Por que UE e Rússia querem tanto a Ucrânia?
Com fortes laços com a Rússia, Ucrânia é seduzida pelo bloco europeu - e oscila entre os dois. Saiba quais são as origens da disputa e o que está em jogo nessa queda de braço
manifestantes apoiam a entrada na UE
Uma república de mais de 44 milhões de pessoas, com uma economia fragilizada, mas com enorme potencial e um território de mais de 600 000 quilômetros quadrados (área maior que a da França, o maior país da União Europeia) está sendo alvo de uma queda de braço entre UE e Rússia. Enquanto os europeus têm interesse em expandir suas fronteiras para o leste e isolar a Rússia, Moscou quer aumentar sua zona de influência e aproximar-se da UE para confrontá-la. E no meio do caminho tinha uma Ucrânia.
Muito novo – a Ucrânia independente tem apenas 23 anos – o país é para a UE a porta de entrada do Oriente, e para a Rússia, a porta de saída para o Ocidente. Enquanto a UE tenta abrir a porta, para a Rússia o importante é fechá-la. Por sua posição estratégica, tamanho e potencial, o país é alvo de cobiça dos europeus, mas ainda vive sob a sombra da Rússia – que tem ligações umbilicais com Kiev.
Questões históricas, culturais e econômicas ligam a Ucrânia ao país de Vladimir Putin, mas a população que tem protestado nas ruas vê motivos mais fortes para se inclinar para o outro lado. Os manifestantes apreciam os benefícios oferecidos pelo Ocidente, principalmente os jovens, estudantes e profissionais da classe média, como explica o professor Evert Vedung, especialista em União Europeia e professor emérito de ciência política da Universidade de Uppsala, na Suécia. “Eles parecem preferir a democracia ocidental ao autoritarismo russo porque o tratado com a Rússia não contém quaisquer requisitos democráticos nem defende um sistema jurídico com menos corrupção e mais direitos humanos”. No papel, tudo parecia estar muito bem encaminhado. Na prática, como diria Garrincha, ‘faltou combinar com os Russos’.
O ‘Não’ – Em 28 de novembro, a União Europeia foi esnobada pela Ucrânia. Em Vilnius, na Lituânia, onde foi realizada uma cúpula com seis ex-repúblicas soviéticas – Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielo-Rússia, Armênia e Azerbaijão – os resultados foram muito aquém do esperado pelos europeus. A UE só conseguiu firmar dois acordos de associação com a Geórgia e a Moldávia, pequenos países com economias minúsculas e população somada inferior a 6 milhões habitantes. Os demais ex-satélites da extinta URSS não quiseram se aproximar da Europa. Dos quatro que se abstiveram, o mais importante é a Ucrânia.
Ucrânia
A rejeição ao acordo desencadeou protestos contra o governo ucraniano mas, depois de alguns enfrentamentos mais ríspidos entre o povo e a polícia, a situação ficou mais calma, segundo o embaixador brasileiro em Kiev, Antonio Fernando Cruz de Mello. “Os dois lados estão dispostos a dialogar e isso é bom”. Mello também avalia que por ser uma república que ainda engatinha, essa crise pode vir a fortalecer as instituições democráticas do país. “Por ser um país da ex-URSS, os tempos aqui são mais dilatados e as coisas não acontecem na velocidade do Ocidente. A Revolução Laranja durou meses. O povo não dá sinais de arrefecimento e as negociações internas podem ser lentas, mas podem vir a fortalecer a democracia na Ucrânia”. O professor Angelo Segrillo, especialista em leste europeu e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, concorda e avalia que, neste momento, derrubar o governo seria um erro. “O presidente Yanukovych tem legitimidade, foi eleito em um processo democrático. Se quiserem derrubá-lo tem de ser nas urnas”, defende.
Saiba mais sobre o que está em jogo na disputa envolvendo a Ucrânia:
Os interesses de UE e Rússia no duelo pela Ucrânia
Os interesses da União Europeia
A UE negociou durante anos uma aproximação com seis ex-repúblicas soviéticas – Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielo-Rússia, Armênia e Azerbaijão – mas teve suas expectativas frustradas com a não adesão dos principais países ao acordo que é chamado de Parceria Oriental. Mesmo assim, não abandonou a ideia de atrair o sexteto, para distancia-lo da Rússia. Além disso, a parceria poderia ser cozinhada em banho-maria para postergar ao máximo a integração total dos países ao bloco europeu, como aponta Rainer Schweickert, especialista em leste europeu do Instituto de Economia de Kiel, na Alemanha.
Concebido em 2008, o acordo propõe vantagens econômicas e comerciais para os países do leste, que abririam seu mercado consumidor para os produtos e serviços da UE. Os europeus, por sua vez, também teriam acesso a setores estratégicos da economia ucraniana, como tecnologia bélica e aeroespacial de ponta, extração de minério de ferro e produção de aço (o principal produto de exportação de Kiev). Em contrapartida, o bloco oferece apoio técnico para a consolidação de "valores comuns como a democracia, o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos, assim como os princípios da economia de mercado, o desenvolvimento sustentável e a boa governança”, como diz o texto fundador da Parceria Oriental.
“Para a UE, o acordo é uma maneira de criar um ambiente mais seguro no Oriente sem ter que admitir alguns desses Estados como membros efetivos. Os países do Oriente ganhariam garantias de Estado de Direito, respeito aos direitos humanos e democracia. Nada mal para alguns deles, que vivem ‘quase ditaduras’ sob o imperialismo russo e com crescimento econômico limitado”, explica Vedung.
Fonte : Revista veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário