A grande frequência e a magnitude da variabilidade climática com o aumento da temperatura global e sua consequente alteração do regime de chuvas estão modificando a geografia dos cultivos e da produção de alimentos nos trópicos, conforme foi alertado durante a cúpula climática na capital peruana.
A reportagem é de Fabíola Ortiz, publicada por Terramérica e reproduzida pelo portal Envolverde, 15-12-2014.
Essa foi a grande preocupação em que coincidiram especialistas em segurança alimentar presentes na 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), realizada em Lima entre 1º e 12 deste mês. Eles temem notáveis altas dos preços dos alimentos se os países tropicais não adotarem rapidamente técnicas para se adaptarem.
O Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares (IFPRI) estima que a mudança climática vai gerar altas de preços dos alimentos de até 30%.
O campo é o primeiro setor diretamente afetado pela alteração do clima, alertou Andy Jarvis, pesquisador do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) e especialista em agricultura de baixo carbono do Programa de Pesquisa de Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar.
“Clima e agricultura seguem de mãos dadas e é o clima que define se um cultivo vai bem ou não. A geografia de onde estão os cultivos se moverá e os impactos poderão ser extremamente negativos se nada for feito”, alertou Jarvis ao Terramérica durante o Global Landscapes Fortum, o maior evento paralelo à COP 20 realizado em Lima.
Cultivos como os de café, cacau e feijão nos trópicos são especialmente vulneráveis a temperaturas drásticas e a escassez de chuvas e podem sofrer enormes perdas devido a um calendário climático em vias de transformação.
Um exemplo: no Vale Sagrado dos Incas no Peru, uma região que abriga a maior diversidade de batatas, as altas temperaturas e a incidência de pragas estão forçando os indígenas a cultivá-las em altitudes muito elevadas. Os produtores de batata poderiam enfrentar uma redução de chuvas de 15% a 30% até 2030, segundo o site Climate Wire.
Outro exemplo: em países centro-americanos – como Costa Rica, Guatemala e Honduras – há uma emergência por causa da ferrugem do café, que dizima seus cultivos. A praga já causou US$ 1 bilhão em perdas na América Central nos dois últimos anos e agora ameaça infectar 53% das plantações de café na área, segundo a Organização Internacional do Café.
A América Latina produz 13% do cacau mundial e será feito um esforço internacional para conservar a diversidade do cacau nas Américas. Os produtores buscam características para proteger a produção de doenças devastadoras, como a “vassoura de bruxa”, que pode se agravar pelas condições climáticas extremas. O cacau também pode servir de estratégia para os produtores de café, como forma de alternar o cultivo quando as temperaturas não forem favoráveis para produzir café, segundo o Consórcio de Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola.
“Na COP se manejou manter o aquecimento global dentro de um teto de dois graus como a meta mais otimista”, recordou Jarvis ao Terramérica. Mas “isso praticamente implica um deslocamento total da zona cafeeira. Dois graus será muito quente. As dinâmicas dos preços indicam que aumentará muito. Na medida em que cai a produção e a oferta diminui, o preço sobe. Será um grande impacto sobre a pobreza”, alertou o especialista.
Somente na Nicarágua, onde o setor cafeeiro tem peso econômico importante, o aumento de dois graus levara à perda de 80% da atual área dos cultivos de café, detalhou Jarvis. Até 2050, as áreas de café nicaraguenses se moverão cerca de 300 metros para áreas mais altas, além de pressionarem sobre os recursos naturais e as florestas e colocarem em perigo os atores da cadeia de fornecimento de café, segundo estudo do Ciat.
Na medida em que o clima esquenta, os cultivos que até agora têm seu teto de altitude de 1.600 metros deverão ir para cotas mais altas, o que afetaria a subsistência de meio milhão de pequenos produtores e trabalhadores agrícolas, segundo a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
O subdiretor-geral para a área florestal da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura(FAO), Eduardo Rojas, assegurou na COP 20 que a mudança climática já coloca em risco a segurança alimentar, os recursos e os meios de vida das pessoas mais vulneráveis.
“Uma agricultura resiliente é mais ambiental porque não utiliza fertilizantes nitrogenados. Mas, por mais que façamos, há limites sistêmicos. Podemos chegar ao limite do que pode ser a adaptação da agricultura”, opinou Rojas aoTerramérica. Ele também insistiu no enfoque integral de paisagens no contexto da mudança climática para enfrentar o desafio de garantir uma nutrição adequada para os 805 milhões de pessoas que sofrem desnutrição crônica. Porém, a produção agrícola terá que aumentar em 60% para atender a demanda.
O diretor-executivo do norte-americano Earth Innovation Institute, Daniel Nepstad, lembrou que a maior quantidade de terra disponível para a produção de alimentos está nos trópicos. “O crescimento de demanda por comida, em especial, nas economias emergentes será mais rápido do que o aumento da produção. Os países no mundo que têm mais potencial estão na América Latina”, ressaltou. Para ele, as inovações para mitigar o impacto do clima na alimentação estão ocorrendo fora da CMNUCC.
Para o diretor-geral do Centro para Pesquisa Florestal Internacional, Peter Holmgren, o agroflorestamento é um enfoque para conciliar a agricultura, a conservação de florestas e produzir alimentos sem gerar essas emissões. “O grande motivo para o desmatamento na região é a expansão da fronteira agrícola. Hoje em dia já há muitas pesquisas que buscam variedades de cultivos e sementes mais resilientes. Há também possibilidade para desenvolver uma agricultura mais inteligente”, pontuou ao Terramérica. Mas ele lamenta que o tema dos impactos da variabilidade climática na agricultura tenha se mantido fora das negociações das COP 20.
Além de técnicas agroflorestais, os serviços de informação agroclimáticos com previsões de quatro a seis meses são formas para contribuir com a adaptação para um novo calendário climático. Jarvis argumentou que a diversificação de cultivos e o aumento de apoio com políticas de fomento ao campo são necessários. Atualmente, não mais do que 20% dos produtores da região têm acesso a terras extensas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário