A pirâmide global da riqueza e o aumento da desigualdade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em outubro 22, 2014 por
[EcoDebate] A riqueza antrópica continua crescendo de forma concentrada. O relatório sobre a riqueza global, em 2014, do banco Credit Suisse (The Credit Suisse Global Wealth Report 2014) atualiza um quadro bastante amplo e esclarecedor da má distribuição da riqueza (patrimônio) das pessoas adultas do mundo. A riqueza global foi estimada em USD$ 223 trilhões em 2012 (meados do ano), passando para USD$ 263 trilhões em 2014. O número de pessoas adultas no mundo era de 4,59 bilhões em 2012 e de 4,7 bilhões em 2014. A riqueza per capita por adulto foi de USD$ 49.000,00 (quarenta e nove mil dólares) em 2012, passando para USD$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil dólares) em 2014.
Na base da pirâmide da desigualdade, em 2014 estão 3,28 bilhões de pessoas com a riqueza abaixo de 10 mil dólares (são 69,8% em 2014 contra 69,3% em 2012). O montante da “riqueza” deste enorme contingente foi de USD$ 7,6 trilhões, o que representava somente 2,9% da riqueza global de USD$ 263 trilhões em 2014 (eram 3,3% em 2012). Ou seja, pouco mais de dois terços (2/3) dos adultos do mundo possuíam somente 2,9% do patrimônio global da riqueza em 2014. A riqueza per capita deste grupo foi de USD$ 2.316 (dois mil e trezentos e dezesseis dólares).
No grupo de riqueza entre USD$ 10.000,00 e USD$ 100.000,00 havia 1,010 bilhão de adultos em 2014, o que representava 21,5% do total de pessoas na maioridade no mundo. O montante de toda a riqueza deste contingente intermediário foi de USD$ 31,1 trilhões, o que representava 11,8% da riqueza global. A riqueza per capita deste grupo foi de USD$ 30,7 mil.
No grupo de riqueza entre USD$ 100.000,00 (cem mil dólares) e USD$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) havia 373 milhões de adultos em 2014, o que representava 7,9% do total de pessoas na maioridade no mundo. O montante de toda a riqueza deste contingente intermediário foi de USD$ 108,6 trilhões, o que representava 41,3% da riqueza global. A riqueza per capita deste grupo foi de USD$ 291 mil.
O grau de concentração da riqueza fica claro quando somamos os dois grupos superiores da pirâmide, aqueles com riqueza acima de 100 mil dólares, pois havia um total de 408 milhões de adutos (8,7%), com patrimônio total de USD$ 224,5 trilhões, representando 84,7% da riqueza global em 2014 (mais do que os 82,4% de 2012). Na parte de baixo da pirâmide, com 4,3 bilhões de pessoas, representando 92,3% das pessoas, detinham somente 15,3% da riqueza mundial em 2014.
Neste início do século XXI, a riqueza global passou de USD$ 117 trilhões em 2000 para USD$ 263 trilhões em 2014. Como houve crescimento da população, o patrimônio líquido mundial por adulto aumentou em 77% entre 2000 e 2014. A riqueza mais do que dobrou em todas as regiões exceto o Japão (que já era rico). A riqueza pessoal na Índia e na China aumentou por um fator de 3,1 e 4,6, respectivamente.
O crescimento econômico ocorreu de forma desigual e com aumento da concentração da riqueza. Em 2014, a metade mais pobre da população mundial partilhava menos de 1% da riqueza global, enquanto os 10% mais ricos (decil do topo da pirâmide) apropriavam de 87% da riqueza e o 1% mais rico (percentil do topo) concentrava 48,2% dos ativos globais.
No ápice da pirâmide 2014, que abarca os 35 milhões de adultos milionários (riqueza acima de USD$ 1.000.000,00), há 30,8 milhões de adultos com riqueza entre USD$ 1 a 5 milhões, 2,5 milhões de adultos com riqueza entre USD$ 5 e 10 milhões; 1,4 milhão de adultos com riqueza de USD$ 10 a 50 milhões e 128.200 adultos com riqueza acima de 50 milhões de dólares.
Assim, no topo do ápice da pirâmide global existiam, em 2014, 128.200 Indivíduos ultrarricos (definidos como aquelas cuja riqueza excede USD$ 50 milhões). Destes, 45.200 adultos possuem pelo menos USD$ 100 milhões e 4.300 têm ativos acima de USD$ 500 milhões. A América do Norte domina o ranking com 65.500 indivíduos (51%) e a Europa tinha 31.400 indivíduos (24,5%). Entre a China ocupa o segundo lugar com 7.600 ultrarricos, Reino Unido (4.700), Alemanha (5.500), França (4100), Taiwan (2000), Taiwan (2.000) e o Brasil com 1.900.
A tendência de maior concentração de riqueza também pode ser vista quando se analisa a participação dos 10% mais ricos (decil do topo da pirâmide) na apropriação do patrimônio global. Houve aumento da desigualdade na maioria dos países.
