Desastre costeiro e o aprendizado forçado, artigo de Bernardo Egas
O derramamento de petróleo que atingiu as praias do Nordeste e agora do Sudeste é, certamente, o maior desastre ambiental na costa brasileira. Um crime que afetou 409 localidades em 10 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), contaminando e ameaçando nossos ecossistemas costeiros, em dimensões ainda desconhecidas. Já são mais de dois meses de um desastre contínuo, com consequências de longo prazo para a biodiversidade marítima, com prejuízos de bilhões de reais.
Em um primeiro momento, chegaram às nossas praias grandes manchas de óleo, que não puderam ser contidas nem por ecobarreiras, uma vez que submergiam e passavam por elas. Ao atingir a areia, a remoção foi realizada por meio mecânico e manual, graças a milhares de voluntários, muitas vezes sem equipamentos de proteção individual, tais como máscaras, botas e luvas, numa demonstração impressionante de coragem e mobilização social, mesmo com riscos à saúde. Devemos todas as reverências aos que participaram dos inúmeros mutirões, que foram fundamentais para que a maior parte do volume do material venenoso pudesse ser retirado antes que provocasse danos ainda maiores e permanentes. Agora, com o passar do tempo e com a dissipação do material no mar, chegam às praias incontáveis pequenos fragmentos, cuja remoção e limpeza se torna ainda mais difícil.
Recentemente, participei de uma reunião do Fórum de Secretários de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras (CB27), realizada em Recife, e o desastre costeiro foi o principal tema dos debates. As capitais afetadas, no Nordeste, contaram as experiências e as ações que estão implementando para combater a crise. São inúmeros exemplos de entrega pessoal absoluta em um momento tão complicado, como a gestora que, às voltas com a burocracia dos trâmites legais para compras de materiais, estourou o cartão de crédito pessoal para comprar tudo que fosse necessário para os mutirões que estava coordenando, sem nenhuma perspectiva de devolução dos valores.
Antes de voltar, precisei ir a campo para ver, pessoalmente, na praia de Itapoama, no município de Cabo de Santo Agostinho, o impacto dos milhares de pequenos fragmentos de óleo espalhados por todos os lados. Testemunhei as rochas cobertas de óleo, assim como toda faixa de areia, especialmente na região em que as ondas atingem o ponto máximo de avanço sobre o solo, para então retornar escorrendo lágrimas escuras de poluição. Pude verificar também como é difícil a remoção dos milhares de partículas, não apenas pela quantidade, mas, também, pela pequena dimensão que exige muito mais atenção na localização.
Esses pequenos fragmentos atingiram o Espírito Santo, no Pontal do Ipiranga, em Linhares, ameaçando uma base do Projeto Tamar, colocando em risco cerca de 200 ninhos de desovas de tartarugas-cabeçudas. É possível que os fragmentos, em razão das correntes oceânicas, ainda atinjam regiões mais ao sul, no estado do Rio de Janeiro. Por precaução, na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente se articula com o Instituo Estadual do Ambiente (Inea) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para o monitoramento das manchas e pronta e organizada reação ao desastre potencial.
O grave infortúnio, lamentavelmente, não pôde ser evitado, mas podemos e precisamos aprender com ele, tendo em vista que milhares de navios petroleiros navegam ao longo de nossa costa todos os anos e que a indústria do petróleo tem em nossas águas os pontos de extração mais intensos.
Em novembro de 2002, o naufrágio do navio petroleiro Prestige, de bandeira grega, derramou mais de 3 mil toneladas de petróleo, ao longo de 300km da costa da Galícia, Espanha. Foi um alerta ao mundo todo, mas não nos preparamos. Precisamos de planos de resposta rápida a emergências ambientais de larga escala e de capacidade de reação, organizada e eficaz, para que os danos sejam mitigados ao máximo, no menor tempo possível. Esse crime contra o planeta nos trouxe um desastre ambiental em escala inimaginável e, com ele, novas questões e desafios.
A principal e dolorosa lição para os gestores públicos de meio ambiente é que, se existem riscos de desastres ambientais, por menos prováveis que sejam, eles devem ser considerados e, em qualquer hipótese, temos de nos preparar.
Bernardo Egas é Secretário Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Correio Braziliense.
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