sábado, 22 de janeiro de 2022

ESTUDO MOSTRA RELAÇÃO DE AQUECIMENTO GLOBAL E TRABALHO AO AR LIVRE NOS TRÓPICOS.

cortador de cana

Estudo mostra relação de aquecimento global e trabalho ao ar livre nos trópicos

Estudo coordenado pela TNC mostra o impacto do aumento das temperaturas nas atividades laborais ao ar livre em regiões de floresta com a redução das horas seguras de trabalho

Um estudo sobre os impactos do aquecimento global na população, publicado nesta sexta-feira (17/12) na revista científica One Earth , revela que o aumento da temperatura nos trópicos já está colocando em risco o bem-estar e a produtividade das pessoas que trabalham ao ar livre.

O estudo, conduzido por uma equipe multidisciplinar da Duke University, University of Washington e da organização não governamental The Nature Conservancy (TNC), teve por base as condições de trabalho consideradas seguras, informações de satélite e dados populacionais. Ao cruzar as referências, o estudo identificou que o aquecimento global, associado ao desmatamento recente (2003-2018), aumentou a exposição ao calor para 4,9 milhões de pessoas ao redor mundo, incluindo 2,8 milhões que trabalham ao ar livre.

Uma das conclusões mais significativas foi referente à segurança do trabalho considerando os impactos na saúde de um trabalhador em uma determinada umidade e temperatura. De acordo com os pesquisadores, houve reduções significativas nas horas seguras de trabalho em áreas desmatadas quando comparadas com as de floresta tropical intacta.

No Brasil, o estudo destaca a exposição desproporcional ao calor nos estados do Pará e Mato Grosso e alerta que as projeções de aquecimento devem agravar ainda mais a situação. O estudo projeta que o aquecimento global futuro de mais 2°C em relação ao presente pode afetar 250 mil pessoas com a perda de mais duas horas de trabalho seguro por dia em comparação com 2003.

Segundo Luke Parsons, que liderou grande parte da pesquisa, os dados reforçam a importância das florestas tropicais na mitigação dos efeitos do aquecimento global. “Nossas descobertas destacam o papel vital que as florestas tropicais desempenham como `ar-condicionado natural`, em especial para as populações mais vulneráveis ??às mudanças climáticas, visto que são normalmente de regiões onde o trabalho ao ar livre tende a ser a principal opção para muitos”, explica o pesquisador da Duke University.

Já o coautor e cientista de mudanças climáticas da TNC, Nick Wolff, destacou a urgente necessidade de conter e reverter o desmatamento das florestas. “Já sabíamos que o desmatamento tropical está associado a aumentos localizados de temperatura, mas, devido ao aquecimento acelerado que está ocorrendo em todo o planeta, é urgente realizar mais pesquisas sobre como as mudanças estão afetando populações humanas vulneráveis ??em todos os trópicos. Os vários compromissos para conter e reverter o desmatamento que surgiram na COP 26, em Glasgow, foram apenas um começo. Agora precisamos ver esses compromissos se convertendo rapidamente em ações locais tangíveis”, explicou.

Wolff afirmou, ainda, que o estudo evidenciou que remover a floresta tropical não é ruim apenas para as mudanças climáticas globais, mas também para os ecossistemas e comunidades locais. E, assim, evitar o desmatamento trará um benefício tangível para as pessoas que vivem em áreas de floresta tropical.

Fonte: The Nature Conservancy (TNC)

Referência:

Parsons L.A., Jung J., Masuda Y.J., Vargas Zeppetello L.R.V., Wolff N.H., Kroeger T., Battisti D.S., Spector J.T. Tropical deforestation accelerates local warming and loss of safe outdoor working hours. One Earth.
https://doi.org/10.1016/j.oneear.2021.11.016

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/12/2021

PAMPA É O BIOMA BRASILEIRO QUE MAIS PERDE VEGETAÇÃO NATURAL.

 Ambiente característico do bioma pampa

Ambiente característico do bioma pampa. Foto de Arlei Antunes, in Wikipédia

Pampa é o bioma brasileiro que mais perde vegetação natural

O Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa nos últimos 36 anos proporcionalmente em relação ao total de sua área, segundo os mais recentes dados do MapBiomas obtidos a partir da análise de imagens de satélite entre 1985 e 2020.

O decréscimo de 21,4% registrado entre 1985 e 2020 coloca o segundo menor bioma brasileiro à frente do Cerrado (-19,8%), Pantanal (-12,3%) e Amazônia (-11,6%). Como o Pampa funciona como um “hub”, para o qual convergem várias rotas de migração nacionaise internacionais, com destinos que incluem a América do Norte, o sul da América do Sul e as regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil e o norte da Argentina, a conservação das paisagens naturais do Pampa é crucial para múltiplas espécies migratórias.

O bioma Pampa, especialmente na sua porção leste, é considerado uma região de relevância internacional para diversas espécies de aves migratórias. A existência de um mosaico de ecossistemas naturais incluindo lagoas costeiras, praias, dunas, campos, matas de restinga e áreas pantanosas atrai uma notável concentração de aves em diferentes estações do ano, em busca de alimento ou de sítios de reprodução.

