domingo, 20 de fevereiro de 2022

MORTES EM ÁREAS DE RISCO : FATALIDADES OU ASSASSINATOS ?

 Desabamento em Embu das Artes

Desabamento em Embu das Artes. Foto Corpo de Bombeiros da PMESP / ABr

Mortes em áreas de risco: fatalidades ou assassinatos? artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Em sã consciência, não há administração pública, por mais eficiente e conscienciosa que seja, que vá conseguir resolver o problema dentro da atual cultura de “correr atrás do prejuízo”.

Recorrentemente, à época das chuvas mais intensas, quando então todos os problemas de risco se agudizam, o noticiário jornalístico é pródigo no anúncio de tragédias familiares e mortes por soterramentos e afogamentos, situações sempre vinculadas a deslizamentos em terrenos de alta declividade e solapamentos em margens de cursos d’água.

Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.

Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas periféricas comumente atingem relevos topograficamente mais acidentados, e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, como também as faixas marginais de córregos urbanos, vale afirmar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada pela Geologia e pela Geotecnia brasileiras, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas.

Cartas Geotécnicas, indicando, dentro de uma abordagem preventiva, as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências. Cartas de Risco, que, no âmbito de uma abordagem emergencial e corretiva, indicam as medidas necessárias para a eliminação de riscos já instalados. Da mesma forma, estão já consagradas as orientações metodológicas e tecnológicas para a concepção e gestão de Planos de Defesa Civil e de Gestão de Riscos.

Enfim, todas as ferramentas técnicas e gerenciais para uma correta gestão do problema áreas de risco já estão abundantemente desenvolvidas e disponibilizadas às autoridades públicas e às empresas privadas para o exitoso enfrentamento do problema, seja em sua abordagem preventiva, seja em sua abordagem emergencial e corretiva.

O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. O fato real é que a população mais pobre tem sido sistematicamente e compulsoriamente compelida a buscar soluções de moradia compatíveis com seus miseráveis orçamentos jogando com seis variáveis, isoladas ou concomitantes: grandes distâncias do centro urbano, áreas naturalmente sujeitas a riscos geológicos (terrenos de alta declividade e margens de córregos), áreas insalubres, irregularidade imobiliária, desconforto ambiental, precariedade técnica da construção. Somem-se a isso loteadores inescrupulosos, total ausência da administração pública, inexistência de infraestrutura urbana e está desenhado o cenário urbano das áreas de risco.

Ou seja, em que pese a necessidade dos serviços públicos melhorarem em muito sua eficiência técnica e logística no tratamento do problema “áreas de risco”, não há como se pretender resolver esta questão somente através de uma abordagem técnica. Em sã consciência, não há administração pública, por mais eficiente e conscienciosa que seja, que vá conseguir resolver o problema dentro da atual cultura de “correr atrás do prejuízo”.

A questão remete pesadamente para a necessidade de soluções políticas corajosas que considerem o aspecto social-econômico do problema, o que leva a considerar necessariamente programas habitacionais mais ousados e resolutivos, que atendam a enorme demanda habitacional da população mais pobre com moradias dignas e seguras, reduzindo assim a enorme pressão de ocupação de áreas naturalmente mais suscetíveis a riscos de deslizamentos e enchentes. Do ponto de vista preventivo, essa será a providência de maior e real impacto positivo.

Como está ao pleno alcance das administrações públicas implementar programas habitacionais eficazes e resolutivos, é lícito se concluir que, caso eles não venham a ser implementados, as mortes daí advindas não poderão ser debitadas, como comumente e comodamente o vêm sendo, a fatalidades do destino, a desatinos da Natureza, ou a castigos divinos.

Não há como tergiversar: serão novos e deliberados assassinatos.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
• Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
• Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
• Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
• Articulista do EcoDebate

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 31/01/2022

ELIMINAÇÃO GRADUAL DA PRODUÇÃO DE CARNE PODE REDUZIR O AQUECIMENTO GLOBAL.

