sexta-feira, 29 de abril de 2022

DIA DA TERRA : DUAS VIAS PARA PRESERVAR A VIDA NO PLANETA.

Dia da Terra: Duas vias para preservar a vida no Planeta, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O Dia da Terra é um momento para ouvir a natureza e compreender que o ecocídio é, ao mesmo tempo, uma forma de suicídio

“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve”
Victor Hugo (1802-1885)

 

O Dia da Terra, criado em dia 22 de Abril de 1970, completa 52 anos em 2022. A data surgiu em um momento de agravamento da questão ecológica global e a partir da iniciativa do senador norte-americano Gaylord Nelson, com a finalidade de criar uma consciência comum aos problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais para proteger o Planeta.

Mas em vez de ouvir os alertas sobre a degradação ambiental, os governos e os diferentes setores desenvolvimentistas da sociedade preferiram seguir o caminho do crescimento populacional e econômico em nome da grandeza nacional e da maior presença internacional das diferentes culturas, em busca de uma prosperidade material insana e insensata.

O ano de 1970 também marca o momento em que o mundo saiu da situação de superávit ambiental para o quadro de déficit ecológico. A figura abaixo mostra que em 1961 a Biocapacidade do Planeta era de 9,7 bilhões de hectares globais (gha) e a Pegada Ecológica era de 7 bilhões de gha. Desta forma, havia um superávit ambiental de 37%. Porém, no início da década de 1970, a Pegada Ecológica (isto é, o impacto humano sobre o meio ambiente) superou a Biocapacidade (isto é, a capacidade regenerativa do Planeta) e o mundo passou a conviver com um déficit ambiental crescente.

Em 2018, a Pegada Ecológica global chegou a 21,2 bilhões de hectares globais (gha), enquanto a Biocapacidade ficou em 12,1 bilhões de gha, segundo novos dados da Global Footprint Network (atualizado em 2022). Por conseguinte, o superávit de 2,7 bilhões de gha, de 1961, se converteu em um déficit ambiental de 9,1 bilhões de gha em 2018. Isto quer dizer que a civilização humana está produzindo e consumindo além da capacidade regenerativa dos meios naturais. Consequentemente, o déficit ambiental de 75% significa que o tamanho das atividades antrópicas é insustentável. Cada ser humano tem o seu peso no impacto ambiental, mas, evidentemente, são as parcelas mais ricas que mais contribuem para déficit ecológico.

pegada ecológica e biocapacidade total mundo

 

O que a figura mostra é que a humanidade já superou a capacidade de carga da Terra e que o estilo de vida médio da população mundial ultrapassou os limites da resiliência do Planeta. Esta situação é insustentável e se nada for feito o mundo caminha para um colapso sistêmico global, que pode significar o fim da existência da vida humana na Terra. Há duas tarefas para reduzir o déficit ambiental, evitar um aquecimento global catastrófico e a 6ª extinção em massa das espécies: uma via é reduzir a Pegada Ecológica e a outra via é aumentar a Biocapacidade do Planeta.

Reduzir a Pegada Ecológica via decrescimento demoeconômico

Para reduzir a Pegada Ecológica da humanidade é preciso diminuir o nível de produção e consumo da economia internacional. De fato, a população mundial era de 3,7 bilhões de habitantes em 1970 e atingiu 7,9 bilhões em 2022, mais que dobrando no espaço de 50 anos. Mas a economia cresceu muito mais e praticamente quintuplicou em 52 anos, aumentando a dominação humana sobre a natureza e a exploração das riquezas ambientais e elevando de forma assustadora a poluição e o descarte dos resíduos sólidos. As emissões de CO2 que estavam em 14,9 bilhões de toneladas em 1970 passaram para 39 bilhões de toneladas em 2022. A concentração de CO2 na atmosfera que em 1970 estava em 326 partes por milhão (ppm) passou para cerca de 421 ppm em abril de 2022.

Como resultado do crescimento demoeconômico desregrado, a temperatura da Terra subiu e a saúde dos ecossistemas regrediu. Os últimos 8 anos (2014-2021) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. O Planeta não está apenas esquentando, mas esquentando em velocidade sem igual desde o surgimento dos primeiros ancestrais do ser humano há cerca de 3 milhões de anos. A humanidade está caminhando para um território desconhecido e uma temperatura nunca vista.

O aquecimento global não é um problema qualquer. É uma “Espada de Dâmocles” que ameaça a humanidade e todos os mamíferos da Terra. As consequências devastadoras do aquecimento global não são uma calamidade desenhada em um futuro distante. Ao contrário, as mudanças ambientais se transformaram em “emergência climática”, presente no cotidiano das atuais gerações.

O desequilíbrio já assola os quatro cantos do Planeta e causa danos crescentes, embora esteja apenas em seu começo. Seguindo as tendências dos últimos 52 anos, a Terra caminha para um “ponto de inflexão global” (alguns dizem que já ultrapassou o ponto de não retorno) que pode ser o início de um efeito dominó – capaz de gerar uma série de acontecimentos desagradáveis em cascata. A catástrofe ambiental e climática só será evitada se forem adotadas ações concretas para reduzir e zerar as emissões de gases de efeito estufa e recuperar a biocapacidade dos ecossistemas.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) “Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change (IPCC, 04/04/2022) diz no capítulo 1, na página 102: “Nos últimos duzentos anos, a sociedade humana passou por uma transformação rápida e profunda, com a população e a renda per capita se expandindo em uma ordem de magnitude superior a muitos milênios de relativa estagnação nos padrões de vida”. No capítulo 5, na página 983 (ou 5-158) diz: “Há grande confiança de que as mudanças climáticas, o crescimento populacional e as mudanças no consumo per capita aumentarão as pressões sobre os ecossistemas manejados, naturais e seminaturais, exacerbando os riscos existentes para os meios de subsistência, biodiversidade, saúde humana e ecossistêmica, infraestrutura e sistemas alimentares”.

Portanto, população e consumo são os dois lados da mesma moeda e são fatores que se complementam no impacto da crise ambiental e climática. Como explica Herman Daly, em entrevista à revista New Left Review (2018): “O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população”.

Enquanto a humanidade progride, o meio ambiente regride. Mais desenvolvimento econômico tem implicado em menos natureza. Para diminuir o impacto das atividades antrópicas sobre o meio ambiente é preciso planejar o decrescimento demoeconômico ao longo do século XXI. Com menos consumo per capita e com uma população menor, a Pegada Ecológica pode ser diminuída até ficar ao nível da Biocapacidade, eliminando o déficit ambiental.

O antropocentrismo precisa ceder espaço para o mundo ecocêntrico. Ser contra o antropocentrismo não é ser contra o ser humano, mas sim ser contra a humanidade ser a grande força degradadora da natureza. Desta forma, a humanidade precisa se auto limitar para sobreviver e permitir a sobrevivência da biodiversidade. O Planeta precisa ter menos humanos e mais qualidade de vida para todas as espécies, incluindo o Homo sapiens.

Aumentar a Biocapacidade via restauração ecológica

Paralelamente à redução da Pegada Ecológica é possível implementar medidas para aumentar a Biocapacidade. Em vez de transformar toda a riqueza do meio ambiente em “valor de troca”, o certo seria reconhecer que a natureza tem valores intrínsecos e princípios que são inegociáveis, como nos ensina a Ecologia Profunda.

Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability? — We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Ao invés do mito do “desenvolvimento sustentável” seria preciso avançar na ideia do desenvolvimento regenerativo.

Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável porque manteve o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é “co-evolução da mutualidade”. A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos Estados e dos Impérios.

O diagrama abaixo mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.

passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo

 

Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de quase 8 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.

Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.

Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo prazo.

Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018)

A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do mundo.

Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na renovabilidade e na neutralidade do carbono.