Os migrantes neárticos, espécies que se reproduzem no hemisfério norte (Canadá e Estados Unidos), voam para o Pampa no verão em busca de alimento. Mais de uma dezena de espécies são visitantes de verão, incluindo as batuíras e os maçaricos, também denominadas de aves de praia, o batuiruçu (Pluvialis dominica), o maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes), o maçarico-grande-de-perna-amarela (Tringa melanoleuca) e o maçarico-acanelado (Tryngites subruficollis).

Já as espécies migrantes austrais voam até o Pampa, onde permanecem somente no outono e no inverno. Elas partem desde a Patagônia, sul do Chile, Terra do Fogo e Ilhas Malvinas em direção ao Pampa no inverno, fugindo assim dos rigores do inverno austral. Dentre estas espécies estão a batuíra-de-peito-avermelhado (Charadrius modestus), o pedreiro-dos-andes (Cinclodes fuscus), o colegial (Lessonia rufa) e a andorinha-chilena (Tachycineta meyeni).

Outras espécies são residentes de verão e abandonam temporariamente o Pampa com a chegada dos meses frios para diversos destinos. Muitas partem para o norte da América do Sul e América Central como as andorinhas (Progne tapera e P. chalybea), a tesourinha (Tyrannus savana) e o suiriri (T. melancholicus). Outras migram no sentido leste-oeste com destino às províncias argentinas de Santa Fé, Entre Ríos e Corrientes. Algumas aves aquáticas transitam do Pampa para o Pantanal, incluindo o cabeça-seca (Mycteria americana), o colhereiro (Platalea ajaja), o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis) e o pato-de-crista (Sarkidiornis melanotos).

O avanço do uso antrópico sobre a vegetação natural do Pampa acentuou-se na última década, quando também foi possível notar o começo da mudança do perfil econômico do uso do solo. “A substituição da formação campestre pela agricultura favorece a perda de biodiversidade e liberação de carbono na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. Mas é também um desvio de uma vocação econômica natural do Pampa”, alerta Heinrich Hasenack, coordenador do mapeamento do Pampa. “Ao contrário da Amazônia ou do Cerrado, onde é preciso desmatar para criar gado, no Pampa a vegetação nativa é um pasto natural, o que permite que a pecuária se desenvolva preservando a paisagem”, explica. Resultados de pesquisas mostram que práticas de manejo adequadas permitem retorno econômico similar ao do cultivo de grãos, com a vantagem de preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

Nos últimos 36 anos, o Pampa perdeu 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa, que responde por menos da metade (46,1%) do território. Formações campestres ocupavam 46,2% do território em 1985. Em 2020, eram apenas 32,6%. Nesse período, a agricultura ganhou mais de 1,9 milhão de hectares de área do Pampa. A atividade, que ocupava 29,8% do bioma em 1985, passou a usar 39,9% do território em 2020. No ano passado, era o principal uso dos 44,1% antropizados do Pampa e segue uma tendência de crescimento alto a cada ano.

O Pampa possui muitas espécies campestres por metro quadrado, mesmo quando ocupado por gado, favorecendo a conservação da biodiversidade e do carbono estocado. Embora a agricultura, de um modo geral, tenha ótima produtividade, em algumas circunstâncias acaba sendo introduzida em locais com menor aptidão do que a pecuária. Outro fato preocupante é que o Pampa tem a menor proporção de unidades de conservação dentre todos os biomas brasileiros, com apenas 3% do território protegido. Dos quais, se descontarmos as Áreas de Proteção Ambiental, uma categoria com menor grau de proteção, esse percentual cai para 0,6%. Existem regiões do Pampa que já estão excessivamente descaracterizadas, a ponto de colocar em risco a própria capacidade de restauração ecológica com as variantes genéticas típicas dessas regiões.

“Apesar de estar na tradição gaúcha, na história da ocupação do bioma e de ser uma atividade que, no Pampa, é mais alinhada aos desafios do Século 21 de preservação da biodiversidade e redução das emissões de carbono, a pecuária sobre campo nativo está perdendo espaço para a agricultura, notadamente a soja”, detalha Hasenack.

O avanço da agricultura sobre a vegetação nativa pode ser notado em todo o bioma, mas foi mais acentuado nas regiões da Fronteira Oeste, o Planalto Médio/Missões, Zona Costeira e leste da Campanha. Os cinco municípios que mais perderam vegetação natural nos últimos 36 anos foram São Gabriel, Alegrete, Tupanciretã, Dom Pedrito e Bagé.

Os resultados do mapeamento do bioma também trazem resultados inéditos sobre as queimadas e a superfície de água. No Pampa, ao contrário dos demais biomas, as queimadas têm pouca expressão com uma média anual de 92,5 km2. Vários fatores concorrem para explicar a baixa quantidade de queimadas no Pampa como a ausência de uma estação seca, o baixo acúmulo de biomassa na vegetação campestre por conta da atividade pastoril e o fato do fogo não ser utilizado culturalmente como uma prática de manejo nas áreas rurais.

A dinâmica da superfície da água entre 1985 e 2020 mostra uma tendência de estabilidade ao longo dos 36 anos mapeados. Quase 10% do Pampa é ocupado por água: com 1,8 milhões de hectares em 2020. A maior parte se concentra na zona costeira, caracterizada pela presença de inúmeras lagoas, sendo que a laguna dos Patos, a lagoa Mirim e a lagoa Mangueira, armazenam 81% do total de superfície de água do bioma no Pampa Apesar da estabilidade na superfície de água, o mapeamento revela que na região da Fronteira Oeste e da Campanha houve um incremento de água com a implantação de açudes para irrigação, principalmente do arroz. Enquanto que nas porções centrais e a leste do bioma foram detectadas várias localidades com redução da superfície de água disponível.

Sobre o MapBiomas

Iniciativa multi-institucional que processa imagens de satélites com inteligência artificial e tecnologia de alta resolução em uma rede colaborativa de especialistas, universidades, ONGs, instituições e empresas de tecnologia para a criação de séries históricas e mapeamento de uso e cobertura da terra no Brasil. A UFRGS, com a colaboração da GeoKarten, são as instituições responsáveis pelo mapeamento da vegetação nativa no bioma Pampa dentro da rede MapBiomas.

 

Por Karol Domingues , in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/09/2021

GELEIRAS DO HIMALAIA ESTÃO DERRETENDO EM RITMO ACELERADO.

 Cadeia de lagoas glaciares Khumbu

Cadeia de lagoas glaciares Khumbu. Crédito da imagem: Duncan Quincey, University of Leeds

Geleiras do Himalaia estão derretendo em ritmo acelerado

O degelo acelerado das geleiras do Himalaia ameaça o abastecimento de água de milhões de pessoas na Ásia, alertam novas pesquisas.

Pela University of Leeds*

O estudo, liderado pela Universidade de Leeds, conclui que nas últimas décadas as geleiras do Himalaia perderam gelo dez vezes mais rapidamente nas últimas décadas do que a média desde a última grande expansão glaciar há 400-700 anos, um período conhecido como Pequena Idade do Gelo.

O estudo também revela que as geleiras do Himalaia estão diminuindo muito mais rapidamente do que as geleiras de outras partes do mundo – uma taxa de perda que os pesquisadores descrevem como “excepcional”.

O artigo, publicado na Scientific Reports, fez uma reconstrução do tamanho e das superfícies de gelo de 14.798 geleiras do Himalaia durante a Pequena Idade do Gelo. Os pesquisadores calculam que as geleiras perderam cerca de 40% de sua área – diminuindo de um pico de 28.000 km 2 para cerca de 19.600 km 2 hoje.

Durante esse período, eles também perderam entre 390 km 3 e 586 km 3 de gelo – o equivalente a todo o gelo contido hoje nos Alpes da Europa Central, no Cáucaso e na Escandinávia combinados. A água liberada por meio desse degelo elevou o nível do mar em todo o mundo entre 0,92 mm e 1,38 mm, calcula a equipe.

O Dr. Jonathan Carrivick, autor correspondente e chefe adjunto da Escola de Geografia da Universidade de Leeds , disse: “Nossas descobertas mostram claramente que o gelo está sendo perdido nas geleiras do Himalaia a uma taxa pelo menos dez vezes maior do que a taxa média no passado séculos. Essa aceleração na taxa de perda surgiu apenas nas últimas décadas e coincide com a mudança climática induzida pelo homem. ”

Degelo do Himalaia ameaça os sistemas fluviais da Ásia

A cordilheira do Himalaia abriga a terceira maior quantidade de gelo glaciar do mundo, depois da Antártida e do Ártico, e é frequentemente chamada de “Terceiro Pólo”.

A água do degelo liberada pelas geleiras do Himalaia forma as cabeceiras dos principais sistemas fluviais da Ásia. A aceleração do degelo das geleiras do Himalaia tem implicações significativas para centenas de milhões de pessoas que dependem dos principais sistemas fluviais da Ásia para obter alimentos e energia. Esses rios incluem o Brahmaputra, Ganges e Indus.

A recessão e o estreitamento das geleiras do Himalaia aumentam as preocupações sobre a sustentabilidade do abastecimento de água na região.

A equipe usou imagens de satélite e modelos digitais de elevação para produzir contornos da extensão das geleiras há 400-700 anos e para ‘reconstruir’ a superfície do gelo. As imagens de satélite revelaram cristas que marcam os limites da antiga geleira e os pesquisadores usaram a geometria dessas cristas para estimar a extensão da antiga geleira e a elevação da superfície do gelo. Comparar a reconstrução da geleira com a geleira agora, determinou o volume e, portanto, a perda de massa entre a Pequena Idade do Gelo e agora.

As geleiras do Himalaia estão geralmente perdendo massa mais rápido nas regiões orientais – ocupando o leste do Nepal e o Butão ao norte da divisão principal. O estudo sugere que essa variação se deve provavelmente a diferenças nas características geográficas nos dois lados da cordilheira e sua interação com a atmosfera – resultando em padrões climáticos diferentes.

As geleiras do Himalaia também estão diminuindo mais rapidamente onde terminam em lagos, que têm vários efeitos de aquecimento, em vez de onde terminam em terra. O número e o tamanho desses lagos estão aumentando, portanto, pode-se esperar uma aceleração contínua na perda de massa.