 Eliminação gradual da produção de carne pode reduzir o aquecimento global

Um novo estudo sobre os impactos climáticos da criação de animais para alimentação conclui que a eliminação gradual de toda a agricultura animal tem o potencial de alterar substancialmente a trajetória do aquecimento global.

eliminação gradual da agricultura animal ao longo de um período de 15 anos
Comparado aos negócios de sempre, a eliminação gradual da agricultura animal ao longo de um período de 15 anos, ao reduzir as emissões de metano, dióxido de carbono e óxido nitroso e revegetar pastagens, interromperia o aumento dos gases de efeito estufa aquecendo o clima até cerca de 2060. Isso significaria que todos no planeta adotariam uma dieta exclusivamente vegetal (linha pontilhada inferior. (Tabela cortesia de PLOS Climate / University of California, Berkeley)

Por Robert Sanders*

O trabalho é uma colaboração entre Michael Eisen , professor de biologia molecular e celular da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Patrick Brown , professor emérito de bioquímica da Universidade de Stanford e CEO da Impossible Foods Inc., empresa que vende produtos à base de plantas substitutos da carne.

Eisen, consultor da Impossible Foods, e Brown usaram um modelo climático simples para analisar o impacto combinado da eliminação de emissões ligadas à pecuária e da restauração da vegetação nativa nos 30% da superfície terrestre atualmente usada para abrigar e alimentar o gado.

Eles descobriram que a queda resultante nos níveis de metano e óxido nitroso, e a conversão de 800 gigatoneladas (800 bilhões de toneladas) de dióxido de carbono em floresta, pastagens e biomassa do solo, teriam o mesmo impacto benéfico no aquecimento global que a redução anual de CO 2 global emissões em 68%.

“Nosso trabalho mostra que acabar com a pecuária tem o potencial único de reduzir significativamente os níveis atmosféricos dos três principais gases de efeito estufa, o que, porque hesitamos em responder à crise climática, agora é necessário para evitar uma catástrofe climática”, disse Eisen, que também é pesquisador do Howard Hughes Medical Institute (HHMI) na UC Berkeley.

Uma das principais razões para o grande efeito de longo prazo observado por Eisen e Brown é que seus benefícios se acumulam rapidamente. Brown argumenta que isso demonstra que eliminar a pecuária deveria ser uma prioridade tão alta quanto eliminar o uso de combustível fóssil.

“A eliminação da agricultura animal teria um impacto mais rápido e maior nos próximos 20 a 50 anos, a janela crítica para evitar a catástrofe climática e, portanto, deveria estar no topo da lista de possíveis soluções climáticas”, disse Brown.

“Existe”, acrescentou, “uma oportunidade enorme, anteriormente não reconhecida, de mudar drasticamente a trajetória das mudanças climáticas dentro de algumas décadas, com vários benefícios ambientais e de saúde pública adicionais e perturbações econômicas mínimas”.

O estudo [Rapid global phaseout of animal agriculture has the potential to stabilize greenhouse gas levels for 30 years and offset 68 percent of CO2 emissions this century] foi publicado na revista PLOS Climate .


Não é uma tarefa impossível

Eisen e Brown discutem há anos os impactos da criação de animais para alimentação. Ambos os homens são veganos. Eisen parou de comer carne depois de se convencer do terrível impacto que a agricultura animal tem no clima do mundo. Brown fundou a Impossible Foods em 2011 por motivos semelhantes, começou a comercializar o Impossible Burger em 2016 e lançou recentemente nuggets de frango à base de plantas e produtos de carne suína moída.

“Minha consciência do impacto potencial foi uma grande motivação para o lançamento da Impossible Foods”, disse Brown. “Na verdade, venho dizendo há anos que a substituição do gado no sistema alimentar global faria o relógio retroceder nas mudanças climáticas. Mas, embora eu soubesse que essa conclusão era direcionalmente correta, o meio ambiente e a comunidade política a aceitariam apenas se fizéssemos essa modelagem rigorosa que Mike e eu fizemos.”

