quarta-feira, 4 de outubro de 2017

CHINA E ÍNDIA : A RETOMADA HISTÓRICA DAS ECONOMIAS

A retomada histórica das economias da China e da Índia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


participação da China e Índia (Chíndia) e EUA +EU no PIB mundial
[EcoDebate] A China e a Índia são não só os dois países mais populosos do mundo, mas também são a pátria de duas grandes civilizações, com uma rica e milenar história econômica e cultural. O gráfico acima mostra que, em 2022, a soma dos PIBs da China e da Índia (Chíndia) ultrapassará a soma dos PIBs dos Estados Unidos da América (EUA) e da União Europeia (EU), segundo dados do FMI (WEO, abril de 2017), em poder de paridade de compra (ppp). Este processo vai consolidar o processo de Orientalização do mundo, que é a vota do eixo dinâmico da economia mundial para a Ásia, depois do interregno da Ocidentalização que ocorreu nos últimos dois séculos.
O gráfico abaixo mostra a participação das oito principais economias do mundo, com o PIB medido em poder de paridade de compra (PPP), do ano 1 ao ano de 2008, com base em cálculos de Angus Maddison. Nota-se que, durante, pelo menos, dois milênios, a China e a Índia representavam cerca de 50% do PIB mundial até 1820. Após o início da Revolução Industrial e do domínio energético e militar, os países ocidentais tomaram a frente no processo de desenvolvimento econômico e passaram a ter um peso crescente no PIB mundial.
Entre 1700 e 1820 a economia da Índia encolheu significativamente, em especial depois que a Inglaterra ampliou seu domínio sobre o subcontinente indiano. O fortalecimento da Companhia Britânica das Índias Orientais foi se consolidando gradativamente e, em meados do século XVII, a companhia havia estabelecido entrepostos comerciais nas cidades de Bombaim, Calcutá e Madras, até se tornar um “país dentro de outro país”. Em 1773, o parlamento britânico instituiu o cargo de governador-geral da Índia. O domínio inglês significou o declínio da civilização indiana.
A partir do domínio sobre a Índia, a Inglaterra iniciou a “Guerra do Ópio” contra a China a partir de 1839. Entre 1820 e 1870, no auge da Primeira Revolução Industrial, o tamanho relativo das economias da China e da Índia caíram para menos de 30% do PIB mundial, enquanto crescia a presença Ocidental (Europa e EUA).
participação de países selecionados no PIB mundial
Em 1900, os 5 países ocidentais considerados (EUA, Alemanha, França, Inglaterra e Itália) passaram a representar 40% do PIB mundial. O Japão ainda tinha uma pequena participação global no início do século XX, perdendo espaço para a Itália. Durante a primeira metade do século XX, a China e a Índia, além de sofrerem as consequências das duas grandes guerras mundiais, passaram por várias crises internas até a Independência da Índia, em 1947, e a Revolução Comunista na China, em 1949. Também as três primeiras décadas, após estes eventos históricos, não foram fáceis para os dois gigantes asiáticos. Em 1970, a China e a Índia representavam menos de 10% do PIB mundial. Por outro lado, os cinco países ocidentais, mais o Japão, passaram a representar quase 50% da economia internacional.
Mas a partir do final da década de 1970, a correlação de forças começou a mudar e, principalmente a China, mas depois a Índia, passaram a apresentar taxas de crescimento muito maiores do que o resto do mundo e especialmente em relação aos países do G-7. O gráfico abaixo mostra que entre 1970 e 2011 a China e a Índia iniciaram um processo de recuperação histórico e já representavam mais de 20% do PIB mundial, no início do século XXI. O primeiro gráfico mostra que em 2022, a Chíndia vai representar cerca de 30% do PIB mundial, mesma proporção de 1870. Em 2050, os dois países mais populosos do mundo podem chegar a 40% do PIB mundial, recuperando o espaço perdido nos séculos XIX e XX.
Produto Doméstico Bruto em poder de paridade de compra, das sete maiores esconomias do mundo
Como disse Martin Wolf, EM artigo no jornal Financial Times, “In the grip of a great convergence” (4/01/2011): “In the past few centuries, what was once the European and then American periphery became the core of the world economy. Now, the economies that became the periphery are re-emerging as the core”.
Em 2011, escrevi um artigo no site Aparte do IE/UFRJ, perguntando: “Por tudo isto, será que a ocidentalização da economia mundial pode ser pensada como um fenômeno restrito aos séculos XIX e XX? A China e a Índia vão voltar a ser as duas grandes economias da comunidade internacional? O mundo está em um processo de desocidentalização? O Oriente do Norte vai ser a nova base de uma Orientalização do globo? O Consenso de Beijing vai vencer o Consenso de Washington? Será que a chamada excepcionalidade americana é um fenômeno que vai ficar restrito ao século XX?”
De lá para cá, o processo de Orientalização do mundo só se consolidou, especialmente depois que a China lançou o projeto “One Belt, one Road” (OBOR) que visa a interligação da Eurásia, por terra e por mar. Os países do Leste estão consolidando uma aliança estratégica entre China, Índia e Rússia (RIC, ou triângulo estratégico) que vai abarcar partes da Europa e da África.
Com o isolacionismo e o bairrismo implantados por Donald Trump nos Estados Unidos e o caos provocado pelo Partido Conservador no Reino Unido, que gerou o Brexit, as duas potências de língua inglesa que dominaram o mundo nos séculos XIX (século inglês) e XX (século americano) devem contribuir para a perda da hegemonia ocidental, nessa fase de perda de brilho e do lusco-fusco do ocaso.
Uma nova governança internacional pode estar se formando com a liderança do protagonismo da China e seus aliados Índia e Rússia e seus parceiros Paquistão, Irã e Turquia. O ponto que enfraquece o processo de Orientalização é o conflito fronteiriço entre China e Índia e os constantes conflitos entre Índia e Paquistão. China e Índia são os dois principais países dos BRICS e não tem nada a ganhar com conflitos territoriais e disputas bairristas.
Se a iniciativa OBOR da China contar com o apoio da Índia (respeitando os interesses indianos), o eixo da economia mundial vai mudar ainda mais rápido. A Europa tende a voltar ao papel de periferia da Eurásia e os Estados Unidos, embora continuando a ser um grande país, provavelmente, deixarão de ser a potência hegemônica e perderão o título de xerife do mundo.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/10/2017

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