Da mesma forma, as geleiras que têm quantidades significativas de detritos naturais em suas superfícies também estão perdendo massa mais rapidamente: elas contribuíram com cerca de 46,5% da perda de volume total, apesar de representarem apenas cerca de 7,5% do número total de geleiras.

O Dr. Carrivick disse: “Embora devamos agir urgentemente para reduzir e mitigar o impacto da mudança climática causada pelo homem nas geleiras e rios alimentados com água do degelo, a modelagem desse impacto nas geleiras também deve levar em conta o papel de fatores como lagos e detritos. ”

O coautor, Dr. Simon Cook, professor sênior de Geografia e Ciências Ambientais da Universidade de Dundee, disse: “As pessoas na região já estão vendo mudanças que estão além de qualquer coisa testemunhada por séculos. Esta pesquisa é apenas a confirmação mais recente de que essas mudanças estão se acelerando e terão um impacto significativo em nações e regiões inteiras ”.

Referência:

Lee, E., Carrivick, J.L., Quincey, D.J. et al. Accelerated mass loss of Himalayan glaciers since the Little Ice Age. Sci Rep 11, 24284 (2021). https://doi.org/10.1038/s41598-021-03805-8

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Henrique Cortez *, tradução e edição.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/12/2021

O PESO ECOLÓGICO DO ANTROPOCENO.

O peso ecológico do Antropoceno, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”. Ron Patterson (2014)

 

área ocupada por humanos pelos animais domésticos e animais selvagens

 

O Homo sapiens surgiu na África há cerca de 200 mil anos e se espalhou por todo o território terrestre. As grandes migrações do passado e o processo de globalização têm tornado o mundo cada vez mais ecúmeno, com impactos crescentes das atividades antrópicas sobre o meio ambiente e a redução das áreas anecúmenas.

O termo anecúmeno designa uma área da superfície terrestre emersa que não seja habitada pelo ser humano de forma permanente, opondo-se ao termo ecúmeno que designa uma área onde os humanos permanecem no presente.

Como o Planeta é um só, todas as espécies estão em constante competição entre si, bem como com os membros de sua própria espécie. Todas as espécies evoluíram e fizeram adaptações voltadas para a sobrevivência. A Águia tem voo, garras, mira telescópica e assim por diante. Todas as outras espécies têm adaptações similares. O Homo sapiens desenvolveu várias adaptações, sendo que há uma que lhe dá uma enorme vantagem sobre todas as outras: sua capacidade intelectual e de aprendizagem. Esta habilidade favorece a competição com outras espécies para a alimentação e conquista de território. Assim, o ser humano não só venceu as demais espécies, como, na verdade, está em processo de acabar com elas, provocando uma grande extinção em massa, especialmente dos vertebrados da Terra (Patterson, 2014).

O artigo “Global human-made mass exceeds all living biomass”, publicado na revista Nature (ELHACHAM, et. al., 2020) estima que em 2020, com uma margem de erro de seis anos para mais ou para menos, a massa total dos objetos gerados pelos seres humanos – a chamada massa antropogênica, constituída de máquinas, edifícios, estradas, automóveis, eletrodomésticos e outros objetos – tenha alcançado 1,1 trilhão de toneladas, o mesmo valor que somam todos os seres vivos da Terra, de plantas e animais a organismos microscópicos. O resumo do artigo diz:

“A humanidade se tornou uma força dominante na formação da face da Terra. Uma questão emergente é como a produção total de material das atividades humanas se compara à biomassa natural geral. Aqui nós quantificamos a massa produzida pelo ser humano, referida como ”massa antropogênica”, e a comparamos com a biomassa viva total na Terra, que atualmente é igual a aproximadamente 1,1 teratonelada. Descobrimos que a Terra está exatamente no ponto de cruzamento, no ano de 2020 (± 6), a massa antropogênica, que recentemente dobrou aproximadamente a cada 20 anos, ultrapassará toda a biomassa viva global. Em média, para cada pessoa no globo, uma massa antropogênica igual a mais do que seu peso corporal é produzida a cada semana. Essa quantificação do empreendimento humano fornece uma caracterização quantitativa e simbólica baseada em massa da época do Antropoceno induzida pelo homem”.

211222b dois planetas

 

Em consequência, o aumento das atividades antrópicas está aumentando os desastres climáticos e ambientais que afetam o ser humano. Um estudo publicado na revista Nature Climate Change (Callaghan, 11/10/2021) que analisou dados de mais de 100.000 eventos que poderiam estar ligados ao aquecimento global, incluindo inundações, ondas de calor e quebra de safra, bem como mudanças na temperatura e precipitação causados pelas emissões de carbono, concluiu que as mudanças climáticas já afetaram 80% da área terrestre da Terra, onde vive 85% da população mundial. Além disto, tem acelerado a 6ª extinção em massa das espécies.

A humanidade ocupa cada vez mais espaço no Planeta e tem prejudicado de forma danosa todas as formas de vida ecossistêmicas da Terra. O ser humano está reincidindo cotidianamente nos crimes do especismo e do ecocídio. Se a dinâmica demográfica e econômica continuar sufocando a dinâmica biológica e ecológica a civilização caminhará para o abismo e o suicídio. Porém, antes de o Antropoceno provocar uma extinção em massa da vida na Terra é preciso uma ação radical no sentido conter a pegada ecológica da humanidade e aumentar a biocapacidade do Planeta.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Os 25 anos da CIPD: Terra inabitável e o grito da juventude, Rev. Bras. de Estudos Populacionais, REBEP, 2019 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982019000100450&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

ALVES, JED. Para evitar o holocausto biológico: aumentar as áreas anecúmenas e reselvagerizar metade do mundo, Ecodebate, 03/12/2014
http://www.ecodebate.com.br/2014/12/03/para-evitar-o-holocausto-biologico-aumentar-as-areas-anecumenas-e-reselvagerizar-metade-do-mundo-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

PATTERSON, Ron. Of Fossil Fuels and Human Destiny, May 7, 2014
http://peakoilbarrel.com/natural-resources-human-destiny/

ELHACHAM, Emily, et. al. Global human-made mass exceeds all living biomass, Nature volume 588, pages 442–444(2020) https://www.nature.com/articles/s41586-020-3010-5

Max Callaghan et. al. Machine-learning-based evidence and attribution mapping of 100,000 climate impact studies, Nature Climate Change, 11 October 2021
https://www.nature.com/articles/s41558-021-01168-6

ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21 https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/12/2021

PLANTAS MEDICINAIS QUE AUXILIAM NA ANSIEDADE E INSÔNIA.

 Maracujá.

Maracujá. Foto: Embrapa

Plantas medicinais que auxiliam na ansiedade e insônia

Artigo de Vinícius Bednarczuk de Oliveira

[EcoDebate] O stress desencadeado pelas multitarefas da nossa rotina, pode desencadear na ansiedade, que muitas vezes leva a uma noite mal dormida, e, até mesmo a insônia, que é um distúrbio caracterizado pela dificuldade de começar a dormir, manter-se dormindo ou acordar antes do horário desejado.

As plantas medicinais são recursos naturais, muito utilizadas pela população por apresentarem efeitos terapêuticos, praticidade e até mesmo pelo uso tradicional, ou seja, aquele que passa de pais para os filhos.

O ditado popular “se é natural, não faz mal” traz uma sensação de que essas plantas são isentas de toxicidade, porém sabe-se que não é verdade. Muitas delas, se mal utilizadas, podem trazer problemas graves à saúde humana.

Em relação a ansiedade e insônia, o uso de algumas plantas medicinais pode trazer reais benefícios para esses transtornos. Abaixo listamos 5 plantas que se utilizadas corretamente na forma de chá, colaboram com os sintomas causados pelo stress.

  • Camomila, uma das plantas mais conhecidas e mais utilizadas na rotina, possui ação sobre a ansiedade e pode colaborar com a insônia, além de ajudar no sistema digestivo. Recomenda-se 2 colheres de chá da flor seca em 250 ml de água, de 3 a 4 vezes durante o dia para ansiedade.
  • Capim limão ou Capim Santo é uma planta com aroma bem característico, e sua utilização na forma de chá, além de muito saborosa pode reduzir a ansiedade e colaborar com a insônia, recomenda-se utilizar até 4 vezes ao dia.
  • Maçã é uma fruta muita apetitosa, quando seca pode auxiliar nos transtornos da ansiedade, colaborando com a saciedade, ou seja, diminuído a vontade de comer.
  • Maracujá ou Passiflora, conhecida principalmente pelo seu suco, os benefícios terapêuticos do maracujá são provenientes das folhas, para uso nos sintomas de ansiedade e insônia recomenda-se 1 a 2 gramas até 4 vezes ao dia.
  • Melissa é uma planta medicinal que além de ter efeito relaxante, colabora com os sintomas da ansiedade e insônia. Recomenda-se 1 colher de chá das folhas secas em 250 ml de água.

O uso correto das plantas medicinais pode trazer diversos benefícios a nossa saúde, porém, vale ressaltar que deve ser realizado de forma moderada e nunca substituindo a ingestão de água por chás.

Vinícius Bednarczuk de Oliveira é farmacêutico, coordenador dos Cursos de Farmácia e Práticas Integrativas e Complementares do Centro Universitário Internacional Uninter.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/09/2020

UNIVERSIDADE TÊM AUTONOMIA E PODEM EXIGIR A VACINAÇÃO, AVALIA EX-REITORA DA UNIFESP.

 vacina

Imagem: Pixabay

Universidades têm autonomia e podem exigir a vacinação, avalia ex-reitora da Unifesp

“Universidades têm autonomia e podem exigir a vacinação em nome da segurança e da saúde de suas comunidades”, defende a Profª Dra. Soraya Smaili, ex-reitora da Unifesp e coordenadora do Centro SOU Ciência

Por Ana Paula Rogers e Suely Melo

Após despacho do MEC, a especialista alerta para o perigo de expor estudantes e profissionais de 68 universidades e 40 institutos federais do país, que enfrentam as especificidades da pandemia de covid-19 e diferentes desafios de combater a doença nas diversas regiões do país

O MEC acaba de emitir um despacho, a partir do parecer de sua consultoria jurídica (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-de-29-de-dezembro-de-2021-370934384 ), apresentando um entendimento que visa impossibilitar que as Instituições Federais de Ensino (Universidades e Institutos) possam exigir a vacinação contra covid-19 como condicionante ao retorno das atividades presenciais.