A maioria das pesquisas sobre o impacto da pecuária se concentrou no impacto hoje das emissões de metano de animais e seu esterco, óxido nitroso de fertilizantes usados para cultivar ração animal e do dióxido de carbono produzido na criação e transporte de animais e carne. Dois relatórios no ano passado, no entanto, abordaram um aspecto diferente da pecuária: o potencial que as pastagens têm para o crescimento da vegetação e o sequestro de carbono da atmosfera.

“Todo mundo sabe que o metano é um problema. Todo mundo sabe que o gado contribui de alguma forma para o aquecimento global”, disse Eisen. “Mas a agropecuária contribui para o aquecimento global de duas maneiras: contribui por meio de emissões e contribui porque, de outra forma, essa terra estaria retendo carbono. A maioria das análises olha apenas para uma dessas coisas.”

Embora a indústria animal hoje seja responsável por cerca de 16% das emissões anuais de gases de efeito estufa, segundo algumas estimativas, cerca de um terço de todo o dióxido de carbono que os humanos adicionaram à atmosfera desde o início da pecuária é resultado da terra desmatada para a criação de animais. pastagem e para cultivar alimentos ou fornecer forragem para animais usados como alimentos.

“O que não foi reconhecido é o potencial muito mais impactante de liberar emissões negativas eliminando essa indústria”, disse Brown.

Os dois cientistas passaram os anos da pandemia pesquisando modelos climáticos e literatura sobre mudanças climáticas para quantificar o impacto direto e indireto da eliminação da agricultura animal em todo o mundo. Enquanto vacas e outros bovinos, como búfalos, representam cerca de 80% do impacto da pecuária, eles também consideraram o impacto de porcos, galinhas e outros animais domésticos usados para alimentação, embora não a pesca mundial.

Embora ambos os pesquisadores eliminassem a agricultura animal hoje, eles escolheram um cenário mais realista: uma eliminação gradual ao longo de 15 anos.

“Uma eliminação gradual de 15 anos não é irreal – muitas coisas acontecem nesse período”, disse Eisen. “Passamos de não ter celulares para celulares onipresentes em menos tempo do que isso. Não estamos dizendo que vamos nos livrar da agropecuária nos próximos 15 anos, embora essa seja a missão da Impossible Foods, mas isso é algo que podemos fazer.”

Suas conclusões são que uma eliminação gradual de 15 anos eliminaria imediatamente cerca de um terço de todas as emissões de metano globalmente e dois terços de todas as emissões de óxido nitroso, permitindo que a atmosfera alcançasse um novo equilíbrio em níveis mais baixos de ambos.

Melhor nutrição sem produtos de origem animal

Enquanto Eisen e Brown reconhecem que os produtos de origem animal são fundamentais para a nutrição na maioria dos países – eles fornecem cerca de 18% das calorias, 40% das proteínas e 45% da gordura na alimentação humana – eles apontam que em todo o mundo, cerca de 400 milhões de pessoas já vivem com dietas inteiramente baseadas em vegetais. As culturas existentes podem substituir as calorias, proteínas e gorduras dos animais com um impacto muito reduzido sobre terra, água, gases de efeito estufa e biodiversidade, exigindo apenas pequenos ajustes para otimizar a nutrição.

Com base em sua experiência com a Impossible Foods, Brown disse, “há evidências convincentes de que a agricultura animal pode ser substituída sem exigir que os amantes da carne comprometam a nutrição ou qualquer um dos prazeres sensoriais que amam”.

Ambos os cientistas esperam que seu estudo estimule os formuladores de políticas a considerar a redução ou eliminação da pecuária – mal mencionada no relatório mais recente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) – como uma opção importante para reduzir os gases de efeito estufa. Eles esperam um debate robusto agora que seus dados e análises estão online por meio da revista de acesso aberto PLOS Climate .

