mais em direção ao Polo Norte do que os animais que habitam o fundo do mar (bentônicos). Segundo o estudo, a falta de uma mudança semelhante no hemisfério sul se deve ao fato de o aquecimento dos oceanos ser maior no hemisfério norte do que no sul.

Os trópicos sempre foram considerados estáveis e com uma temperatura ideal para a vida. O que a nova pesquisa sugere é que os trópicos estão se tornando instáveis e progressivamente quentes demais para muitas espécies.

Esta informação é crítica para o Brasil, que hoje desconhece a situação da vida marinha em sua costa, quase totalmente localizada em águas tropicais. O último Boletim Estatístico sobre o tema foi publicado há dez anos pelo então Ministério da Pesca e Aquicultura, hoje transformado em uma Secretaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Um levantamento publicado pela ONG Oceana em dezembro de 2020 mostra que não existem informações sobre a situação de 94% dos 118 estoques de espécies-alvo da frota brasileira. A organização também verificou que apenas 3% dos estoques pesqueiros do país possuem limites de captura estabelecidos, e somente 8,5% deles estão incluídos em Planos de Gestão.

Confirmando projeções

O estudo que mostra o afastamento da vida marinha das águas tropicais tem origem na pesquisa de doutorado da escritora Chhaya Chaudhary na Universidade de Auckland. As informações usadas foram obtidas a partir do Ocean Biodiversity Information System (OBIS), um banco de dados mundial de acesso livre liderado pelo professor Mark Costello, da mesma universidade e coautor da pesquisa. Essa mesma base de dados foi usada no esforço global para a criação do primeiro Censo da Vida Marinha, concretizado em 2010.

Costello é um dos principais autores do atual 6º Relatório de Avaliação do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No ano passado, o professor foi coautor de outro artigo mostrando que embora a biodiversidade marinha tenha atingido o auge no equador durante a última era glacial, há 20 mil anos, ela já havia se achatado antes do aquecimento global industrial. Naquele estudo, os cientistas utilizaram registros fósseis de plâncton marinho enterrado em sedimentos de mar profundo para acompanhar a mudança na biodiversidade ao longo de milhares de anos.

A nova pesquisa mostra que este achatamento não apenas continuou no século 20, como o número de espécies nas zonas equatoriais agora despenca.

“Nosso trabalho mostra que a mudança climática causada pelo homem já afetou a biodiversidade marinha em escala global em todos os tipos de espécies. A mudança climática está conosco agora, e seu ritmo está acelerando”, afirma Costello. “Podemos prever a mudança geral na diversidade de espécies, mas devido à complexidade das interações ecológicas, não está claro como a abundância das espécies e a pesca mudarão com a mudança climática.”

“A diminuição do número de espécies no equador não significa que a vida marinha está se extinguindo do planeta. Em vez disso, significa a extirpação, ou perda local dessas espécies”, explica David Schoeman, coautor da pesquisa e professor da University of the Sunshine Coast, em Queensland, Austrália.

“As espécies tropicais ‘desaparecidas’ provavelmente estão perseguindo seu habitat térmico em águas subtropicais quentes, exatamente como previmos em um documento publicado em 2016 e como demonstrado em registros fósseis de 140 mil anos atrás, quando as temperaturas globais eram tão quentes quanto são agora”, avalia o pesquisador.

Schoeman alerta que o planeta suportou nos últimos 50 anos apenas uma fração do aquecimento esperado até 2050. “O número decrescente de espécies nos trópicos pode se expandir para um número decrescente de espécies nos subtrópicos”.

Referência: Global warming is causing a more pronounced dip in marine species richness around the equator.pdf

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/04/2021

BOAS PRÁTICAS EM SOLO DEGRADADOS GERAM PRODUÇÃO E RENDA PARA AGRICULTORES NO PARÁ.

Boas práticas em solos degradados geram produção e renda para agricultores no Pará

Aumentar a produtividade da mandioca em um solo degradado, e ainda intercalar com milho, feijão caupi e outras culturas na mesma área, parecia impossível para agricultores da comunidade Lajedo II, assentamento a 60 quilômetros do município de Marabá, na região Sudeste Paraense. Mas a parceria da comunidade com a pesquisa e a extensão rural mostrou que nada é impossível quando se tem informação, tecnologia e vontade.

