sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
O que significa ultrapassar 1,5°C de aquecimento global?
O ano de 2024 entrou para a história como o mais quente já registrado, marcando um possível ponto de virada na crise climática.
Cientistas alertam que o planeta pode estar entrando em uma nova era, com temperaturas médias globais consistentemente acima do limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. Esse pequeno número carrega implicações enormes para a humanidade e a natureza, desde eventos climáticos extremos até efeitos graduais, como a elevação do nível do mar e a extinção de espécies.
Dois estudos publicados na revista Nature Climate Change buscam entender quando, de fato, poderemos declarar que o limite de 1,5°C foi ultrapassado e o que isso significa para o futuro do planeta.
O limite de 1,5°C: mais que um número, um marco de risco
O Acordo de Paris, firmado em 2015, estabeleceu como meta limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Esse limite não foi escolhido aleatoriamente: ele representa um ponto crítico além do qual os riscos de impactos climáticos catastróficos aumentam significativamente. Ondas de calor, tempestades intensas, inundações e secas prolongadas são apenas alguns dos efeitos já observados em um mundo que aqueceu cerca de 1,3°C até agora.
No entanto, ultrapassar 1,5°C não é uma questão binária. Como explicam os estudos, um único ano acima desse limite não significa que o Acordo de Paris foi violado. A métrica oficial é baseada em uma média móvel de 20 a 30 anos, para suavizar a variabilidade anual.
Até o momento, o planeta está cerca de 1,3°C mais quente, um nível não visto nos últimos 125 mil anos. Mas 2024, o primeiro ano completo acima de 1,5°C, acende um sinal de alerta.
Estudos alertam para uma brecha iminente
Um dos estudos, conduzido por pesquisadores da Alemanha e Áustria, analisou dados observacionais e modelos computacionais para avaliar se um ano acima de 1,5°C pode ser um “aviso prévio” de que o limite de longo prazo está em risco.
Eles descobriram que o primeiro ano a cruzar um determinado limiar de temperatura tende a ocorrer dentro do período de 20 anos em que esse nível de aquecimento é atingido. Isso significa que, sem esforços “rigorosos” para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o limite de 1,5°C pode ser oficialmente ultrapassado na próxima década.
Já o segundo estudo, liderado por Alex Cannon, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Canadá, chegou a uma conclusão semelhante. Sob um cenário intermediário, o cruzamento temporário de 1,5°C em 2024 sugere que o limite de longo prazo pode ser atingido antes de 2029.
No entanto, fatores reais, como políticas climáticas e avanços tecnológicos, ainda podem influenciar esse prazo.
Impactos de um mundo 1,5°C mais quente
Os efeitos de um aquecimento global de 1,5°C já estão sendo sentidos. Em 2024, temperaturas recordes desencadearam desastres naturais devastadores, como tempestades, inundações e incêndios florestais.
A resseguradora Swiss Re estimou que desastres naturais causaram danos de US$ 310 bilhões em 2024. Este ano, só os danos e as perdas econômicas causados pelos incêndios em Los Angeles poderão ultrapassar os 250 mil milhões de dólares, segundo estimativas da empresa meteorológica privada AccuWeather.
Além dos eventos extremos, os impactos graduais são igualmente preocupantes. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em um mundo 1,5°C mais quente, 70% a 90% dos recifes de coral podem desaparecer, e cerca de 14% das espécies terrestres enfrentarão risco de extinção.
Se o aquecimento atingir 2°C, gelo marinho do Ártico, permafrost rico em metano e geleiras podem atingir pontos de não retorno, com consequências irreversíveis para o planeta.
Falta de ação e o caminho à frente
Apesar das evidências científicas e dos alertas frequentes, a maioria dos países não cumpriu o prazo para apresentar planos de redução de emissões alinhados com a meta de 1,5°C. O IPCC estima que há 50% de chance de o limite ser ultrapassado no início da década de 2030.