Mais árvores e menos gente

Para Herman Daly, as atividades humanas já ultrapassaram os limites econômicos do Planeta e entraram em uma fase de “crescimento deseconômico”. Para estabelecer o equilíbrio é preciso haver decrescimento até o ponto de intercessão entre as curvas de utilidade marginal e desutilidade marginal. Depois de restaurado o equilíbrio, que pode ser alcançada com a restauração de 6 trilhões de árvores e a recuperação da vida selvagem, a adoção de uma economia de estado estacionário permitiria evitar se ultrapassar novamente o limite econômico sustentável. O Estado Estacionário, em um ponto anterior ao crescimento deseconômico, é uma “apólise de seguro” contra o risco de uma catástrofe ecológica.

Como mostra o relatório do IPCC, reduzir as emissões imediatamente é absolutamente necessário, mas não suficiente, pois os gases do efeito estufa, por meio do efeito de retroalimentação, continuarão sendo liberado pelo degelo e outros processos naturais e continuarão se acumulando na atmosfera por longos períodos. Assim, o mundo precisa se tornar “carbono neutro” por volta de 2050 (para estabilizar o aquecimento em 1,5ºC) ou 2070 (para o limite de 2ºC). Isso significa que todo o carbono lançado por atividades humanas na atmosfera precisa ser reabsorvido de alguma forma, seja por vias naturais ou tecnológicas. Para cada molécula de carbono que sobe, uma outra precisa sair da atmosfera.

O plantio de árvores e a recuperação dos solos pode ser uma fonte não de emissão, mas sim de captura de carbono, como mostrei no artigo “Mais árvores e menos gente” (Alves, 02/10/2019). Promover a regeneração ecológica pode reduzir as emissões e evitar a 6ª extinção em massa das espécies. A transição energética e o avanço da energia solar e eólica são fatores de mitigação das mudanças climáticas. São muitas as ações que podem contribuir para o aumento da biocapacidade.

Desta forma, o Dia da Terra 2022 é um momento para ouvir a natureza e compreender que o ecocídio é, ao mesmo tempo, uma forma de suicídio. Para salvar a vida no Planeta (incluindo os próprios seres humanos) é preciso limitar a exploração e a dominação antrópica sobre os ecossistemas e estabelecer um sistema altruísta e harmonioso de convivência entre toda a comunidade biótica.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Sustentabilidade, Aquecimento Global e o Decrescimento Demoeconômico, Revista espinhaço, 2014, 3 (1): 4-16.
https://revistaespinhaco.com/index.php/revista/article/view/45

ALVES, JED. Mais árvores e menos gente, Ecodebate, 02/10/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/10/02/mais-arvores-e-menos-gente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

DALY, Herman. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, Jan-Feb 2018 https://newleftreview.org/II/109/herman-daly-benjamin-kunkel-ecologies-of-scale

Daniel Christian Wahl. Beyond Sustainability? — We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018
http://www.resilience.org/stories/2018-04-18/beyond-sustainability%E2%80%8A-%E2%80%8Awe-are-living-in-the-century-of-regeneration/

IPCC. Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change, IPCC, 04/04/2022
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/

Earth Day: https://www.earthday.org/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2022

MUDANÇA CLIMÁTICA E AGRICULTURA REDUZEM PELA METADE AS POPULAÇÕES DE INSETOS.

Mudança climática e agricultura reduzem pela metade as populações de insetos

As mudanças climáticas e o uso intensivo de terras agrícolas já foram responsáveis por uma redução de 49% no número de insetos nas partes mais impactadas do mundo, segundo um novo estudo de pesquisadores da UCL.

University College London*

O estudo publicado na Nature é o primeiro a identificar que uma interação entre o aumento das temperaturas e as mudanças no uso da terra está causando perdas generalizadas em vários grupos de insetos em todo o mundo.

O autor principal, Dr. Charlie Outhwaite (UCL Center for Biodiversity & Environment Research, UCL Biosciences) disse: “Muitos insetos parecem ser muito vulneráveis às pressões humanas, o que é preocupante à medida que as mudanças climáticas pioram e as áreas agrícolas continuam a se expandir. Nossas descobertas destacam a urgência de ações para preservar os habitats naturais, retardar a expansão da agricultura de alta intensidade e reduzir as emissões para mitigar as mudanças climáticas.

