A decisão do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, de rejeitar as exigências da Comissão Europeia abre um cenário incerto de forte instabilidade econômica e financeira para a Grécia. Não obstante, uma repassada pelo que aconteceu nos últimos cinco anos permite ver que os diferentes acordos firmados por Atenas para conseguir financiamento, em troca da implementação sucessiva de ajuste fiscal, não fizeram mais do que aprofundar a crise econômica.
A reportagem é de Fernando Krakowiak, publicada por Página/12, 29-06-2015. A tradução é do Cepat.
A Grécia adotou o euro no dia 1º de janeiro de 2001 e a partir de então viveu um boom de consumo fomentado pela estabilidade dos preços e o acesso fácil ao crédito. Os especialistas estão de acordo que se tratou de uma bonança fictícia, que não respondeu a uma melhora na produtividade de sua economia. Os principais ganhadores do período foram os bancos alemães e franceses, que financiaram o endividamento, e as multinacionais desses mesmos países, que ganharam participação no mercado grego. Ambos os processos acarretaram um crescente déficit comercial e corrente. Por sua vez, a adoção do euro significou para a Grécia uma rigidez semelhante a que a Argentina enfrentou durante a convertibilidade, o que a forçou a resignar a política monetária e cambial. Inclusive, foi além, pois não “amarrou” a sorte de sua moeda à outra, ao contrário, eliminou diretamente a sua. Após a queda do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, e o consequente aprofundamento da crise internacional, a taxa de juros dos créditos aumentou e lentamente começou a ficar claro que a Grécia não estava em condições de enfrentar os vencimentos de sua dívida, que em 2009 já superava os 300 bilhões de euros, valor equivalente a 120% de seu Produto Interno Bruto(PIB). Em maio de 2010, já às portas do colapso, os países da Zona do Euro aprovaram um pacote de ajuda de 110 bilhões de euros, que foi condicionado à implementação de um duríssimo plano de ajuste, cujo cumprimento começou a ser monitorado trimestralmente pela troika, composta pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
A troika prometeu que suas receitas ajudariam a Grécia a ir adiante, mas o ajuste não fez mais do que aprofundar a recessão econômica e elevar a taxa de desemprego, que se duplicou até chegar a 21%. No caso dos jovens, o desemprego ultrapassou os 50%. Em meados de 2011, iniciou-se a negociação de um segundo resgate que, desta vez, contemplou uma diminuição da dívida e novas exigências de corte do gasto para o governo grego. Um acordo inicial foi anunciado em outubro daquele ano. Naquele momento, a perda de soberania da Grécia já era tão evidente que a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que uma delegação da troika permaneceria em Atenas para assegurar o seu cumprimento. “É melhor que exista um sistema de supervisão permanente”, afirmou. O acordo foi aprovado no dia 21 de fevereiro de 2012, quando terminaram de negociar os cortes, com um desembolso de 130 bilhões de euros, o que elevou o plano de ajuda a 240 bilhões de euros no total, mas como as receitas foram as mesmas, o resultado não foi diferente.
Em outubro de 2012, com o conservador Antónis Samarás à frente do governo, a economia continuou em queda e o desemprego atingiu os 25,1%. Apesar disso, a troika condicionou o desbloqueio de novos desembolsos ao aprofundamento das “reformas estruturais” que acarretavam maior corte de gasto. Em fevereiro de 2013, o desemprego alcançou os 27% e entre os menores de 25 anos 64,2%. Essa mesma dinâmica recessiva se repetiu durante o restante do ano de 2013, e também em 2014, até que Samarás adiantou as eleições gerais para o dia 25 de janeiro de 2015, quando o partido de esquerda Syriza venceu com 36,4% dos votos, tornando Alexis Tsipras primeiro-ministro.
O novo chefe de Governo prometeu renegociar a dívida externa “com soluções viáveis e justas, que sirvam para toda Europa, evitando o confronto, mas também as políticas de submissão”. Por sua vez, comprometeu-se em reativar a economia, combater a evasão fiscal e melhorar a política social, com o objetivo de reverter a crise alimentar de uma ampla porção da população.
O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, propôs em fevereiro um “programa ponte” de seis meses, até que se buscasse uma solução definitiva ao problema da dívida. Finalemente, o Eurogrupo aceitou, naquele momento, prorrogar o acordo por quatro meses e dissolveu a troika como gesto de boa vontade, já que, segundo disse, Tsiprasse comprometeu a não desfazer as transformações empreendidas e impulsionar alguns dos compromissos pendentes. Desde então, as duas partes haviam aproximado posições, a tal ponto que nas últimas semanas estavam quase chegando a um acordo para prolongar o programa de auxílio, permitindo a Grécia enfrentar o vencimento da dívida de amanhã (30-06) sem problemas.
O Syriza havia aceitado o compromisso fiscal de conseguir um superávit primário de 1% este ano, de 2% em 2016 e de 3,5% em 2017. Além disso, havia se comprometido a elevar o IVA, a idade de aposentadoria e cortar o gasto militar. As diferenças eram pontuais. No caso do IVA, Tsipras queria que todos os alimentos pagassem 13% ao invés de 23%, e não apenas os básicos como Bruxelas exigia. Além disso, queria que essa exceção se estendesse aos hotéis, o que também era rejeitado pelos credores. No que diz respeito à idade de aposentadoria, havia aceitado aumentá-la em um plano gradual, mas não queria permitir que o regime se autofinanciasse, como ocorre em outros países europeus, já que na Grécia uma parte importante do sistema se sustenta com o dinheiro dos impostos. Além disso, aceitava cortar 200 milhões de euros dos gastos militares e não 400 milhões como lhe pediam. Também propunha um imposto aos iates, o que sofria a resistência do FMI. Apesar das diferenças, a maioria dos analistas confiava que se chegaria a um acordo, mas os credores continuaram esticando a corda e, na sexta-feira, a negociação se estagnou.
A convocação de Tsipras ao referendo para que o povo decida se aceita as políticas de ajuste ou se abandona o tabuleiro foi acompanhada por um pedido para que o Eurogrupo estenda o auxílio ao menos até que a consulta seja realizada, mas o pedido não foi atendido. Sendo assim, prontamente, a crise se precipitou a tal ponto que o governo se viu obrigado, ontem, a anunciar um ‘corralito’ [restrição de saques] bancário para evitar que os gregos retirem dos bancos, hoje, até as escrivaninhas. O cenário que se abre agora é incerto, mesmo caso o povo vote a favor da retomada da negociação, porque uma vez que sejam estabelecidos controles de capitais não é fácil voltar atrás, ainda que Tsipras tenha deixado claro, em seu discurso, que sua aposta é por uma rejeição ao acordo, com a intenção de colocar fim ao ajuste permanente que a Grécia sofre, há cinco anos, sem nenhum resultado à vista.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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