Contudo, os cientistas enfatizam que ainda há tempo para evitar os piores cenários, desde que ações urgentes e ambiciosas sejam tomadas.
Síntese
O ano de 2024 pode ter sido um prenúncio do que está por vir: um mundo mais quente, instável e repleto de desafios. Ultrapassar 1,5°C não é apenas uma marca simbólica; é um sinal de que a humanidade está entrando em um território desconhecido, com implicações profundas para a vida no planeta.
Os estudos recentes servem como um chamado à ação, lembrando que o futuro climático ainda está em nossas mãos, mas o tempo para agir está se esgotando rapidamente.
Referências:
Emanuele Bevacqua et al, A year above 1.5 °C signals that Earth is most probably within the 20-year period that will reach the Paris Agreement limit, Nature Climate Change (2025). DOI: 10.1038/s41558-025-02246-9
Alex J. Cannon, Twelve months at 1.5 °C signals earlier than expected breach of Paris Agreement threshold, Nature Climate Change (2025). DOI: 10.1038/s41558-025-02247-8
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
O degelo da Groenlândia e a elevação do nível dos oceanos .
O degelo da Groenlândia é um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas.
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A área global de gelo marinho ficou abaixo de 13 milhões de km² em meados de fevereiro de 2025, o menor nível já registrado. O polo Norte nunca teve tão pouco gelo marinho e isto acelera o aquecimento global via efeito Albedo (medida de refletividade de uma superfície). Quanto menos gelo marinho maior é o aquecimento das águas e o aumento da temperatura na região do Ártico.
A Groenlândia, que está na mira imperial do governo Trump, já está sofrendo com o aumento da temperatura do Atlântico Norte e do degelo do Ártico. Além do efeito Albedo, o degelo da Groenlândia é um dos principais fatores que contribuem para a elevação do nível dos oceanos, com implicações profundas para o clima global e as populações costeiras ao redor do mundo.
A Groenlândia abriga a segunda maior camada de gelo do mundo, depois da Antártida. Se toda a sua camada de gelo derretesse, o nível do mar subiria cerca de 7 metros, o que inundaria cidades costeiras em todo o planeta, como as grandes cidade de Recife, Santos e Rio de Janeiro. Embora esse cenário seja extremo e demore séculos ou milênios para ocorrer completamente, o derretimento já em andamento está acelerando a elevação do nível do mar.
Estudos indicam que a Groenlândia perdeu quase 4 trilhões de toneladas de gelo desde 1992, o que já elevou o nível do mar em aproximadamente 1 cm. As projeções sugerem que até 2100, o derretimento da Groenlândia pode adicionar entre 5 cm e 33 cm ao nível global do mar, dependendo das emissões de gases de efeito estufa. Esse valor se soma ao degelo da Antártida e à expansão térmica dos oceanos.
O artigo “Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins”, publicado na revista Nature Geoscience (Chudley et al, 2025), mostra que a camada de gelo da Groenlândia – o segundo maior corpo de gelo do mundo – está rachando mais rapidamente do que nunca como uma resposta ao aquecimento global.
Pesquisadores usaram 8.000 mapas de superfície tridimensionais de imagens de satélite comerciais de alta resolução para avaliar a evolução das rachaduras na superfície da camada de gelo entre 2016 e 2021. Eles descobriram que as fendas em forma de cunha que se abrem nas geleiras aumentaram significativamente em tamanho e profundidade ao longo dos cinco anos e em uma taxa mais rápida do que a detectada anteriormente.
O degelo da Groenlândia é um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas. Mesmo ações rápidas para reduzir emissões podem não evitar uma elevação significativa do nível do mar, tornando fundamental o planejamento para adaptação e mitigação dos impactos costeiros.
