Eis o artigo.
Para enfrentar a fratura social ligada à globalização, ao avanço tecnológico e à automatização é preciso superar a crise de valores e impor o pensamento crítico no âmbito de um sistema ético complexo baseado no bem comum.
Nós temos necessidade de filósofos no mundo da inovação? Empresas e pessoas estão tratando de mudar as coisas para o bem, na maioria dos casos usando a tecnologia. Mas, que mundo nós queremos construir? Nós estamos contribuindo para isso com estes desenvolvimentos? Responder adequadamente a estas perguntas implica falar de uma perspectiva que ultrapassa a engenharia, que inclua intelectuais, literatos, filósofos, artistas, acadêmicos e a sociedade em seu conjunto. Há espaço para o diálogo?
Anualmente, o Aspen Institute Espanha organiza seu seminário Sócrates, em que um moderador usa a técnica do filósofo grego para levar seus discípulos a descobrirem suas próprias respostas para um determinado problema. Durante dois dias, “destacados representantes do setor acadêmico, empresarial, científico e público” fazem uma pausa em suas aceleradas rotinas “para refletir sobre o futuro da sociedade global e os desafios atuais”. Exatamente o que o chamado filósofo dos negócios Anders Indset reclama como imprescindível na conversa com inovadores: parar e encontrar o “agora”. Pensar no que estamos fazendo e ser conscientes disso.
Esse é o verdadeiro desafio, e não o tecnológico. Como disse Indset, trata-se de uma mudança de percepção: “Temos necessidades de perguntas grandes e ambiciosas, para além de como criar um produto inovador”. Colocar-nos, individual e socialmente, o que queremos, que mundo estamos construindo e para quê. O avanço pelo avanço tem sentido, sem propósito algum?
O seminário do Aspen Institute – realizado no final de semana passado [dias 27 e 28 de maio] em Ronda – deixa algumas ideias e colocações que, estando de acordo ou não, é interessante colocar sobre a mesa. Quando falamos de temas da atualidade relacionados com a tecnologia e a digitalização – como a automatização e a destruição do emprego, as novas economias sob demanda, o temor pelo auge da inteligência artificial, a globalização... – o debate de fundo não é tecnológico. Falamos de valores, de pensamento crítico, de liberdade, de desigualdade.
Nós temos necessidade de filósofos no mundo da inovação? Empresas e pessoas estão tratando de mudar as coisas para o bem, na maioria dos casos usando a tecnologia. Mas, que mundo nós queremos construir? Nós estamos contribuindo para isso com estes desenvolvimentos? Responder adequadamente a estas perguntas implica falar de uma perspectiva que ultrapassa a engenharia, que inclua intelectuais, literatos, filósofos, artistas, acadêmicos e a sociedade em seu conjunto. Há espaço para o diálogo?
Anualmente, o Aspen Institute Espanha organiza seu seminário Sócrates, em que um moderador usa a técnica do filósofo grego para levar seus discípulos a descobrirem suas próprias respostas para um determinado problema. Durante dois dias, “destacados representantes do setor acadêmico, empresarial, científico e público” fazem uma pausa em suas aceleradas rotinas “para refletir sobre o futuro da sociedade global e os desafios atuais”. Exatamente o que o chamado filósofo dos negócios Anders Indset reclama como imprescindível na conversa com inovadores: parar e encontrar o “agora”. Pensar no que estamos fazendo e ser conscientes disso.
Esse é o verdadeiro desafio, e não o tecnológico. Como disse Indset, trata-se de uma mudança de percepção: “Temos necessidades de perguntas grandes e ambiciosas, para além de como criar um produto inovador”. Colocar-nos, individual e socialmente, o que queremos, que mundo estamos construindo e para quê. O avanço pelo avanço tem sentido, sem propósito algum?
O seminário do Aspen Institute – realizado no final de semana passado [dias 27 e 28 de maio] em Ronda – deixa algumas ideias e colocações que, estando de acordo ou não, é interessante colocar sobre a mesa. Quando falamos de temas da atualidade relacionados com a tecnologia e a digitalização – como a automatização e a destruição do emprego, as novas economias sob demanda, o temor pelo auge da inteligência artificial, a globalização... – o debate de fundo não é tecnológico. Falamos de valores, de pensamento crítico, de liberdade, de desigualdade.
Fratura social
“A globalização e a tecnologização, combinadas com a fratura digital, fizeram aumentar a prosperidade em todo o mundo, salvo para as classes trabalhadoras das sociedades ocidentais”. A afirmação é do Jonathan Haidt, psicólogo e professor de liderança ética na Universidade de Nova York (Estados Unidos). A base desta ideia é que os membros com menor nível educacional dos países mais ricos perderam o acesso a trabalhos bem pagos que requeriam pouca qualificação. Estes passaram a ser feitos por máquinas, mão de obra mais barata ou pessoas que souberam se adaptar à digitalização.
“A brecha digital é maior do que parece. Há uma parte da sociedade que está assustada, porque o mundo está indo muito rápido e vê todas estas mudanças como uma ameaça. Ela vê como, por um lado, a tecnologia destrói trabalhos e, por outro, não pode aproveitar as vantagens da digitalização para ter mais oportunidades. Vê isso como algo alheio que erode a forma de vida que ela conhece. Por outro lado, há aqueles que aproveitam suas oportunidades, que vivem em um mundo hiper conectado e hiper globalizado. A sociedade está se fraturando e não podemos permitir isso”, reflete Carmen Bermejo, presidenta da Associação Espanhola de Startups, em um encontro organizado pela Kreab no final de 2016.