“Nas áreas com as boas práticas de produção, saímos de uma terra degradada, de pastagem, e no primeiro ano de cultivo saltamos de 12 toneladas por hectare para quase 30 toneladas de raízes de mandioca por hectare”, conta Arley Petrônio Martins da Silva, agricultor e técnico rural, morador do assentamento Lajedo II.

No local, os resultados do projeto Mandiotec, executado pela Embrapa Amazônia Oriental e financiado pelo BNDES, por meio do Fundo Amazônia, mostram que com tecnologias simples, boas práticas de manejo e a capacitação de comunitários e técnicos, é possível produzir mais e melhor na mesma área, por vários anos consecutivos, garantindo mais segurança alimentar, renda e menos pressão ao meio ambiente.

O agrônomo Raimundo Brabo, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, conta que as  ações do Mandiotec na região iniciaram em 2019 com a instalação de quatro Unidades Demonstrativas (UDs) no assentamento. “Escolhemos Lajedo II por ter um histórico de referência em produção de mandioca e pecuária de leite na região”, conta o especialista. Mas o uso intensivo do solo, as queimadas sucessivas e a baixa qualidade das roças, vem trazendo prejuízos à produção.

Das 200 famílias que residem no assentamento, 25 toparam o desafio de participar do projeto e atuar nas áreas de demonstração, que funcionam como vitrines. O agricultor Ronildo Chaves Pedrosa Timóteo, que é presidente da Associação dos Produtores Rurais de Lajedo II, diz que o fogo é um vilão que degrada a terra e prejudica a produção. Então, ele continua, “pegar uma área já degradada e tornar ela produtiva foi a primeira vitória nessa batalha”, afirma.

Tecnologias simples e boas práticas de produção

As Unidades Demonstrativas instaladas em Lajedo II apresentaram aos agricultores dois sistemas de produção de baixo custo e com resultados surpreendentes: o Trio da Produtividade e o Sistema Bragantino. Neles foram utilizadas variedades de mandioca desenvolvidas pela pesquisa da Embrapa, com a BRS Poti, Manivão e Jurará, além de variedades selecionadas pela comunidade na própria região, como o Vermelhão e a Água Morna (macaxeira).

Boa semente, espaçamento e capinas

A maniva-semente é o galho da planta que serve como muda para o plantio. Escolher manivas-sementes mais produtivas é fundamental para uma boa roça.

Trio da Produtividade é um conjunto de boas práticas para o cultivo da mandioca, que a partir de técnicas simples, como um arranjo espacial e capinas regulares associadas a materiais genéticos (manivas-sementes), de boa qualidade, possibilitam o aumento da produtividade.

“O sistema é destinado aos agricultores familiares que não dispõem de recursos para a compra de adubo, pois trata apenas da seleção da maniva semente, plantio no espaço de um metro por um metro e controle de plantas daninhas nos cinco primeiros meses da cultura”, explica o agrônomo Moisés Modesto, analista da Embrapa Amazônia Oriental.

recuperação de área degradada

Correção de solo, plantio direto e consórcio 

Outra tecnologia empregada em Lajedo II é o Sistema Bragantino, que dispensa o uso do fogo, utiliza a técnica de plantio direto, preconiza a correção do solo e adubação, e integra o plantio de mandioca a culturas alimentares, como milho e feijão. Na comunidade, os agricultores, com o apoio da equipe técnica, também inseriram no sistema abóbora e melancia, o que diversificou ainda mais a produção e contribuiu para a segurança alimentar dos agricultores e suas famílias.

Para o técnico e agricultor Arley Petrônio da Silva, “o sistema possibilitou um plantio mais adensado com maior aproveitamento da área, melhorou e diversificou a produção, trazendo mais possibilidades aos produtores locais”.

Mais produção e renda na ponta do lápis

Quando levou os resultados das Unidades Demonstrativas de Lajedo II para a ponta do lápis, o agrônomo Moisés Modesto se surpreendeu. “O Trio da Produtividade obteve uma produção de 34 toneladas de raiz de mandioca por hectare. A relação entre o custo de produção e a receita foi positiva. Para cada real investido na roça com o uso da tecnologia retornaram R$ 3,44 ao agricultor”, destaca o analista.

