O mundo precisa de paz e redução dos gastos militares, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Em vez de priorizar a área social e ambiental, o mundo desperdiçou quase US$ 2 trilhões em gastos militares no ano de 2020
“Imagine que não há países
Não é difícil imaginar
Nenhum motivo para matar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz”
John Lennon
O mundo teve uma grande recessão em 2020, as pessoas ficaram mais pobres e a pandemia da covid-19 provocou um aumento da morbimortalidade global. Ao mesmo tempo os indicadores da crise climática e ambiental se agravaram. O ano de 2020 também registrou as temperaturas mais altas desde o início dos registros em 1880 e a concentração de CO2 bateu todos os recordes do Holoceno (últimos 12 mil anos).
Mas em vez de aprofundar o estabelecido no Acordo de Paris (2015) e na COP26 (2021), o mundo assiste a uma guerra insana num momento totalmente inoportuno. Em vez de investir na descarbonização da economia, os grandes países estão fazendo investimentos em gastos improdutivos e em despesas militares voltadas para a destruição de vida. Uma coisa é certa, quem investe em armas e em despesas militares pensa em guerra. Neste sentido, a invasão russa da Ucrânia é um ato ilegal, equivocado, inoportuno e já está provocando a perda de vidas inocentes, agravando as condições de vida da população mundial e tendo um grande prejuízo para o meio ambiente com a destruição de ecossistemas e o aumento dos gases de efeito estufa.
Em vez de priorizar a área social e ambiental, o mundo desperdiçou quase US$ 2 trilhões em gastos militares no ano de 2020. O gráfico abaixo mostra que os gastos militares no mundo, no ano passado, chegaram à impressionante cifra de US$ 1.981.000.000.000,00 (um trilhão e novecentos e oitenta e um bilhão de dólares). Os quatro maiores gastadores em 2020, que juntos responderam por quase 60% dos gastos militares globais, foram os Estados Unidos (com US$ 777 bilhões), China (com US$ 245 bilhões), Índia (com US$ 73 bilhões) e Rússia (com US$ 67 bilhões). O Brasil gastou US$ 25 bilhões e a Ucrânia o montante de US$ 6 bilhões.
Se este dinheiro todo estivesse indo para a mudança da matriz energética o mundo poderia evitar os efeitos mais catastróficos do aquecimento global. Um relatório da consultoria McKinsey & Company, “Report The net-zero transition: What it would cost, what it could bring” mostra que os custos para transformar a matriz energética global e efetivar as emissões líquidas zero em 2050 será muito alto e complicado. Uma economia global líquida zero não precisará apenas de uma redução significativa das emissões do setor de energia. Também precisará de mais do que sugere a frase favorita dos ambientalistas, “mantenha-o no chão”. Já a indústria de hidrocarbonetos tenta vender a ideia que as tecnologias de captura de carbono podem compensar a continuidade da queima de combustíveis fósseis.
A meta “Net-zero” precisará de investimentos na transformação de indústrias intensivas em energia, como siderurgia e cimento, e nos setores de construção, agricultura e silvicultura, entre outros. A transição necessária para que o mundo alcance emissões líquidas zero até 2050 exigiria gastos de US$ 275 trilhões entre 2021 e 2050, ou US$ 9,2 trilhões em gastos médios anuais em ativos físicos. Para tanto é preciso de paz e muito esforço na transição energética para superar a Era dos combustíveis fósseis.
Com a guerra, infelizmente, tem crescido a preocupação com o aumento da oferta de petróleo, esquecendo que isto vai agravar o aquecimento global e prejudicar toda a vida na Terra pelo restante do século. A Ucrânia é a grande vítima do momento e o governo brasileiro aproveita para tentar “invadir” as terras indígenas para garantir os insumos para a produção de fertilizantes, visando manter o agronegócio e a produção insustentável de uma agricultura que desmata e é agressora da natureza. A reação geral do mundo Ocidental e Oriental é aumentar os gastos militares e garantir a produção e o consumo de combustíveis fósseis. No Brasil, cresce o número de pessoas que defendem aumentar os subsídios para a gasolina e o diesel.
A invasão da Ucrânia vai provocar perdas não somente no país invadido. Todo mundo vai sofrer. O preço dos alimentos já atingiu o maior valor em 100 anos e deve aumentar mais ainda no mês de março, como mostrei no artigo “Índice de Preço dos Alimentos bate recorde histórico em fevereiro de 2022”, publicado aqui no Ecodebate (07/03/2022). A percentagem de pessoas passando fome e sofrendo com a insegurança alimentar aumenta aceleradamente no mundo. A elevação do preço dos alimentos vai gerar fome de um lado e mais degradação ambiental de outro, pois o sistema de produção de alimentos é ecologicamente insustentável.
A guerra agravará todos os problemas mundiais, que já eram muitos e preocupantes. A Rússia também vai sofrer com os erros de Vladimir Putin. É claro que existem mil motivos para criticar os EUA e a OTAN que tem aumentado os gastos militares. Também existem outros mil motivos para criticar a indiferença em relação aos inúmeros conflitos que existem no 3º mundo. Mas nada disto deve servir como motivo para justificar o início de uma guerra em vez de apostar na diplomacia e na paz. Um erro não justifica o outro. Portanto, defender as ações militares equivocadas de Putin é o mesmo que assumir o discurso da “escravidão voluntária”.
O movimento pacifista reivindica o fim de todos os conflitos e defende o redirecionamento dos gastos militares para as áreas social e ambiental. O mundo precisa acabar com todas as guerras militares e iniciar uma “guerra” contra a degradação ambiental e em defesa da natureza. Defender a paz é a prioridade número 1 e a condição essencial para construir um mundo melhor, mais justo e ecologicamente sustentável.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. O Índice de Preço dos Alimentos bate recorde histórico em fevereiro de 2022, Ecodebate, 07/03/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/03/07/indice-de-preco-dos-alimentos-bate-recorde-historico-em-fevereiro-de-2022/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/03/2022
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