Olimpíadas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Os países com melhor desempenho olímpico são aqueles com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e não, necessariamente, aqueles mais populosos
“Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes”
William Shakespeare (1564-1616)
Existe uma ideologia pronatalista e nacionalista que considera o tamanho da população uma variável fundamental para a grandeza das nações. Há um conjunto de formadores de opinião que defendem o crescimento populacional desregrado e egoísta, como observou o escritor português João Abegão (2019):
“A população mundial passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para quase 8 bilhões em 2020 por conta do mito da necessidade do crescimento e da ideologia pronatalista, vindas dos nacionalistas e patriotas que querem mais força e influência internacional; do Estado que quer mais impostos e mais contribuintes; dos militares que desejam bucha de canhão para as suas guerras; dos capitalistas que desejavam o aumento da força de trabalho e o crescimento do mercado consumidor; dos políticos que querem mais votos do eleitorado; dos sindicatos que querem ampliar suas bases; das igrejas que querem mais dízimos dos seus fiéis; e dos pais que querem o cuidado e a riqueza vinda dos filhos”.
Um exemplo de ideologia pronatalista inconsequente e autoritária ocorreu no mês passado em um debate da Fox News nos EUA. Como mostrou a analista Arwa Mahdawi, no jornal The Guardian (31/07/2021), profissionais da emissora questionaram a “esquerda sem filhos”: especialmente a vice-presidente Kamala Harris, o secretário de transportes Pete Buttigieg, o senador Cory Booker e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez. Os jornalistas da Fox dizem que, por não se reproduzirem (não ter filhos biológicos), os tornava maus líderes. Foi lançada a bandeira: “Sem filhos, sem voto”. Ou seja, só poderiam votar as pessoas que tivessem filhos biológicos. Uma loucura!
Mas uma outra posição pronatalista muito comum é achar que o tamanho da população é fundamental para o sucesso nos esportes. Para avaliar o peso da população no sucesso Olímpico, a tabela abaixo mostra as medalhas conquistadas pelos 10 países mais populosos do mundo nas Olimpíadas de Tóquio. A China o país mais populoso do mundo ficou em segundo lugar em medalhas de ouro e os EUA – o terceiro mais populoso – ficou em primeiro lugar no ranking.
Mas em compensação, a Índia (que deve assumir o posto de nação mais populosa em breve), a Indonésia (quarto país mais populoso) e o Paquistão (quinto país mais populoso) tiveram um desempenho pífio, perdendo no quadro de medalhas para a Jamaica, país com menos de 3 milhões de habitantes, que obteve 4 medalhas de ouro e 9 medalhas no total.
A Austrália – com 25 milhões de habitantes e com 17 medalhas de ouro e 46 medalhas no total – teve mais medalhas do que os 7 países com 2,6 bilhões de habitantes. Outro exemplo, a Nova Zelândia – com 5 milhões de habitantes e 7 medalhas de ouro – obteve mais medalhas de ouro do que os 6 dos 10 países mais populosos (Índia, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Bangladesh e México).
O gráfico abaixo mostra os 25 países mais bem posicionados no ranking de medalhas das Olimpíadas de Tóquio e a relação entre população e as medalhas de ouro. A Nova Zelândia conquistou 1 medalha de ouro para cada 714 mil habitantes e a Jamaica para cada 750 mil habitantes. A Noruega obteve 1 medalha de ouro para cada 1,4 milhão de habitantes, Austrália para cada 1,5 milhão e Cuba para cada 1,6 milhão. Os EUA – líder da competição – teve 1 medalha de ouro para cada 8,5 milhões de habitantes. Já no outro extremo, o Brasil obteve 1 medalha de ouro para cada 30,3 milhões de habitantes e a China conquistou 1 medalha de ouro para cada 37,1 milhões de habitantes.
Desta forma, percebe-se que o tamanho populacional não é documento. Uma população grande pode ser um ativo ou um passivo, em termos esportivos. Em geral, os países com melhor desempenho olímpico são aqueles com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e não, necessariamente, aqueles mais populosos. Em síntese, utilizar o tamanho da população para alardear a grandeza do desempenho esportivo pode até funcionar para a China, mas não é generalizável para os demais países.
Em vez de celebrar a quantidade de habitantes é melhor comemorar a qualidade de vida de uma população com alto nível de saúde, educação, renda e equidade social.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
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https://pt.scribd.com/document/493115086/MITOS-E-REALIDADE-DA-DINAMICA-POPULACIONAL
ALVES, J. E. D. População, Bem-Estar e Tecnologia: debate histórico e perspectivas. Multiciência (UNICAMP). v.6, p.1 – 22, 2006.
https://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/a_02_6.pdf
ALVES, JED. O antineomalthusianismo populacionista e o pronatalismo coercitivo, Ecodebate, 03/06/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/06/03/o-antineomalthusianismo-populacionista-e-o-pronatalismo-coercitivo-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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http://www.ecodebate.com.br/2013/06/05/planejando-o-decrescimento-demo-economico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O déficit ambiental dos Estados Unidos e o superávit ambiental do Canadá, Ecodebate, 09/08/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/08/09/o-deficit-ambiental-dos-estados-unidos-e-o-superavit-ambiental-do-canada-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. “Planeta vazio” ou pronatalismo antropocêntrico e ecocida? Ecodebate, 15/03/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/03/15/planeta-vazio-ou-pronatalismo-antropocentrico-e-ecocida-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Demografia Ponzi e o pavor ao decrescimento populacional, Ecodebate, 10/03/21
https://www.ecodebate.com.br/2021/03/10/demografia-ponzi-e-o-pavor-ao-decrescimento-populacional/
Arwa Mahdawi. No children, no vote: Fox News’s latest asinine suggestion, The Guardian, 31/07/2021
https://www.theguardian.com/commentisfree/2021/jul/31/fox-news-jd-vance-childless-left-week-in-patriarchy
JOÃO ABEGÃO. Human Overpopulation Atlas, 2009
https://www.overpopulationatlas.com/
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21
https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/08/2021
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