A conta também fechou positiva para o Sistema Bragantino: a produtividade da mandioca saltou de 12 para 29 toneladas por hectare e ainda teve a produção do milho. “A possibilidade de ter várias culturas ao mesmo tempo, na mesma área e por tempo indeterminado é o grande diferencial desse sistema”, afirma Modesto.

Os resultados de 2020 também envolveram capacitações e visitas técnicas para agricultores e técnicos da extensão rural, dia de campo e reunião técnica. E mais três Unidades Demonstrativas já foram implantadas em 2021.

Boas práticas em solos degradados geram produção e renda

Desafios futuros

Outro resultado importante do trabalho, destacado pelo pesquisador Raimundo Brabo, é também a articulação da comunidade com a Secretaria de Agricultura de Marabá, que com as técnicas empregadas e a maior segurança na produção poderá trazer a mecanização até o assentamento Lajedo II. “Associar a mecanização ao uso de fertilizantes e boas práticas, pode elevar ainda mais a produtividade das roças, chegando a 35 toneladas por hectare”, relata o especialista. Isso significa um aumento de 42% na produtividade atual da mandiocultura no local e para a Mesorregião Sudeste Paraense.

Mas a comunidade ainda tem desafios, segundo o pesquisador Raimundo Brabo. Ele destaca a integração do cultivo da mandioca à pecuária leiteira, que é outra atividade importante em Lajedo II. “Conciliar a agricultura à pecuária é um desafio para garantir ainda mais a segurança alimentar e a renda das famílias”, afirma o pesquisador.

Para o agricultor Ronildo Chaves Pedrosa, o desafio é fazer com que outros agricultores do assentamento também adotem as novas técnicas de produção. “Pra mim, como presidente da associação, fazer com que todos os agricultores conheçam as áreas do projeto e levem essas práticas para dentro dos seus lotes é o maior desafio agora”, afirma. Mas ele acredita que os resultados positivos vão influenciar toda a comunidade.

As ações do Projeto Mandiotec estão também na 7ª edição da Revista do Projeto Integrado da Amazônia, que apresenta as ações da Embrapa na região com o apoio do Fundo Amazônia/BNDES. Para acessar a revista eletrônica, clique aqui.

Ana Laura Lima (MTb 1268/PA)
Embrapa Amazônia Oriental

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/04/2021

LAGOS NA CAMADA DE GELO DA GROENLÂNDIA DRENAM GRANDES QUANTIDADES DE ÁGUA, MESMO NO INVERNO.

Lagos na camada de gelo da Groenlândia drenam grandes quantidades de água, mesmo no inverno

Usando dados de satélite, pesquisadores mostraram pela primeira vez que os lagos da camada de gelo da Groenlândia drenam durante o inverno, uma descoberta com implicações na velocidade com que a segunda maior camada de gelo do mundo flui para o oceano.

University of Cambridge*

Os pesquisadores, da Universidade de Cambridge, usaram dados de radar de um satélite da Agência Espacial Europeia para mostrar que mesmo quando o calor do Sol está ausente, esses lagos podem descarregar grandes quantidades de água na base da camada de gelo. Acredita-se que esses ‘eventos de drenagem’ desempenhem um papel significativo na aceleração do movimento do gelo, lubrificando-o por baixo.

Estudos anteriores de drenagem de lagos foram realizados durante os meses de verão, por meio de uma combinação de observações diretas de campo e dados óticos de satélite, que requerem luz do dia.

A abordagem desenvolvida pelos pesquisadores de Cambridge usa o ‘retroespalhamento’ do radar – o reflexo das ondas de volta para o satélite de onde foram emitidas – para detectar mudanças nos lagos durante os meses de inverno, quando a Groenlândia está em escuridão quase total.

Os resultados , relatados na revista The Cryosphere , implicam que o sistema de ‘encanamento’ abaixo da camada de gelo da Groenlândia não apenas vaza lentamente água do verão anterior, mas mesmo nas profundezas do inverno ártico, pode ser ‘recarregado’ , uma vez que grandes quantidades de água do lago superficial caem em cascata para a base do manto de gelo.

Muitos estudos anteriores mostraram que a camada de gelo da Groenlândia está perdendo massa e a taxa de perda está acelerando, devido ao derretimento e ao escoamento.