“A perda de populações de insetos pode ser prejudicial não apenas ao ambiente natural, onde os insetos geralmente desempenham papéis importantes nos ecossistemas locais, mas também pode prejudicar a saúde humana e a segurança alimentar, principalmente com a perda de polinizadores.”

“Nossas descobertas podem representar apenas a ponta do iceberg, pois há evidências limitadas em algumas áreas, particularmente nos trópicos, onde encontramos reduções bastante altas na biodiversidade de insetos nas áreas mais impactadas”.

Os pesquisadores analisaram um grande conjunto de dados de abundância de insetos e riqueza de espécies de áreas em todo o mundo, incluindo três quartos de milhão de registros para quase 20.000 espécies de insetos.

A equipe comparou a biodiversidade de insetos em diferentes áreas, dependendo da intensidade da agricultura na área, bem como do aquecimento histórico do clima na área local.

Eles descobriram que em áreas com agricultura de alta intensidade e aquecimento climático substancial, o número de insetos foi 49% menor do que na maioria dos habitats naturais sem aquecimento climático registrado, enquanto o número de espécies diferentes foi 29% menor. As áreas tropicais viram os maiores declínios na biodiversidade de insetos ligados ao uso da terra e às mudanças climáticas.

Os pesquisadores descobriram que em áreas de agricultura de baixa intensidade e aquecimento climático substancial, ter habitat natural próximo amorteceu as perdas: onde 75% da terra era coberta por habitat natural, a abundância de insetos diminuiu apenas 7%, em comparação com uma redução de 63%. em áreas comparáveis com apenas 25% de cobertura de habitat natural. Muitos insetos dependem de plantas para sombra em dias quentes, então a perda de habitats naturais pode deixá-los mais vulneráveis a um clima mais quente.

Os pesquisadores dizem que o declínio de insetos devido à influência humana pode ser ainda maior do que suas descobertas sugerem, já que muitas áreas com longas histórias de impactos humanos já teriam sofrido perdas de biodiversidade antes do início do período de estudo, e o estudo também não levou em conta a efeitos de outros fatores, como a poluição.

O autor sênior Dr Tim Newbold (UCL Center for Biodiversity & Environment Research) disse: “Os danos ambientais da agricultura de alta intensidade apresentam um desafio complicado à medida que tentamos acompanhar as demandas alimentares de uma população crescente. Descobrimos anteriormente que os polinizadores de insetos são particularmente vulneráveis à expansão agrícola, pois parecem ser mais de 70% menos abundantes em terras agrícolas de alta intensidade em comparação com locais selvagens. A gestão cuidadosa de áreas agrícolas, como a preservação de habitats naturais perto de terras agrícolas, pode ajudar a garantir que insetos vitais ainda possam prosperar”.

O primeiro autor conjunto Peter McCann, que conduziu a pesquisa enquanto completava um mestrado no Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Meio Ambiente da UCL, disse: “Precisamos reconhecer a importância dos insetos para o meio ambiente como um todo e para a saúde e o bem-estar humanos, em para lidar com as ameaças que representamos para eles antes que muitas espécies sejam perdidas para sempre.”

Os cientistas do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Meio Ambiente da UCL estão na vanguarda da pesquisa sobre os impactos humanos no planeta, como desenvolver a ciência que sustenta a Lista Vermelha da IUCN que quantifica o risco de extinção e descobrir que as mudanças no uso da terra podem estar aumentando os riscos de surtos de doenças como o Covid-19 que saltam de animais para humanos. O novo People and Nature Lab interdisciplinar do centro está desenvolvendo abordagens inovadoras, como programas de ciência cidadã e empregando inteligência artificial, para enfrentar esses desafios globais urgentes e promover uma relação mais sustentável entre as pessoas e a natureza.

A pesquisa foi apoiada pelo Natural Environment Research Council e pela Royal Society.

Mudanças médias globais em temperaturas absolutas e padronizadas, in 'Agriculture and climate change are reshaping insect biodiversity worldwide'
Mudanças médias globais em temperaturas absolutas e padronizadas, in ‘Agriculture and climate change are reshaping insect biodiversity worldwide’

Referência:

Outhwaite, C.L., McCann, P. & Newbold, T. Agriculture and climate change are reshaping insect biodiversity worldwide. Nature (2022). https://doi.org/10.1038/s41586-022-04644-x

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Henrique Cortez *, tradução e edição.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/04/2022

LIVRO GRATUITO AUXILIA MANEJO DE SOLOS COM O USO DE PLANTAS COBERTAS.

Livro gratuito auxilia manejo de solos com o uso de plantas de cobertura

Obra de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP traz informações sobre 49 plantas como gramíneas, forrageiras, leguminosas e diversos tipo de capins; publicação pode ser acessada gratuitamente pela internet

Jornal da USP

Plantas de cobertura são usadas para cobrir o solo, protegendo-o contra processos erosivos e a remoção de nutrientes, porém não se limitando a isso, já que muitas são usadas para pastoreio, produção de grãos e sementes, silagem, feno e como fornecedoras de palha para o sistema de plantio direto. Elas também têm sido utilizadas como alternativa de diversificação de sistemas de cultivos anuais, semiperenes e perenes nas diferentes regiões do Brasil. Para esclarecer sobre estes tipos de plantas, foi publicado o livro Guia Prático de Plantas de Cobertura: aspectos fitotécnicos e impactos sobre a saúde do solo, disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP neste link.

Na publicação estão reunidas recomendações práticas de 49 plantas de cobertura cultivadas no Brasil: são gramíneas, forrageiras, leguminosas e oleaginosas como canola, centeio, braquiárias, sorgo, tremoço, trigo, crotalária, girassol e diversos capins. Dividido em Plantas de Primavera/Verão e Outono/Inverno, a obra traz características gerais, informações fitotécnicas, indicações e limitações de uso e impacto no manejo da saúde do solo tanto para cultivos solteiros (uma espécie) quanto para consórcio de duas espécies, ou mixes com três ou mais espécies na mesma área.

livro sobre plantas de cobertura
Páginas do livro sobre plantas de cobertura – Foto: Reprodução/Esalq

O livro foi elaborado pelo grupo Soil Health & Management Research Group (Sohma), do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), coordenado pelo professor Maurício Roberto Cherubin. “Esperamos que essa obra seja útil para difundirmos o conhecimento e o uso de plantas de cobertura na agricultura brasileira. A diversificação dos sistemas de produção, com uso de plantas de cobertura, é a chave para uma agricultura mais produtiva, resiliente e sustentável”, destaca o docente.

Assinam a obra em autoria os pós-graduandos Martha Lustosa Carvalho, Beatriz da Silva Vanolli, Bruna Emanuele Schiebelbein, Daniel Aquino de Borba, Felipe Bonini da Luz, Gabriela Marques Cardoso, Larissa de Souza Bortolo, Maria Emília Moreira Marostica e Victória Santos Souza.

O livro está disponível gratuitamente para download neste link. Para ler o livro clique aqui.

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Texto adaptado de Caio Albuquerque, da Divisão de Comunicação da Esalq

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/04/2022

TERRA, MÃE QUE NOS SUSTENTA.

 

artigo de opinião

Terra, mãe que nos sustenta, artigo de Gilvander Moreira

A cosmovisão dos/as camponeses/as decorre da experiência de quem teve a oportunidade de nascer na terra e crescer trabalhando na terra

Terra, mãe que nos sustenta”

Por Gilvander Moreira1

Cleonice Silva Souza, camponesa Sem Terra, hoje, assentada no Assentamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, dia 21/9/2014, transbordando alegria, assim se expressou sobre a terra: “Essa terra aqui estava praticamente morta. Nós ressuscitamos essa terra da Manga do Gustavo, onde acampamos desde 26/8/2006. Antes, era só monocultura do capim. Hoje essa terra está produzindo muito e de acordo com a agroecologia. Já pensou se tantas terras por aí que está sem gente para plantar estivessem nas mãos dos camponeses? Sem a terra a gente não pode sobreviver. Deus deixou a terra para todos nós. Enquanto a gente vai plantando na terra e lidando com ela, a terra fica viva. Se plantar só capim, a terra morre.