“O que realmente fizemos no jornal foi tentar formalizar o que significaria se livrar da agricultura animal sem torná-la muito complicada”, disse Eisen. “Há muita incerteza, muitas incógnitas, mas acho que provavelmente a maior incerteza é se as pessoas vão olhar para esse potencial e agir como sociedade.”

“Espero que outros, incluindo empresários, cientistas e formuladores de políticas globais, reconheçam que esta é a oportunidade mais importante que a humanidade tem para reverter a trajetória das mudanças climáticas e aproveitá-la”, disse Brown.

O estudo foi realizado sem financiamento externo. Eisen trabalhou no projeto como investigador do HHMI, juntamente com sua pesquisa sobre regulação genética em moscas-das-frutas.

“Acho que este é um tipo de momento Pearl Harbor para a ciência. O clima do planeta está sob uma ameaça maior agora do que jamais esteve na história, e na medida em que os cientistas podem encontrar maneiras de contribuir, acho que é realmente nossa responsabilidade fazê-lo”, disse Eisen.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/02/2022

OS RICOS ESTÃO CADA VEZ MAIS RICOS E OS POBRES CADA VEZ MAIS POBRES.

 Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, artigo de Maria Regina Paiva Duarte

Pandemia de bilionários e miseráveis – Desde o início da pandemia surge um novo bilionário a cada 26 horas, enquanto 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza.

São informações do relatório da Oxfam “A Desigualdade Mata”, divulgado em 16 de janeiro, onde se constata que os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Os 10 homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas na pandemia enquanto a renda de 99% da humanidade caiu, mostra o estudo.

Estimam que as desigualdades são responsáveis pela morte de uma pessoa a cada quatro segundos no mundo. São, pelo menos, 21.300 vidas perdidas diariamente pela fome, falta de acesso à saúde pública, violência de gênero e crise climática.

São dados alarmantes que se confirmam no Brasil: o número de bilionários e suas riquezas aumentou desde a chegada do coronavírus. Vinte ricaços têm mais riqueza (US$ 121 bilhões) do que 60% da população, o que corresponde a 128 milhões de brasileiros.

Reportagem da BBC News Brasil divulgou exemplos desse abismo: o automóvel Porsche, que chega a custar R$ 1,5 milhão, bateu recorde de vendas em 2020 e 2021. A espera para comprar helicópteros chega a 20 meses, sendo que pode custar até R$ 50 milhões. O mercado imobiliário de luxo cresce 81% em lançamentos e o investimento financeiro brasileiro no exterior é recorde. Outro dado da matéria aponta que 2% da população responde por 20% de todo o consumo no país, genericamente falando.

Mas esses artigos de luxo são comprados pelos donos de grandes fortunas que estão na faixa de 0,5% da população, até mesmo nos 0,1% de pessoas que acumulam muita renda e riqueza.

De outro lado, as famílias penam com os preços dos alimentos, energia elétrica, gás de cozinha, gasolina e óleo diesel, que repercutem em todos os demais preços. A inflação está subindo, corroendo salários, e a política de elevação da taxa de juros em nada contribui para a melhora da economia. Ao contrário, afunda o país na crise, empurrando pessoas para a informalidade, para a fome e para a miséria.

Para que essa concentração de renda e riqueza seja freada e haja redistribuição, a tributação dos super-ricos é fundamental, comprovam vários estudos. 

Alterar o perfil regressivo do sistema tributário nacional, incrementar a progressividade e elevar sua incidência nos mais ricos é onde estão as possibilidades para elevar a capacidade redistributiva do Estado brasileiro, mostra o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (FEA/USP) intitulado “Previdência e assistências sociais, auxílios laborais e tributos: características redistributivas do Estado brasileiro no século XXI”, divulgado em 26 de janeiro. Assim, o Estado tem melhores condições para reduzir desigualdade e garantir direitos.

