sábado, 13 de maio de 2017

"NÃO EXISTE DEMOCRACIA ONDE IMPERA A CORRUPÇÃO, A INJUSTIÇA, A MENTIRA E A HIPOCRISIA "

A gestão Dilma-Temer gerou o pior octênio da história brasileira, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Não existe democracia onde impera a corrupção, a injustiça, a mentira e a hipocrisia”
Mauro Roberto
taxas anuais de crescimento do PIB
[EcoDebate] O Brasil apodreceu. Este é o título de um artigo do jornalista Clovis Rossi na Folha, em abril de 2017. Ele expressa bem o que tem ocorrido no país nos últimos anos e a descrença que atinge até a grande imprensa. A maioria dos políticos e seus partidos estão envolvidos em algum escândalo de corrupção. Os presidentes das grandes empreiteiras estão na cadeia ou em prisão domiciliar. A Petrobras está quebrada. A Vale atolada no mar de lama que também sufoca os rios e as matas de Minas Gerais e do Espírito Santo. O desemprego bate todos os recordes. Há um esgarçamento do tecido social. As condições ambientais se deterioram. A violência se banaliza. E a economia, no período republicano, nunca este tão ruim. A Nova República já nasceu velha e debilitada e o Brasil perde espaço na economia internacional desde o início dos anos 80.
O Brasil viveu uma década perdida entre 1981 e 1990, quando houve, pela primeira vez na história da República, uma redução da renda per capita em um período decenal. O governo Figueiredo – de triste memória – enterrou o legado de grande crescimento da época áurea da ditadura. Os governos Sarney e Collor deixaram uma herança de hiperinflação, pobreza e desigualdades sociais. Os governos Itamar e FHC (1992-2002) conseguiram estabilizar os preços de bens e serviços depois do Plano Real e até promoveram a volta de um crescimento modesto, mas positivo (do ponto de vista do crescimento do PIB e não das condições ambientais). Houve pequena redução da pobreza e da desigualdade social neste período.
O governo Lula, aproveitando os ventos favoráveis do superciclo das commodities, conseguiu elevar o crescimento do PIB para níveis superiores às décadas de 1980 e 1990, mas bem inferiores do que a década de 1970. A especificidade do governo Lula foi criar expectativas positivas. O período mais saudável ocorreu nos anos de 2004 a 2008, quando houve, num ambiente democrático, o crescimento econômico, a redução da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a redução das dívidas públicas interna e externa, crescentes saldos comerciais, crescentes superávits primários nas contas públicas, aumento das reservas cambiais e maior presença construtiva do Brasil no cenário internacional (na época, escrevi um artigo chamando este período de “quinquênio virtuoso”, Alves, 2009). O lado mais negativo foi o aumento da corrupção e a utilização de truques macroeconômicos, em 2009 e 2010, para turbinar a economia e influenciar os resultados das eleições de 2010. A primeira década do terceiro milênio foi melhor do que a última década do segundo milênio. Mas diversos problemas estruturais vieram à luz na década seguinte, quando o presidencialismo de coalizão mostrou o lado perverso do sistema político brasileiro.
A chapa Dilma-Temer eleita em 2010 e reeleita em 2014 promoveu, considerando tanto os 6 anos já decorridos (sexênio), como os sete anos em curso (septênio) ou os possíveis oitos anos de gestão (2011 a 2018), o pior desempenho para um período de seis, sete ou oito anos (octênio) desde 1901, quando se tem dados confiáveis registrados. O gráfico acima mostra (nas linhas azuis) as taxas anuais de crescimento do PIB no Brasil entre 1901 e 2018, enquanto a média móvel de oito anos (linha vermelha) mostra todos os octênios do período. As séries históricas são do Ipeadata (de 1901 a 1999) e do IBGE (de 2000 a 2016), com as atualizações mais recentes. Para os anos de 2017 e 2018 utilizamos as projeções do FMI (WEO, abril de 2017). O que se conclui é que o Brasil vive a sua mais longa e profunda recessão da história. Vive também a sua segunda década perdida, pois haverá redução da renda per capita entre 2011 e 2020.
Diante desse quadro surreal e trágico, a Dilma culpa o Temer e o Temer culpa a Dilma pelo desastre catastrófico da economia brasileira. O PT, que, normalmente, não gosta de fazer autocrítica, culpa todo mundo, menos os seus próprios erros. Mas a verdade é que os dois presidentes foram eleitos na mesma chapa e tiveram o mesmo número de votos. Sem o apoio do PMDB e das milhares de prefeituras pemedebistas, Dilma não chegaria à Presidência da República. E sem a força política do PT junto aos movimentos sociais, o PMDB, pelo voto direto, jamais chegaria ao Planalto. Além disto, as investigações do TSE mostram que houve financiamento ilícito na campanha de 2014 (assim como nas anteriores), eleições essas que já são registradas pela ciência política como o maior estelionato eleitoral da história política do país. É incrível como os dois partidos – junto aos aliados – se locupletaram para promover o maior desastre econômico da República. Eu, que votei nulo no segundo turno das eleições de 2014, tenho total liberdade para criticar as duas gestões, tanto a que foi impedida, como a que ocupou o espaço central.