A cosmovisão dos/as camponeses/as, expressa acima, decorre da experiência de quem teve a oportunidade de nascer na terra e crescer trabalhando na terra. A forma como os camponeses veem a terra é instrumento de emancipação humana, porque desconstrói a visão do capital que, ao mercantilizar a terra, retira a noção de terra como ‘mãe que nos sustenta’, como ‘criação de Deus para todos’, como ‘algo vivo’ que precisa ser respeitado e cuidado. Essa concepção camponesa afirma a individualização e nega o individualismo, conforme pontua Roberto Damatta, ao discutir individualidade e liminaridade: “Se a individualização é uma experiência universal, destinada a ser culturalmente reconhecida, marcada, enfrentada ou levada em consideração por todas as sociedades humanas, o individualismo é uma sofisticada elaboração ideológica particular ao Ocidente, mas que, não obstante, é projetada em outras sociedades e culturas como um dado universal da experiência humana” (DAMATTA, 2000, p. 9-10).

No mundo tido como moderno, o sistema do capital dissemina o individualismo, que é altamente ideológico no sentido de ofuscar os valores camponeses na sua relação com a terra. A luta pela terra, seja no campo para viver e plantar ou na cidade para morar e plantar, é luta que fortalece o resgate da visão que reconhece o indivíduo, mas em relação respeitosa com a sociedade, não recaindo no individualismo. Na sociedade capitalista há processos que buscam desistoricizar e mitizar relações sociais de mudança, mas como os poetas, os profetas, as profetizas e quem anda na contramão, os camponeses e as camponesas na luta pela terra “em um processo dialético com a sociedade, movimentam suas estruturas, partejando visões de mundo paralelas e conflitantes, desafiadoras dos valores, e nela introduzem uma consciência diferenciada da moralidade e do tempo, essas dimensões que são o pano de fundo da consciência de mudança social” (DAMATTA, 2000, p. 17).

Em uma Roda de Conversa, dia 21/9/2014, durante minha pesquisa de doutorado, perguntamos: “O que aconteceu que fez vocês darem uma guinada na orientação da vida e abraçar a luta pela terra?” Aldemir Silva Pinto, acampado no Acampamento Dom Luciano Mendes, um experiente Sem Terra saiu na frente e disse: “Pelo que sei, após o INCRA2 fazer o laudo da fazenda Monte Cristo, aqui no município de Salto da Divisa, MG, o MST veio fazer as reuniões de base e o INCRA cadastrou muitas famílias. Ficamos alegres com a chegada do MST propondo a união nossa para ocupar fazenda improdutiva. Eu sabia que não haveria grande repressão, pois a maioria das terras aqui em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, é sem documentos. Eu pensava: após a gente conquistar a primeira fazenda, o povo vai passar a acreditar e vai entrar para a luta”. Entrevemos aqui a noção de liminaridade ou de ‘soleira’, trabalhada por Roberto Damatta.

Na luta pela terra e pela moradia acontece um rito de passagem. Passa-se de sem-terra, o camponês expropriado e oprimido, para Sem Terra, o camponês portador de uma nova identidade, um rebelde em relação às convenções sociais impostas pelo sistema do latifúndio e do capital. Passa-se de um sem-teto para um Sem Teto, com moradia, sujeito com condições objetivas de trilhar um caminho de emancipação humana.