Em fevereiro de 2021, estudo divulgado pelo mesmo Centro de Pesquisa demonstrou que a cada R$ 100,00 transferidos do 1% mais rico para os 30% mais pobres é gerada uma expansão de R$ 106,70 na economia. Também afirmou que uma política de proteção social financiada a partir de tributos sobre o 1% mais rico transfere R$ 125,00 para os 30% mais pobres, elevando multiplicador da economia e gerando um impacto positivo de 2,4% no Produto Interno Bruto (PIB).

Fora as normas tributárias distorcidas historicamente, as políticas econômicas favorecem os mais ricos e não revertem a situação desigual de renda, classe, raça e gênero que já assolava o país há muito tempo e foi agravada na pandemia.

A maioria da população tem renda muito baixa, ganha pouco e é quem, proporcionalmente, mais paga imposto. E a razão para isso é que as classes mais ricas são subtributadas ou pagam zero de impostos, são isentas.

Entramos no terceiro ano de pandemia sem que a crise sanitária e econômica, sem precedentes, tenha terminado. As políticas de auxílio emergencial são importantes, mas insuficientes em meio a um situação pandêmica que ainda não acabou e mostrou que a atuação do Estado é fundamental.

Toda essa desigualdade não é aleatória e tampouco definitiva. Propostas e projetos de lei já existem para cobrar mais de quem ganha mais. Mas exige ação! Está em andamento, com o engajamento de mais de 70 entidades, a campanha “Tributar os Supre-Ricos”, cujas propostas no Congresso Nacional, se aprovadas, podem arrecadar aproximadamente R$ 300 bilhões ao ano.

Parte delas já tramita no Congresso Nacional, desde setembro de 2021. Em parceria com a Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 – Vida e Justiça, com apoio de 60 parlamentares de quatro partidos, as propostas agora podem ser apreciadas e votadas.

As políticas econômicas são fortemente influenciadas pelos que concentram renda, riqueza e, consequentemente, poder. Portanto, dificilmente a situação de desigualdade será revertida sem forte pressão popular, das entidades, associações, sindicatos, movimentos sociais.

A tributação dos super-ricos deve ser prioridade para enfrentar a desigualdade, o principal problema brasileiro. Deve fazer parte de um projeto de país, servindo como instrumento potente e eficaz de redistribuição.

As eleições são uma oportunidade para impulsionar o debate sobre esse tema crucial. Cada um pode se contribuir com essa mudança condicionando seu voto a quem defende a redução da igualdade com justiça fiscal.

O Relatório da Oxfam traz mais um dado alarmante: se um imposto único de 99% sobre os ganhos obtidos pelos 10 maiores bilionários durante a pandemia poderia pagar vacinas suficientes para a população do mundo. E certamente seguiriam sendo bilionários!

Se as vacinas fossem distribuídas a todos os países, não teríamos,muito provavelmente, o efeito da Ômicron e outras variantes e a maioria estaria imunizada e mais vidas seriam salvas. A desigualdade mata, como afirma a Oxfam. Para minorar o genocídio gerado pela desigualdade, é fundamental tributar os super-ricos.

* Maria Regina Paiva Duarte – Presidenta do Instituto Justiça Fiscal e integrante da coordenação da campanha Tributar os Super-Ricos

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/02/2022

A COP26, OS DESASTRES CLIMÁTICOS E OS 50 ANOS DO LIVRO LIMITES DO CRESCIMENTO.

A COP26, os desastres climáticos e os 50 anos do livro Limites do Crescimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“A Terra é redonda e finita, mas há negacionistas que acham que a Terra é plana e
outros que acham que os recursos da Terra são infinitos e que o crescimento
demoeconômico pode continuar sua marcha cega e insensata”
JED Alves, 13/10/2021

Todos os anos ocorre uma reunião da Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC na sigla em inglês). Durante a COP26, ocorrida em Glasgow em novembro de 2021, os delegados foram instigados a chegar a um acordo para deter o aquecimento global, do contrário, as gerações futuras serão forçadas a uma competição violenta por recursos diante de um cenário de colapso ambiental.

