Está aberta a temporada do “eu vou fazer”, que é a propaganda política na TV.
[EcoDebate] O povo gosta de promessas contundentes, por isso se fala assim. As pessoas estão cansadas do “empurration” dos órgãos públicos empurrando as responsabilidades uns para os outros, querem que alguém diga “eu vou resolver”.
Esse personalismo no entanto pode atrapalhar boas ideias, problemas que precisariam ser enfrentados por todos os governantes. Quando alguém se intitula “dono” de uma ideia, coloca os outros em situação de desconfiar do projeto do rival. Seria perfeito que os candidatos dessem suas melhores ideias, que ficassem à disposição de quem vencer, não seria?
Seja quem vencer, no país ou no estado, terá de enfrentar a criminalidade, gerar empregos e gerenciar programas sociais. Seria mais correto, na verdade, os candidatos dizerem que “nós devemos fazer isso”, pois precisam seguir normas legais, construir apoios legislativos e da própria população, para seus projetos realmente funcionarem.
Governos não substituem as funções da Polícia Federal ou do Ministério Público, mas podem ajudar ou atrapalhar o funcionamento dessas instituições. Muito do que os governantes fazem depende sempre do “nós”, do conjunto da sociedade. O maio honesto dos candidatos deveria propor à sociedade: “vamos fazer tal coisa? Se a sociedade apoiar, nós vamos conseguir”.
É uma questão cultural, não só de decisões de governo ou de leis. O Brasil tem um conjunto de leis bastante evoluídas, não é por falta de boas leis que as coisas não funcionam como gostaríamos. Por causa disso, muita gente se revolta e quer passar por cima das leis, ao estilo dos justiceiros de cinema. A ansiedade por líderes que resolvam “tudo já” pode criar ilusões, não seria a primeira vez na história do país – o Jânio Quadros, por exemplo, se elegeu nos anos 60 com o lema da “vassourinha” que ia varrer toda corrupção – e acabou varrendo a si mesmo.
O papel das estatais merece o debate da sociedade, desde a política de preços da Petrobras até o uso do BNDES. Alguém poderia sugerir que o BNDES tivesse linha de créditos para endividados de pequena monta, para os recolocar no mercado do consumo, o que poderia ser uma estratégia interessante de reaquecer a economia. Mas esse tipo de ideia só prospera de verdade se não tiver “donos”, se alguém não se apropriar dizendo que “só eu vou socorrer os endividados”. Esse é um exemplo prático de como o “eu vou fazer” pode atrapalhar, ao invés de ajudar. Seria possível não ser assim? O dia em que a população quiser, as práticas serão diferentes.
Os políticos só gritam na base do “eu vou fazer” porque é o que queremos deles, hoje.
Montserrat Martins, Colunista do EcoDebate, é Psiquiatra, autor de “Em busca da alma do Brasil”
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2018
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