Além de tudo, a recessão não pode ser considerada uma “medida amarga que vai curar o paciente”. O Brasil está não só vivendo 4 anos de grande queda na renda per capita (entre 2014 e 2017), mas também está vivendo um total desarranjo das contas públicas. Desde o início do século os sucessivos governos apresentaram superávit primário, medida que reduzia o déficit nominal (quando se contabiliza as despesas com juros) e evitava o descontrole da dívida pública. Mas para garantir a reeleição de 2014 a gestão Dilma-Temer gastou mais do que arrecadou em 2014 (as ações populistas visando a reeleição foram descaradas), exagerou na “contabilidade criativa”, nas “pedaladas fiscais” e deixou um triste legado para a gestão seguinte.
Assim, a bomba fiscal armada na primeira gestão Dilma-Temer explodiu na segunda gestão da dupla. O resultado foi um aprofundamento do déficit primário e o maior déficit nominal (de -10,3% do PIB) da história brasileira. O Brasil virou o patinho feio da economia internacional. Todos os problemas sociais se agravaram e a violência se banalizou no país. O gráfico abaixo, com dados do FMI, mostra que o superávit primário só estará de volta na próxima década e que o déficit nominal vai diminuir, mas vai continuar elevado pelo menos até os 200 anos da Independência, em 2022.
Superávit(déficit) primário e déficit nominal no Brasil: 2010--2022
Os números do mercado formal de trabalho, do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do MTE, estão no vermelho à, praticamente, 28 meses (com exceção de março de 2015 e fevereiro de 2017). Os números são assustadores, pois, nesse período, foram eliminados 3,6 milhões de postos de trabalho formal, o que dá uma média de 130 mil empregos perdidos por mês ou 4,3 mil empregos formais eliminados por dia. A crise econômica brasileira fechou um grande número de postos de trabalho com carteira assinada entre dezembro de 2014 (logo após as eleições que elegeram Dilma-Temer) e 2017.
Para o mercado de trabalho como um todo, o desemprego aberto atingiu números alarmantes, pois gerou 14,2 milhões de pessoas procurando alguma vaga, no primeiro trimestre de 2017, o que significa uma taxa de 13,7%, segundo a PNAD Continua do IBGE. Numa medida ainda mais ampla, a “Taxa Composta da Subutilização da Força de Trabalho” está em torno de 23%, significando cerca de 25 milhões de pessoas desocupadas, desalentadas ou subutilizadas. Este desperdício da força de trabalho brasileira significa uma renda menor disponível para as famílias e também a criação de uma geração perdida, pois a juventude brasileira está sem alternativas para o futuro.
comportamento do emprego formal no Brasil: dez/2014 a mar/2017
Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em colaboração com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o desemprego na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) atingiu o maior nível da história, com 2,066 milhões de pessoas procurando trabalho em março de 2017. Nunca o desemprego foi tão alto na RMSP. De 17,9 milhões de pessoas em idade ativa, apenas 9,1 milhões estavam ocupadas (uma taxa de 50,9%). Ou seja, só a metade das pessoas em idade produtiva estavam ocupadas. Mesmo assim era grande a quantidade de pessoas subempregadas e atuando na informalidade. Não há bônus demográfico que resista a estes números.
Tudo isto só confirma que a saúde da economia brasileira está capenga. A produção industrial brasileira terminou o ano passado 6,6% menor que 2015, o que conferiu o terceiro ano de resultado negativo para o setor. Em 2015, a queda foi de 8,3% e, em 2014, de 3%, segundo dados do IBGE. Assim, o processo de desindustrialização compromete o futuro da economia e a geração de emprego para absorver a força de trabalho mais escolarizada.
Pesquisa Datafolha, divulgada dia 30/04/2017, mostra que a impopularidade do governo Michel Temer cresceu e já é comparável à de Dilma Rousseff, há um ano, às vésperas da abertura do processo de impeachment que acabou por cassá-la em 2016. Neste quadro desalentador, um montante de 85% da população brasileira quer eleições diretas já! O país está atolado na estagnação e na insatisfação.
Assim, não é exagero dizer que “o Brasil apodreceu”. A operação Lava-Jato deixa claro que “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode cassar a chapa Dilma-Temer, em função das irregularidades no financiamento da última campanha eleitoral. Contudo, antes mesmo de qualquer resultado oficial, tanto Dilma, como Temer já foram rejeitados pela população e a opinião pública, em função do estelionato eleitoral de 2014. Está na hora de o Brasil virar essa triste página da história.
Referências:
ALVES, JED. O quinquênio virtuoso: 2004-2008, Aparte, IE/UFRJ, 07/06/2009
http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/quiquenio_virtuoso_07jun09.pdf
ALVES, JED. O paradoxo das baixas taxas de desemprego em 2013 e 2014, Ecodebate, 10/03/2017 https://www.ecodebate.com.br/2017/03/10/o-paradoxo-das-baixas-taxas-de-desemprego-em-2013-e-2014-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
 José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
 in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/05/2017

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