O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, mostrou uma foto de seu neto na COP26, alertando que as gerações futuras enfrentarão uma luta desesperada para sobreviver sem um acordo sobre o aquecimento global. Assim, é muito provável que as crianças de hoje e as pessoas que ainda vão nascer terão que conviver com a doença da ansiedade climática e os custos crescentes dos desastres ambientais.

220202 líderes do cop26

Parece que o mundo está começando a enxergar a crise climática. Mas talvez seja um reconhecimento tardio. O que o IPCC e as COPs dizem, hoje em dia, nada mais é do que a repetição de um antigo alerta sobre a possibilidade de eventos catastróficos em termos climáticos e ecológicos. Este alerta havia sido dado de maneira clara e transparente há 50 anos, no livro “Os limites do Crescimento”, liderado por cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), publicado originalmente em 1972.

A principal conclusão do livro está resumida no seguinte parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).

Infelizmente o alerta do livro “Os limites do Crescimento” não foi ouvido e a Pegada Ecológica da humanidade ultrapassou a biocapacidade do Planeta a partir do início da década de 1970, como mostra a figura abaixo. As reservas ecológicas (área verde) foram substituídas pelo déficit ecológico (área vermelha). E o mais grave é que o déficit aumenta a cada ano. Em 2017, a Pegada Ecológica Global estava 73% acima da Biocapacidade. Ou seja, a população mundial está utilizando cerca de 1,73 Planeta e caminha para o uso insustentável de dois Planetas até 2030.

O grande crescimento demoeconômico dos últimos 50 anos fez a Pegada Ecológica atingir 20,9 bilhões de gha em 2017, para uma Biocapacidade de 12,1 bilhões de gha. A população mundial que era de 3,85 bilhões em 1972 passou para 7,6 bilhões em 2017 (dobrando de tamanho em menos de 50 anos). A produção e o consumo de bens e serviços (o PIB mundial) cresceu cerca de 5 vezes entre 1972 e 2017. Por conseguinte, o superávit de 2,6 bilhões de gha de 1961 se converteu em um déficit ambiental de 8,8 bilhões de gha em 2017. Sem dúvida, a humanidade ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e está desrespeitando os limites de uma economia ambientalmente sustentável.

pegada ecológica e biocapacidade total mundo

Os indicadores mais evidentes de que estamos passando dos limites no mundo atual são o aquecimento global e a 6ª extinção em massa das espécies. O vício da civilização pelo crescimento demoeconômico é a causa subjacente de ambos. Um erro comum é associar a ideia iluminista de progresso ao crescimento ilimitado de bens e serviços. Isso pode ser verdade no âmbito do enriquecimento individual, mas não é o caso dos sistemas complexos, que têm limites intrínsecos. Mesmo compreendendo que a sociedade deve agir e corrigir a situação, simplesmente saber não implica necessariamente fazer. Como disse Beto Guedes: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”.

Numa linha parecida com o livro “Os limites do Crescimento”, uma importante contribuição para a análise ambiental atual pode ser encontrada no artigo “Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet”, publicado na revista Science (Steffen, 15/01/2015). O artigo traça um quadro dos limites planetários e define um espaço operacional seguro para a humanidade com base nos processos biofísicos intrínsecos que regulam a estabilidade do Sistema Terra.

Este estudo deixa claro que quatro das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas: Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança no uso da terra; Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que pode ser substancialmente e persistentemente transgredido. O agravamento destas duas fronteiras fundamentais podem levar a civilização ao colapso.