Para a Profª Dra. Soraya Smaili, farmacologista professora da Escola Paulista de Medicina, ex-reitora da Unifesp e coordenadora do Centro SoU_Ciência, da universidade, a decisão trará ainda mais insegurança ao cenário da saúde no país. “Trata-se de uma medida que visa cercear a autonomia das instituições federais de ensino e que está garantida na Constituição Federal pelo Art. 207. “As vacinas estão absolutamente comprovadas atualmente, são eficazes, já evitaram muitas doenças graves e muitas mortes. Nós queremos que 2022 tenha aulas presenciais e a única forma de fazê-lo de maneira segura é com a população vacinada e usando máscara”, ressalta a professora.

Outro fator importante é que existem 68 universidades e 40 institutos federais no País, cada qual com a sua especificidade, e que poderão estar em uma situação epidemiológica diferente. “É preciso respeitar as decisões dos conselhos superiores destas instituições. Muitas universidades são maiores do que muitos municípios, portanto, é importante respeitar as decisões da universidade como uma política pública”, frisa a especialista.

O que mais poderíamos esperar de um governo que atrasou a compra de vacinas, levando centenas de milhares de pessoas à doença e ao óbito, que agora atrasa a vacinação das crianças, expondo-as ao perigo e na iminência da volta às aulas, e que agora quer que as universidades tenham um ambiente de insegurança que expõe a saúde de mais de 2 milhões de estudantes e seus familiares? Não podemos aceitar”, finaliza Soraya.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/12/2021

ATÉ QUE PONTO A EDUCAÇÃO É UM DIREITO SE TODOS ?

 educação inclusiva

Foto: Divulgação ADD / ABr

Até que ponto a educação realmente é um direito de todos? artigo de Flávia Albaine

Educação Inclusiva – Em um período em que a educação está esquecida e ao mesmo tempo em tanta evidência, nos lembrarmos de quem precisa ainda mais de ajuda é primordial

Há um assunto muito pertinente e que também abrange uma discussão que sempre vale a pena colocar em pauta: a educação inclusiva.

Ela é um direito fundamental previsto nos artigos 205 a 214 da Constituição Federal de 1988, além de outros atos normativos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Apesar de ser um direito fundamental e de suma importância para que o indivíduo possa se desenvolver objetivando a realização da vida em todas as suas potencialidades, o cenário brasileiro tem demonstrado que tal direito – assim como tantos outros direitos fundamentais – ainda é restrito apenas para uma parcela da população diante de inúmeros obstáculos políticos, sociais, culturais e de tantas outras ordens que se fazem presentes.

O Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo em agosto de 2008, através do Decreto Legislativo 186 de 09 de julho de 2008.

Ressalte-se que o sistema educacional inclusivo é um direito fundamental, expressamente previsto no artigo 208, inciso III da Constituição Federal Brasileira, no artigo 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e nos artigos 27 a 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência; além de outros diplomas nacionais e internacionais do qual o Brasil é signatário. Ademais, é indiscutível o protagonismo que o acesso à educação assume diante de qualquer tentativa de transformação social que se pretende duradoura e profunda.

Dentro de todo esse contexto é que a sociedade brasileira deve ser chamada a reflexão sobre como atuar para a efetivação do direito a educação de crianças e adolescentes com deficiência, assim como para eliminar algumas das barreiras que ainda obstruem o gozo pleno de tais direitos.

A educação na atualidade

Em experiência pessoal na condição de Defensora Pública e realizando o trabalho de educação em direitos pelo interior do estado de RO, eu pude constar a falta de estrutura das entidades do ensino público para a efetivação do direito à educação de seus alunos com algum tipo de deficiência. As colocações mais constantes para justificar a debilidade do ensino inclusivo na região foram: professores relatando que a graduação não lhes concedeu conhecimento técnico para tal e que a escola também não investe em cursos de capacitação com esse objetivo, ausência de equipe interdisciplinar para atender as necessidades do aluno com deficiência, carência de planos de ações personalizados que considerem as peculiaridades do aluno com deficiência e pouco investimento em tecnologias assistivas que objetivem a inclusão do aluno com deficiência no ambiente escolar.

Algumas dessas medidas de apoio ao sistema educacional inclusivo podem ser encontradas no artigo 28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência cujo rol não é exaustivo e que prevê a inclusão da deficiência no conteúdo programático dos cursos superiores, a efetiva oferta de profissionais de apoio para viabilizar a inclusão, o ensino de libras e brailes para os estudantes, a adaptação do ambiente escolar para garantir condições de acessibilidade, o estímulo à realização de pesquisas sobre o tema, a participação dos estudantes com deficiência nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar, dentre outros.

Não temos a pretensão de esgotar o tema em debate nesse singelo artigo, mormente diante da complexidade que é inerente ao mesmo. Queremos deixar a nossa reflexão sobre a importância de mudanças para que as pessoas com deficiência também estejam englobadas na expressão “todos” quando o artigo 205 da Constituição Federal diz que “a educação é um direito de todos”.