Na China, por exemplo, os 10% mais ricos da população detinham menos de 50% da riqueza em 2000 e passaram a concentrar 64% da riqueza em 2014. No Brasil, os 10% mais ricos detinham 69,4% da riqueza em 2000 e passaram para 73,3% em 2014. Nota-se, portanto, que a riqueza está mais concentrada entre os brasileiros do que entre os chineses e, em ambos os países, a desigualdade tem aumentado no século XXI.
A riqueza média das famílias do Brasil triplicou entre 2000 e 2014, passando de USD$ 7.900 por adulto para USD 23.415. No entanto, o crescimento abrandou nos últimos anos, sendo que a riqueza por adulto caiu 14% desde 2011 (o que tem a ver com a desvalorização do Real). Mesmo assim, o Brasil tem 1.900 adultos com patrimônio de mais de US$ 50 milhões, sendo que 200 novos “ultrarricos” foram acrescentados somente no último ano.
O Brasil, assim como outros países da América Latina, tem mais pessoas na faixa de riqueza entre USD$ 10 mil a USD$ 100 mil em relação ao resto do mundo. Mas a desigualdade não é menor que a média. Na verdade, há alta concentração da riqueza, pois o país tem um índice de Gini da riqueza de 82%, tendo 225.000 milionários e 296.000 adultos no 1% mais rico dos detentores os ativos globais em 2014. O Brasil está classificado pelo relatório do banco Credit Suisse no grupo da “desigualdade muito alta” (topo do decil concentrando com mais de 70% da riqueza). Para 2019, o relatório prevê um aumento de 47% no número de milionários brasileiros que deve atingir o montante de 332 mil adultos com riqueza acima de um milhão de dólares.
O processo de aumento da desigualdade de riqueza no Brasil apontado pelo relatório do banco Credit Suisse, aparentemente, contradiz os estudos que mostram uma redução da pobreza e da desigualdade no Brasil. Acontece que os estudos realizados com base nos dados da PNAD, do IBGE, levam em consideração apenas a renda pessoal e não a riqueza ou o patrimônio das pessoas.
Estudo realizado por Medeiros et. al. (2014), utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e a renda declarada pelas pessoas ao Imposto de Renda, encontrou um índice de Gini de 0,696 em 2006, seguido por 0,698 em 2009 e 0,690 em 2012. A pequena variação indica estabilidade na desigualdade brasileira. Porém, mesmo incluindo dados do Imposto de Renda, o estudo ainda não capta totalmente a renda do muitos ricos, especialmente o rendimento das Pessoas Jurídicas e todo o processo de sonegação.
Em geral, podemos dizer que houve, ao longo dos dois últimos séculos, uma redução da pobreza absoluta e um aumento do bem-estar humano, paralelamente ao processo de crescimento econômico com concentração da riqueza. Por exemplo, o relatório da OCDE (02/10/2014), “Como era a vida?” trata do progresso humano no longo prazo e do processo de desigualdade de renda, mostrando que, com exceção da África Subsaariana, os países em geral se tornam mais iguais uns aos outros em termos de bem-estar e mais desiguais em termos de PIB per capita, em especial nas últimas décadas. Em 1820, menos de 20% da população do mundo era alfabetizada. As taxas de alfabetização aumentou dramaticamente depois de 1945, atingindo cerca de 80% até 2000. A expectativa de vida em todo o mundo subiu de menos de 30 anos em 1880 para quase 70 em 2010 Devido aos avanços na área da saúde, a expectativa de vida melhorou mesmo quando o PIB per capita estagnou. Houve forte progresso na redução da desigualdade de gênero ao longo dos últimos 60 anos em muitos países.
O estudo revela que os salários dos operários, quando ajustados pela inflação, aumentaram cerca de oito vezes em todo o mundo desde 1820, enquanto o PIB per capita aumentou 10 vezes no mesmo período. A desigualdade de renda caiu entre o final do século 19 até por volta de 1970, quando começou a subir acentuadamente. Na Europa Oriental, a desigualdade subiu acentuadamente na década de 1990, após o colapso dos regimes comunistas. A China também tem experimentado aumentos recentes. Depois de 1980, a globalização contribuiu para o aumento da desigualdade de renda dentro dos países, enquanto levou a um declínio na desigualdade de renda entre as nações, segundo o relatório da OCDE.
Ou seja, o Brasil não apresenta tendências diferentes do resto do mundo. Cresce o bem-estar humano concomitantemente ao crescimento da desigualdade de riqueza (sem falar na pauperização ecológica). Os estudos recentes sobre patrimônio mostram que a concentração da riqueza continua a aumentar no país, mesmo o Brasil já estando no bloco dos países mais desiguais do mundo. Evidentemente, a desigualdade social é uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento, podendo colocar em xeque a injusta pirâmide da riqueza global e jogando por terra as conquistas em termos de qualidade de vida humana.
Referência:
Credit Suisse global wealth report 2014. Zurich, Switzerland. October 2014
OECD. How Was Life? shows long-term progress in key areas of well-being, 02/10/2014
MEDEIROS, Marcelo; SOUZA, PHGF; CASTRO, FA. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributarios e comparação com pesquisas domiciliares, 2006-2012. Working Paper, 2014. Disponível em: SSRN: http://ssrn.com/abstract=2493877
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 22/10/2014
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