Agora em janeiro de 2022, um novo artigo foi publicado mostrando que a poluição química cruzou mais uma “fronteira planetária”. Há algo como 350.000 produtos químicos sintéticos, incluindo pesticidas, compostos industriais e antibióticos degradando as condições da vida natural. A poluição plástica já é encontrada desde o cume do Monte Everest até os oceanos mais profundos, e alguns produtos químicos tóxicos possuem efeitos duradouros e generalizados. Houve um aumento de cinquenta vezes na produção de produtos químicos desde 1950 e isso deve triplicar novamente até 2050. A quantidade de plásticos no planeta, já supera a massa total de mamíferos.

Contudo, após 50 anos da publicação do livro “Os limites do Crescimento” ainda existem negacionistas que consideram que não há limites ao crescimento demoeconômico da Terra. Mas a emergência sanitária da covid-19 e a crise climática estão contabilizando milhões de vidas perdidas em função da insustentabilidade do modelo atual.

Relatório do Instituto Swiss Re (14/12/2021) mostra que as perdas por catástrofes que foram seguradas globalmente subiram para US $ 112 bilhões em 2021, a quarta maior já registrada, conforme mostra o gráfico abaixo.

perdas globais por desastres naturais

Segundo a seguradora Munich Re, em todo o mundo, os desastres naturais causaram perdas substancialmente maiores em 2021 do que nos dois anos anteriores. Com base em dados provisórios, tempestades, inundações, incêndios florestais e terremotos destruíram ativos no valor de US $ 280 bilhões. As perdas no ano anterior foram de US $ 210 bilhões, enquanto em 2019 foram de US $ 166 bilhões. Cerca de US $ 120 bilhões em perdas estavam segurados, o que também foi mais do que nos dois anos anteriores (2020: US $ 82 bilhões, 2019: US $ 57 bilhões). O gap de seguro, ou seja, a parcela não segurada, diminuiu ligeiramente devido a uma proporção maior de perdas nos EUA, mas ainda era de aproximadamente 57%. Quase 10.000 pessoas perderam a vida em desastres naturais em 2021, um número de mortos comparável ao dos últimos anos.

De acordo com o relatório anual da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), somente os EUA foram atingidos por 20 diferentes desastres climáticos e ambientais de bilhões de dólares em 2021, um dos anos climáticos mais catastróficos já registrados, que levou a pelo menos 688 mortes. Os danos dos 20 desastres mais caros do ano, que incluíram milhares de incêndios florestais nos estados do oeste, temperaturas frias e tempestades de granizo no Texas, tornados no sudeste e tempestades tropicais saturando a costa leste, totalizaram cerca de US$ 145 bilhões.

Para o Fórum Econômico Mundial a crise climática é o maior risco global do século XXI, conforme apontado na 17ª edição do Relatório de Riscos Globais, de 11 de janeiro de 2022: “A crise climática continua sendo a maior ameaça de longo prazo que a humanidade enfrenta. A falta de ação sobre as mudanças climáticas pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) global em um sexto e os compromissos assumidos na COP26 ainda não são suficientes para atingir a meta de 1,5º C. Não é tarde demais para governos e empresas agirem sobre os riscos que enfrentam e conduzirem uma transição inovadora, determinada e inclusiva que proteja economias e pessoas”.

Sem dúvida, o mundo está no limite e caminhando para um desastre ambiental de grandes proporções, que talvez ainda pode ser evitado, mas o tempo está ficando cada vez mais curto para efetivar as soluções necessárias. Artigo de Lijing Cheng e John Abraham et. al., publicado na revista Advances in Atmospheric Sciences (11/01/2022) mostra que a Terra está aquecendo, os humanos são os culpados e o aquecimento continuará indefinidamente até que tomemos medidas coletivas para reduzir os gases de efeito estufa. emissões. Mais de 90% do calor do aquecimento global acaba nos oceanos. Para se ter uma ideia de quanto os oceanos do mundo aqueceram em 2021, os autores calculam que o calor foi equivalente a sete bombas atômicas de Hiroshima detonando a cada segundo, 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Um relatório da consultoria McKinsey & Company, “Report The net-zero transition: What it would cost, what it could bring” mostra que os custos para transformar a matriz energética global e efetivar as emissões líquidas zero em 2050 será muito alto e complicado. Uma economia global líquida zero não precisará apenas de uma redução significativa das emissões do setor de energia. Também precisará de mais do que sugere a frase favorita dos ambientalistas, “mantenha-o no chão”. Net-zero precisará de investimentos na transformação de indústrias intensivas em energia, como siderurgia e cimento, e nos setores de construção, agricultura e silvicultura, entre outros. A transição necessária para que o mundo alcance emissões líquidas zero até 2050 exigiria gastos de US$ 275 trilhões entre 2021 e 2050, ou US$ 9,2 trilhões em gastos médios anuais em ativos físicos.

