Com a estratégia de “dupla circulação” (fortalecer o mercado interno e as conexões globais), a China tende a se consolidar como um dos maiores atores do comércio global
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O crescimento da economia chinesa, desde as reformas iniciadas por Deng Xiaoping no final da década de 1970, não tem precedentes históricos. Nunca um país cresceu tanto em tão pouco tempo. Fazendo parte de uma estratégia global de desenvolvimento, o comércio exterior da China, desde 2001, tem sido um dos fenômenos econômicos mais impressionantes das últimas décadas.
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em dezembro de 2001, foi um marco que impulsionou sua integração na economia global e catalisou mudanças profundas no comércio internacional.
A adesão à OMC deu à China acesso mais amplo aos mercados globais, permitindo a redução de tarifas e outras barreiras comerciais para seus produtos. A China comprometeu-se a cumprir regras comerciais globais, o que aumentou a confiança de investidores e parceiros comerciais.
O país transformou-se rapidamente em uma base de manufatura global, oferecendo mão de obra abundante e de baixo custo, além de uma infraestrutura logística em rápido desenvolvimento. Isso atraiu grandes volumes de investimentos estrangeiros diretos (IED), com muitas empresas multinacionais estabelecendo fábricas na China para exportação.
A política macroeconômica de elevadas taxas de poupança, equilíbrio fiscal, baixa carga tributária, controle da inflação, política de pleno emprego e câmbio competitivo criou vantagens estruturais para o rápido crescimento econômico.
O governo chinês adotou políticas pró-exportação, incluindo incentivos fiscais, subsídios e zonas econômicas especiais. O planejamento estratégico enfatizou o desenvolvimento de setores competitivos no mercado global, como eletrônicos, têxteis e produtos químicos.
A China tornou-se a “fábrica do mundo”, reconfigurando as cadeias globais de produção e suprimento. Componentes de todo o mundo passaram a ser montados na China para exportação. A concorrência com produtos chineses afetou muitos setores industriais em países desenvolvidos e em desenvolvimento, forçando a realocação de indústrias e a revisão de políticas comerciais.
A expansão do comércio exterior da China contribuiu para sua ascensão como potência econômica e geopolítica.
A China manteve altas taxas de poupança e investimento e manteve uma política de superávits crescentes na balança comercial. A renda per capita e o consumo interno cresceram aceleradamente, mas a China manteve a política de fortalecer a produção sobre o consumo, criando uma situação de “excesso de capacidade produtiva interna”.
Muitos economistas internacionais recomendam políticas de transferência de renda para aumentar o consumo das parcelas pobres da população e um sistema de proteção social mais amplo. Mas a China busca reciclar o seu superávit comercial via investimentos em infraestrutura no restante do mundo. Assim, a iniciativa Belt and Road (Nova Rota da Seda) tem o objetivo de ser um canal de exportação do elevado nível de poupança interna e também de ampliação de sua influência comercial e diplomática. A China está fazendo a transição clássica de um país exportador de mercadorias para um país exportador de “capital”.
Com a estratégia de “dupla circulação” (fortalecer o mercado interno e as conexões globais), a China tende a se consolidar como um dos maiores atores do comércio global nas próximas décadas.
O crescimento comercial da China desde 2001 não é apenas um exemplo de sucesso econômico, mas também uma transformação estrutural que alterou profundamente as dinâmicas do comércio e das economias globais. A grande novidade é que a China está se transformando em exportadora de capitais, sem abandonar a estratégia de exportação de mercadorias e serviços.
Mas a desaceleração da econômica global e as tensões comerciais, como a guerra comercial EUA-China, podem afetar a estabilidade. Neste contexto, a China busca reduzir sua dependência de manufatura básica, priorizando inovação em setores como inteligência artificial, semicondutores, energia renovável, baterias e carros elétricos. A complexidade produtiva aumentou, mas a China mantém uma espécie de política mercantilista no comércio global.
Para efeito de comparação, o Brasil exportava mais do que a China há 40 anos. Em 1984, as exportação brasileiras foram de US$ 27 bilhões (1,4% das exportações globais) e as exportações chinesas de US$ 26 bilhões (1,3% das exportações globais). Em 2024, as exportações chinesas foram mais de 10 vezes superiores às exportações brasileiras. O Brasil manteve aproximadamente os mesmos 1,4% do comércio internacional, enquanto a China deu um salto para mais de 14% das exportações globais. A renda per capita do Brasil era 17 vezes maior do que a da China em 1980 e já está em 20% menor em 2024, segundo o FMI.
O gráfico abaixo mostra os dados do comércio exterior chinês no século XXI. Em 2001, as exportações chinesas eram de US$ 266 bilhões, as importações de US$ 244 bilhões e o saldo comercial era de US$ 22 bilhões. Em 2007 as exportações ultrapassaram US$ 1 trilhão e em 2012 ultrapassaram US$ 2 trilhões, com um saldo comercial de US$ 230 bilhões. Os números preliminares de 2024 indicam exportações de cerca de US$ 3,6 trilhões e importações em torno de US$ 2,6 trilhões, o que implica em incrível superávit comercial de quase US$ 1 trilhão.
As exportações chinesas para os Estados Unidos da América (EUA), evidentemente, tiveram um papel importante na expansão das exportações e para o aumento do superávit comercial do gigante asiático. Em 1994, a China tinha um superávit comercial com os EUA de apenas US$ 30 bilhões. Em 2001 passou para US$ 83 bilhões. O déficit comercial dos EUA com a China aumentou muito nos anos seguintes e bateu o recorde de US$ 418 bilhões em 2017, durante o primeiro mandato do presidente Donald Trump. Nos 4 anos, no governo Joe Biden, o déficit comercial se manteve alto, mas com tendência de diminuição, com US$ 270 bilhões em 2024.
Portanto, o saldo comercial global da China tem aumentado nos últimos anos, embora o saldo bilateral com os EUA tenha diminuído. As exportações da China para os Estados Unidos representavam quase 40% das exportações totais chinesas em 2001 e agora em 2024 representam menos de 15%. Isto quer dizer que a China está menos dependente do comércio com os EUA. Desta forma, a China está investindo em uma cadeia de produção internacional e pode ser menos afetada pelas medidas protecionistas de Donald Trump do que em tempos passados.
Enquanto o presidente eleito Donald Trump mantém suas visões negacionistas do clima, a China navega soberana nas tecnologias e exportações de produtos e serviços da transição energética. As exportações chinesas, de carros a painéis solares criaram milhões de empregos, não apenas para os trabalhadores das fábricas, cujos salários ajustados pela inflação quase dobraram na última década, mas também para engenheiros, designers e cientistas de pesquisa de alto rendimento.
Ao mesmo tempo, as importações chinesas de produtos industriais desaceleraram acentuadamente. O país tem perseguido a autoconfiança nacional nas últimas duas décadas, principalmente através de sua política “Made in China 2025”, para a qual prometeu US$ 300 bilhões para promover a manufatura avançada. Portanto, a China está ficando mais auto suficiente, ao mesmo tempo que diversifica as bases do seu comércio internacional e amplia o controle sobre as cadeias produtivas.
Embora a população da China já esteja caindo desde 2022, o crescimento do PIB, impulsionado pelas exportações, foi de 5% em 2024. A transição demográfica e a transição energética estão orientando a estratégia de desenvolvimento do país com grande crescimento da renda per capita e redução da pobreza.
A China tem investido na construção de uma rede mundial de energia buscando garantir uma soberania energética. Tem investido também em uma rede de infraestrutura de transporte, como rodovias, ferrovias, aeroportos e, principalmente, portos e transporte marítimo, dependendo menos da produção de mercadorias simples e aumentando o grau de complexidade econômica do país.
Neste quadro, o mundo aguarda o que vai acontecer após a posse de Donald Trump nesta segunda-feira, 20 de janeiro de 2025. Os EUA são a maior economia do mundo (em dólares correntes) e a segunda maior economia, atrás da China (em poder de paridade de compra). Os estudiosos das relações econômicas internacionais têm alertado para o fato de que nenhum país ganha com uma guerra comercial global com base na elevação de tarifas protecionistas.
Evidentemente, o mundo não suporta superávits chineses anuais na casa de 1 trilhão de dólares. Este desequilíbrio precisa ser, no mínimo, amenizado. O ideal seria que houvesse acordos comerciais para criar um comércio internacional mais equilibrado.
Mas um governo disruptivo nos EUA pode agravar as tensões entre os interesses nacionais das grandes potências, afetando a dinâmica econômica de todos os países da comunidade internacional.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A China está vencendo a guerra comercial. Ecodebate, 05/02/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/02/05/a-china-esta-vencendo-a-guerra-comercial/
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves, IHU, 21/07/2018
https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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