Flávia Albaine Farias da Costa, Defensora Pública de RO, Mestra em Direitos Humanos das PCDs, professora universitária no tema das pessoas com deficiência, além de criadora e coordenadora do projeto Juntos pela Inclusão Social.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/12/2021

AS PRIMEIRAS TRANSPOSIÇÕES DA SERRA DO MAR: A TRILHA DOS TUPINIQUINS E O CAMINHO DO PADRE JOSÉ.

As Primeiras Transposições da Serra do Mar: A Trilha dos Tupiniquins e o Caminho do Padre José, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

A TRILHA DOS TUPINIQUINS

Já é fato bastante conhecido e comprovado que nossos índios, no período pré-colonial, mantinham intenso intercâmbio entre diferentes tribos e culturas. Esse intercâmbio era proporcionado por caminhos permanentes, conhecidos, conservados e defendidos. Dessas estradas antigas, a mais conhecida seguramente é o Caminho do Peabiru.

Esse caminho, uma trilha de cerca de 1,40m de largura, partia do Planalto do Piratininga seguindo inicialmente pelo Vale do Ribeira, alcançando os estados do Paraná e Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, estendendo-se ao Paraguai, Bolívia e Peru, em um comprimento total próximo a 3 mil quilômetros.

Há controvérsia entre os historiadores sobre a autoria da abertura do Peabiru. Alguns defendem a veracidade da mitologia indígena segundo a qual o Peabiru foi aberto por Sumé, herói do povo carijó, em sua fuga dos Tupinambás rumo ao Peru. Outros argumentam que a trilha teria sido aberta pelos próprios incas para exploração de outros territórios e para acesso ao Oceano Atlântico.

Em 1533 Tomé de Souza, Governador Geral da Colônia, proíbe o tráfego pelo Peabiru para dificultar a ação dos espanhóis.

Quando Martin Afonso de Souza, comandando a primeira expedição portuguesa efetivamente colonizadora, aportou em São Vicente no ano de 1531, já encontrou por aqui, totalmente integrados e com grande poder sobre os índios locais, os antigos degredados João Ramalho, Antônio Rodrigues e Cosme Fernandes, conhecido como “Bacharel”, comandando um já intenso tráfico de escravos índios e trocas comerciais com navegantes que aportavam nossas costas.

Nossos índios não habitavam o litoral, apenas vinham à orla nos meses frios de junho, julho e agosto para fugir do frio, pescar a tainha e o parati e recolher mariscos, que levavam salgados para suas aldeias no Planalto. Tinham os índios a Serra como uma fantástica e providencial proteção natural contra ataques a suas aldeias do Planalto. Tanto é verdade que Martin Afonso de Souza, com todo o poder que lhe foi deferido pelo Rei João III, foi obrigado a aceitar um acordo com João Ramalho pelo qual os portugueses só poderiam subir a Serra com a explícita aprovação dos índios comandados por Tibiriçá, de quem João Ramalho desposou uma das filhas, Bartira.

Pois bem, tanto as cruéis atividades dos primeiros degredados que por aqui se estabeleceram, como esse trânsito indígena sazonal, utilizavam, para a transposição da escarpa da Serra, uma trilha simples, mais tarde batizada pelos colonizadores como Trilha dos Goytacases ou Trilha dos Tupiniquins.

barreira da serra do mar

A fantástica barreira da Serra do Mar

quadro de benedito calixto mostrando martin afonso de souza desembarcando em 1532

Quadro de Benedito Calixto mostrando Martin Afonso de Souza desembarcando em 1532 de canoa em Piaçaguera para subir ao Planalto com João Ramalho pela Trilha dos Tupiniquins. Nessa época, João Ramalho comandava o tráfico de escravos índios a partir de São Vicente e do Planalto, onde estava instalado seu sogro e “sócio”, o cacique Tibiriçá. (Foto reproduzida de fascículo da coleção “Grandes personagens da nossa história”, São Paulo: Abril Cultural, 1969-70)

mapa antigo mostrando a trilha dos tupiniquins e o caminho do padre josé

Mapa antigo mostrando a Trilha dos Tupiniquins e o Caminho do Padre José. A Trilha desenvolvia-se pelo vale do Rio Mogi, o Caminho do Padre José utilizou a vertente direita do Rio Perequê.

Na verdade a Trilha dos Tupiniquins era também considerada um “ramal” litorâneo do Caminho do Peabiru. Em seu trajeto para o Planalto, essa trilha adentrava a Serra através do Vale do Rio Mogi, costeando muito provavelmente sua vertente direita (há historiadores que a situam na vertente esquerda) até a região de Paranapiacaba. Desse local, um ramal possibilitava a comunicação com o Vale do Paraíba, via Mogi das Cruzes, sendo que a trilha principal seguia até o local que hoje corresponderia ao centro antigo de São Paulo, via região do ABC paulista.