Como disse Bruno Latour (24/12/2021): “E por ‘terra’ não quero dizer o planeta como ele pode ser visto do espaço, mas sua película muito superficial, a camada rasa da terra em que vivemos, e que foi transformada em um meio habitável por éons de longa duração pelo trabalho da evolução. Essa matriz fina é o que os geoquímicos chamam de “zona crítica”, a única camada da terra onde a vida terrestre pode florescer. É neste espaço finito onde tudo o que cuidamos e tudo o que já encontramos existe. Não há como escapar de nossa existência terrena; como gritam jovens ativistas do clima: ‘Não existe planeta B’.”

Desta forma, não há como negar que a Terra é finita e vivemos em uma fina película da vida. Tudo seria diferente se o alerta do livro “Os limites do Crescimento”, de 1972, tivesse sido considerado no tempo certo e na proporção correta. Os problemas atuais seriam muito menores se a obsessão pelo crescimento tivesse sido remediada 50 anos atrás. Com menos pés e com uma menor pegada ecológica, a vida na Terra seria mais saudável e o futuro poderia ser brilhante para todos os seres vivos.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. A humanidade é responsável pela crise climática e pela 6ª extinção em massa das espécies, Ecodebate, 13/10/2021

https://www.ecodebate.com.br/2021/10/13/a-humanidade-e-responsavel-pela-crise-climatica-e-pela-6a-extincao-em-massa-das-especies/

ALVES, JED. Dos limites do crescimento ao decrescimento da Pegada Ecológica, Ecodebate, 28/06/2017

https://www.ecodebate.com.br/2017/06/28/dos-limites-do-crescimento-ao-decrescimento-da-pegada-ecologica-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O decálogo da sustentabilidade ecocêntrica, Ecodebate, 13/11/2013

http://www.ecodebate.com.br/2013/11/13/o-decalogo-da-sustentabilidade-ecocentrica-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

STEFFEN, W. et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet, V. 347, I. 6223, Science, 13/02/2015 https://science.sciencemag.org/content/347/6223/1259855

Swiss Re Institute. Global insured catastrophe losses rise to USD 112 billion in 2021, 14/12/21

https://www.swissre.com/media/news-releases/nr-20211214-sigma-full-year-2021-preliminary-natcat-loss-estimates.html

DW. Climate change: Cost of weather disasters surged in 2021, 27/12/2021

https://www.dw.com/en/climate-change-cost-of-weather-disasters-surged-in-2021/a-60263393

Bruno Latour. The pandemic is a warning: we must take care of the earth, our only home, The Guardian, 24/12/2021

https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/dec/24/pandemic-earth-lockdowns-climate-crisis-environment

Lijing Cheng, John Abraham et. al. Another Record: Ocean Warming Continues through 2021 despite La Niña Conditions, Advances in Atmospheric Sciences, 11/01/2022

https://link.springer.com/article/10.1007/s00376-022-1461-3

MEADOWS, D. et. al. Limites do Crescimento. Um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade, Editora Perspectiva, 2ª ed., São Paulo, 1978

https://pt.scribd.com/doc/218016244/Limites-Do-Crescimento

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/02/2022