“Uma das incógnitas em termos de previsão do futuro do manto de gelo é a rapidez com que as geleiras se movem – se irão acelerar e, em caso afirmativo, em quanto”, disse o coautor Dr. Ian Willis do Scott Polar Research Institute de Cambridge ( SPRI). “O principal controle sobre a rapidez com que as geleiras se movem é a quantidade de água derretida que chega ao fundo do manto de gelo, que é onde nosso trabalho entra.”

Lagos se formam na superfície do manto de gelo da Groenlândia a cada verão, conforme o clima esquenta. Eles existem por semanas ou meses, mas podem escoar em questão de horas devido à hidrofratura, transferindo milhões de metros cúbicos de água e calor para a base do manto de gelo. As áreas afetadas incluem regiões sensíveis do interior do manto de gelo, onde o impacto no fluxo de gelo é potencialmente grande.

“Sempre se pensou que esses lagos drenavam apenas no verão, simplesmente porque é mais quente e o sol faz o gelo derreter”, disse a coautora Corinne Benedek, também da SPRI. “No inverno, é escuro e as superfícies congelam. Achávamos que o enchimento dos lagos era o que causava sua eventual drenagem, mas nem sempre é esse o caso. ”

Benedek, que atualmente é candidata a doutorado na SPRI, começou a se interessar pelo que acontece com os lagos de superfície no inverno, enquanto ela era estudante de mestrado estudando dados térmicos de satélite.

“Os dados térmicos me mostraram que a água líquida pode sobreviver nos lagos durante o inverno”, disse ela. “Estudos anteriores usando radar aerotransportado também identificaram lagos enterrados alguns metros abaixo da superfície da camada de gelo no verão. Essas duas coisas me fizeram pensar em maneiras de observar lagos o ano todo. As imagens ópticas de satélite que normalmente usamos para observar os lagos não estão disponíveis no inverno, ou mesmo quando está nublado. ”

Benedek e Willis desenvolveram um método usando dados do satélite Sentinel-1, que usa um tipo de radar chamado radar de abertura sintética (SAR). O SAR funciona em um comprimento de onda que possibilita ver através das nuvens e no escuro. Gelo e água são lidos de maneira diferente usando SAR, então eles desenvolveram um algoritmo que rastreia quando ocorrem mudanças repentinas no retroespalhamento de SAR.

Ao longo de três invernos, eles identificaram seis lagos que pareciam drenar durante os meses de inverno. Esses lagos foram lagos enterrados ou lagos de superfície que foram congelados. O algoritmo foi capaz de identificar onde as características de retroespalhamento do lago mudaram acentuadamente entre uma imagem e a próxima registrada 12 dias depois.

Os dados SAR foram copiados com dados ópticos adicionais do outono anterior e da primavera subsequente, o que confirmou que as áreas dos lagos diminuíram consideravelmente para os seis lagos drenados. Para três dos lagos, os dados ópticos, bem como os dados de outros satélites, foram usados para mostrar que os lagos cobertos de neve e gelo desmoronaram, caindo vários metros, novamente confirmando que a água havia drenado.

“O primeiro lago que encontrei foi surpreendente”, disse Benedek. “Levei um tempo para ter certeza de que o que eu pensei que estava vendo era realmente o que eu estava vendo. Usamos dados de elevação da superfície de antes e depois dos eventos para confirmar o que estávamos pensando. Sabemos agora que a drenagem de lagos durante o inverno é algo que pode acontecer, mas ainda não sabemos com que frequência isso acontece. ”

“As geleiras diminuem no inverno, mas ainda estão se movendo”, disse Willis. “Deve ser esse movimento que faz com que surjam fraturas em alguns lugares, permitindo o escoamento de alguns lagos. Ainda não sabemos quão difundido é esse fenômeno de drenagem de lagos no inverno, mas pode ter implicações importantes para a camada de gelo da Groenlândia, bem como em outras partes do Ártico e da Antártica. ”

Referência:

Corinne L. Benedek and Ian C. Willis. ‘Winter drainage of surface lakes on the Greenland Ice Sheet from Sentinel-1 SAR imagery.’ The Cryosphere (2021). DOI: 10.5194/tc-15-1-2021
https://doi.org/10.5194/tc-15-1587-2021

 

* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/04/2021