Se em regiões planas o caminho do Peabiru mantinha uma largura média de cerca de 1,40m de largura, conforme atestam vestígios ainda existentes no estado do Paraná e em Santa Catarina, as trilhas na Serra eram certamente bem mais estreitas, permitindo, conforme amplamente descrito por seus sofridos caminhantes portugueses, não mais que a passagem de um só homem de cada vez.

O autor do livro, em seus trabalhos na Serra do Mar, especialmente por ocasião dos estudos sobre o traçado da Rodovia dos Imigrantes, ao fim dos anos 60, caminhou floresta adentro por várias trilhas tidas ainda como remanescentes de trilhas indígenas. A comparar a Trilha dos Tupiniquins com essas, pode-se afirmar que eram caminhos muito estreitos, sem nenhum afrontamento às encostas, sem sequer a derrubada de uma árvore que pudesse vir a facilitar seus movimentos. Desviando de obstáculos, dando preferência a espigões e às linhas definidas pelas rupturas negativas de declive entre as encostas retilíneas e o início dos coluviões de meia encosta, essas trilhas eram suficientes para a locomoção típica do índio nessas regiões, qual seja, uma locomoção leve, rápida e que revelava uma total intimidade do índio com a natureza.

Enfim, pode-se dizer que conhecendo empiricamente o comportamento dos terrenos das encostas da Serra, para o estabelecimento de suas trilhas os índios se preocupavam mais com trajetos que lhes proporcionassem maior confiança (espigões e rupturas negativas de declive) do que com as condições técnicas da “pista” (boa largura, rampas suaves, etc.). Refletindo a praticamente nula intervenção nas encostas, não há informação relatada de algum problema geotécnico que tenha causado dano maior à Trilha dos Tupiniquins.

 

O CAMINHO DO PADRE JOSÉ

O aumento da presença e da ação portuguesa na colônia, e especialmente sua cultura escravagista, acabou por provocar a ira e a revolta de várias tribos indígenas que não se deixaram cooptar como os comandados do Cacique Tibiriçá, poderoso aliado e protetor dos colonizadores.

Entre as tribos indígenas que mais se empenharam no combate aos portugueses estavam os tamoios, que impunham seu domínio do litoral norte do Estado de São Paulo ao Rio de Janeiro. Foi justamente pelos freqüentes assaltos dos tamoios aos usuários da Trilha dos Tupiniquins que Mem de Sá, no ano de 1553, ordena a abertura de um novo caminho, mais a sudoeste, para a ligação entre a região vicentina e os campos de Piratininga, no Planalto. A partir de 1560 todo o tráfego para o Planalto começa a ser feito por essa nova trilha.

É incerta a maior responsabilidade pela abertura do novo caminho. Alguns historiadores a debitam ao arrojo e à dedicação do Padre Anchieta. Outros historiadores a relacionam com uma empreitada comandada por um rico dono de terras, João Perez, como paga do perdão pela morte de um escravo alheio.

Textos históricos afirmam que esse João Perez utilizou seus escravos indígenas na abertura desse novo caminho, optando pelo Vale do Rio Perequê, e aproveitando antiga trilha indígena que por lá existiu.

Tudo indica que, como o anterior (Trilha dos Tupiniquins), esse novo caminho obedecia às mesmas características técnicas das trilhas indígenas, sendo sofridamente percorrido pelos colonizadores, totalmente desacostumados a andares desse tipo. Mais ainda sofriam os escravos indígenas, pois, além das cargas, eram também obrigados a levar em seu ombros os feridos e os exaustos senhores.

Em uma de suas cartas, o Padre Simão de Vasconcellos descreve assim as agruras de suas viagens através do Caminho do Padre José:

O trilho é tal que põe assombro aos que hão de subir ou descer; o mais de espaço não é caminhar, é trepar de pés e de mãos, aferrados às raízes das árvores; não é caminhando que se faz a maior parte da viagem; é de rostos sobre as mãos e os pés, agarrando-se às raízes das árvores, em meio de rochedos pontiagudos e de terríveis precipícios, que eu tremia, devo confessá-lo, quando olhava para baixo; a profundeza do vale é aterrorizante e o número de montanhas que se elevam, umas por cima das outras, faz perder toda a esperança de chegar ao fim.

Uma vez galgada a Serra, os viajantes deviam atingir a Vila de São Paulo a pé ou com o auxílio de barcos. Nesse caso, dois caminhos se ofereciam, ou atingindo o Rio Pinheiros a partir de seus formadores, Rio Pequeno e Rio Grande, ou atingindo o Rio Tamanduateí, através dos rios de sua cabeceira.

O Caminho do Padre José, desgastado com o intenso aumento de tráfego e pesadas chuvas, teve de ser várias vezes recuperado, sendo que a cada dessas providências ia se intensificando o nível de interferência nas encostas, com pequenos cortes, aterros e estivas, iniciando o longo processo vicioso que caracterizaria por muito tempo os intentos de transposição viária da Serra: mais melhorias > maiores intervenções nas encostas > maiores desastres.

(Obs: Texto extraído do livro “A GRANDE BARREIRA DA SERRA DO MAR – da Trilha dos Tupiniquins à Rodovia dos Imigrantes”, do mesmo autor do artigo)

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

  • Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
  • Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
  • Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
  • Articulista do EcoDebate

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/01/2022