Para complicar o cenário, a reeleição de Donald Trump e sua postura em relação à Groenlândia podem influenciar o degelo da região por meio de políticas ambientais e geopolíticas. Em 2019, Trump expressou interesse em comprar a Groenlândia, o que gerou grande controvérsia. Embora a proposta tenha sido rejeitada pela Dinamarca (que controla o território), essa intenção reflete uma visão estratégica dos Estados Unidos sobre a região, especialmente em relação a recursos naturais, militarização e políticas climáticas. Isso poderia impactar a Groenlândia de várias formas.
A Groenlândia é rica em minérios estratégicos, como terras raras, urânio e petróleo.
O interesse dos EUA (e de outras potências) na exploração desses recursos pode levar: a) O aumento da mineração que pode acelerar a degradação ambiental, afetando o ecossistema local e liberando mais carbono armazenado no permafrost; b) A exploração de combustíveis fósseis na Groenlândia pode liberar mais emissões de gases de efeito estufa, intensificando o aquecimento global.
Donald Trump já retirou os EUA do Acordo de Paris durante seu primeiro mandato (2017-2021) e repetiu a medida agora, com impactos negativos na Groenlândia. Políticas de energia baseadas em combustíveis fósseis, que aumentam a temperatura global, contribuem para o degelo.
Um grande desafio é a militarização da Groenlândia. Os EUA já mantêm uma base militar na Groenlândia, a Base Aérea de Thule. Com o aumento da competição com a Rússia e a China pelo controle do Ártico, os EUA podem: a) Expandir a presença militar, possivelmente construindo infraestrutura que degrada o ambiente local; b) Intensificar exercícios militares e uso de combustíveis fósseis na região, aumentando o impacto climático.
O controle da Groenlândia pode impactar significativamente as rotas marítimas do Ártico, que estão se tornando cada vez mais navegáveis devido ao degelo acelerado. Essa mudança tem implicações estratégicas, econômicas e militares, especialmente para países como os Estados Unidos, China e Rússia. A Groenlândia está estrategicamente localizada entre a Passagem do Noroeste e o Atlântico Norte, tornando-se um ponto crucial para controle naval, comércio e segurança marítima.
O controle da Groenlândia afeta as rotas Árticas e é um ponto estratégico para o comércio global. Se os EUA assumissem maior controle sobre a Groenlândia, poderiam influenciar o tráfego marítimo no Ártico de várias formas: a) Monitorando e regulando o acesso de navios chineses e russos às rotas polares; b) Estabelecendo novas bases militares para projetar poder na região; c) Facilitando o comércio para empresas ocidentais ao fornecer infraestrutura de suporte para embarcações; d) Com a redução do gelo no verão, o tempo de viagem entre a Ásia e a Europa pode ser reduzido em até 40%, tornando as rotas polares mais atrativas do que o Canal de Suez ou Canal do Panamá.
Em 2020 escrevi o artigo “O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa”, aqui no Ecodebate (Alves, 14/10/2020) onde tratei da disputa geopolítica em torno das rotas de navegação que se tornavam viáveis em função do degelo do Ártico.
Sem dúvida, o controle da Groenlândia pode transformar a dinâmica do transporte marítimo no Ártico. Os EUA poderiam usá-la como um posto avançado para monitorar a navegação, competir com Rússia e China e influenciar a exploração dos vastos recursos do Ártico. Isso poderia intensificar a corrida por influência na região e aumentar os riscos de disputas geopolíticas em meio ao agravamento do colapso ambiental.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Recorde de degelo nos polos em julho de 2019, Ecodebate, 09/08/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/08/09/recorde-de-degelo-nos-polos-em-julho-de-2019-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, Ecodebate, 22/01/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/01/22/o-degelo-do-artico-e-as-emissoes-do-permafrost-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa, Ecodebate, 14/10/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/10/14/o-degelo-do-artico-e-o-atalho-na-rota-comercial-norte-entre-o-leste-asiatico-e-a-europa/
Chudley, T.R., Howat, I.M., King, M.D. et al. Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins. Nat. Geosci. (2025). https://doi.org/10.1038/s41561-024-01636-6
in EcoDebate, ISSN 2446-9394