Na luta pela terra, a/o camponesa/o sem-terra resignada/o pode tornar-se pessoa altiva, alguém de cabeça erguida, sujeito a construir a história pelas mãos. Hélio Amorim, outro Sem Terra hoje assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, descreve o seu rito de passagem rumo a algum tipo de emancipação na narrativa: “Aqui em Salto da Divisa o que existia era coronelismo. A gente não podia nem conversar sobre nosso sofrimento. O entusiasmo do povo que estava se organizando fez criar a coragem. O ex-prefeito José Eduardo aqui de Salto da Divisa, MG, pediu ao INCRA para vir fazer vistoria na fazenda da Fundação Tinô da Cunha. O incentivo desse ex-prefeito ajudou. Jogamos fora o medo. Minha mãe tem 92 anos, mora no Salto da Divisa e sabe que essa terra onde estamos não é deles, é terra devoluta, terra grilada. Quando for medir os 19 mil hectares de terra, herança da dona Inhá Pimenta, sobre essa terra aqui, que agora ocupamos se verá que grande parte é terra grilada”.

São os pequenos gravetos secos que fazem o fogo pegar e cozinhar o feijão na panela”, dizem muitos camponeses. Assim, um incentivo de um lado, um apoio de outro, um conhecimento aqui, outro lá, etc., acabam despertando entusiasmo, que expulsa o medo e a resignação e atrai processualmente a coragem, condição imprescindível para se engajar na luta pela terra e consequentemente em um movimento emancipatório. Pode até começar com um objetivo pequeno: apenas conquistar um pedacinho de terra, mas como os gravetos fazem crescer o fogo, a luta pela terra faz crescer os objetivos e o horizonte do campesinato. Logo após as primeiras conquistas, os Sem Terra descobrem que ‘podemos mais’ e ‘temos direito a mais’.

Na Roda de Conversa, Antoniel Assis de Oliveira, militante do MST, mestre em Educação do Campo, ponderou: “O povo teve coragem, mas desde o início não foi tranquilo. Houve ameaças de morte durante muitos anos. Irmã Geraldinha teve que andar com escolta. A Cidona do MST e o Aldemir também foram ameaçados. A resistência é muito importante para estarmos onde estamos”. Enfim, por tudo isto, para os camponeses e as camponesas “a terra é mãe que nos sustenta”.

Referências.

DAMATTA, Roberto. Individualidade e liminaridade: considerações sobre os ritos de passagem e a modernidade. In: Revista MANA 6(1): 7-29, 2000.

19/4/2022.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Ocupação Irmã Dorothy, Salto da Divisa/MG: 150 famílias, Páscoa e 1 ano de luta: Mais de 100 casas

https://www.youtube.com/watch?v=pagqJLykF0c

2 – Povo segue construindo suas casas na Ocupação Irmã Dorothy, do MMT, de Salto da Divisa, MG. Vídeo 2

https://www.youtube.com/watch?v=sg3ltfxNJ8w

3 – Luta pela terra incomoda o capital e o Estado – Por frei Gilvander – 18/11/2021

https://www.youtube.com/watch?v=GWmnD8HhF_k

4 – Luta pela terra e pela moradia, com justiça agrária e urbana (Frei Gilvander no Dom Debate) – 21/7/21

https://www.youtube.com/watch?v=xbheNIHS7UQ

5 – Dandara, 7 anos de luta emancipatória por moradia, em Belo Horizonte, MG. 09/04/2016

https://www.youtube.com/watch?v=E41ZfFWtVpo

6 – Dandara, ocupação-comunidade, em Belo Horizonte, MG: 7 anos de emancipação da cruz do aluguel

https://www.youtube.com/watch?v=8J59p887KKg

7 – Domingo de Ramos em Santa Luzia/MG: MLB, a luta pela terra e pela moradia continua. Frei Gilvander

https://www.youtube.com/watch?v=pbtydlD6F2I

8 – Semeando Espiritualidades 52: Espiritualidade e luta pela terra. Por Frei Gilvander – 06/12/21

https://www.youtube.com/watch?v=N7_CFxz6JgU

1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

2 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, do Governo Federal.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/04/2022