A reflexão, sem dúvida, continua válida. Estes são vários dos motivos que, segundo Haidt, provocaram a eleição de Trump, o Brexit e a “perigosa” expansão de movimentos populistas de ultradireita que promovem o isolamento. Poderíamos pensar que esse “nacionalismo defensivo” se deve à desesperança e à decepção de que o progresso tecnológico não tenha significado progresso social. Há aqueles que acreditam que, diante disso, temos apenas duas saídas: uma política de renda básica universal como direito de todo cidadão, independentemente de sua situação econômica e de se trabalha ou não, ou então retroceder no avanço tecnológico.
“A brecha digital é maior do que parece. Há uma parte da sociedade que está assustada, porque o mundo está indo muito rápido e vê todas estas mudanças como uma ameaça. Ela vê como, por um lado, a tecnologia destrói trabalhos e, por outro, não pode aproveitar as vantagens da digitalização para ter mais oportunidades. Vê isso como algo alheio que erode a forma de vida que ela conhece. Por outro lado, há aqueles que aproveitam suas oportunidades, que vivem em um mundo hiper conectado e hiper globalizado. A sociedade está se fraturando e não podemos permitir isso”, reflete Carmen Bermejo, presidenta da Associação Espanhola de Startups, em um encontro organizado pela Kreab no final de 2016.
A reflexão, sem dúvida, continua válida. Estes são vários dos motivos que, segundo Haidt, provocaram a eleição de Trump, o Brexit e a “perigosa” expansão de movimentos populistas de ultradireita que promovem o isolamento. Poderíamos pensar que esse “nacionalismo defensivo” se deve à desesperança e à decepção de que o progresso tecnológico não tenha significado progresso social. Há aqueles que acreditam que, diante disso, temos apenas duas saídas: uma política de renda básica universal como direito de todo cidadão, independentemente de sua situação econômica e de se trabalha ou não, ou então retroceder no avanço tecnológico.
‘Internetcentrismo’
É possível, a esta altura, retroceder? Cabe perguntar se realmente os carros autônomos são uma inovação tão essencial a ponto de gastar milhões de euros em seu desenvolvimento e eliminar tal quantidade de empregos? É esta total dependência da internet uma boa ideia? Talvez não deveríamos colocar todos os ovos na cesta da internet. Pode-se inovar fora da tecnologia. Não somos obrigados a dar as boas-vindas à mudança apenas por se algo novo; devemos olhá-la com uma perspectiva mais crítica. Nunca é demais propor isso, por mais tecno-otimistas que sejamos. Se respondermos que sim a tudo, que seja de forma razoável. Pensemos fora da nossa zona de conforto e concentremo-nos no que realmente é inevitável e no que não.
Sobre isso reflete Evgeny Morozov, cético e crítico com a ciberutopia que abraça a tecnologia digital como ferramenta para a liberdade e a democracia. Morozov critica o determinismo tecnológico, que ele chama de solucionismo tecnológico. Define-o como “uma ideologia que remodela fenômenos sociais complexos como a política, a saúde pública ou a educação como problemas claramente definidos como soluções definidas e computáveis, ou facilmente otimizáveis mediante algoritmos”.
O autor lamenta que a estrutura atual de resolução de problemas esteja baseada na tecnologia, que, além disso, “pede aos cidadãos para que façam coisas que antes não eram da sua responsabilidade ou que nem mesmo os preocupavam”. O autor chama isto de ‘internetcentrismo’, em contraste com uma visão da internet como ferramenta para descentralizar o poder.
Para Indset, o solucionismo tecnológico ao qual Morozov faz referência não é algo necessariamente negativo. “As perguntas tradicionalmente filosóficas são agora perguntas técnicas, tratáveis pela tecnologia. Tentar chegar a um acordo sobre o que é correto e o que não é complicado e pode ser que não nos leve a lugar algum, mas podemos decidir o que fazer da e com a tecnologia”. Ele acredita que as questões morais podem transformar-se em questões técnicas, “já que nossos valores morais estão sendo manipulados pela tecnologia”.
Toda tecnologia tem uma intencionalidade. Se – assim como diz Indset – a tecnologia pode manipular nossos valores e somos nós os criadores desta tecnologia, também podemos manipulá-la para escolher esses valores. Mas o difícil é precisamente isso, porque não há acordo. Esta crise de valores – ou de ausência de valores comuns claros – caracteriza o contexto atual, atravessado de contradições. Queremos liberdade e, ao mesmo tempo, queremos privacidade. E nesta indecisão, quem projeta, decide e define a sociedade em que queremos viver? São as grandes multinacionais, os governos, os grupos de pressão? O que os cidadãos têm a dizer sobre isso?
Coloca-se a necessidade de fomentar o pensamento crítico em todas as etapas da formação e em todos os níveis. Algo que não é comum na cultura espanhola, que não recompensa o ato de questionar as coisas e de questionar-se a si mesmo. Os líderes decidem e nós seguimos como soldados, ou não é verdade? O ponto de partida da esfera pública – e política – deveria ser um debate social plural que não incorra em extremos (como uma permissividade incauta, por um lado, ou o proibicionismo, por outro, com a consequente judicialização da tecnologia).
Sobre isso reflete Evgeny Morozov, cético e crítico com a ciberutopia que abraça a tecnologia digital como ferramenta para a liberdade e a democracia. Morozov critica o determinismo tecnológico, que ele chama de solucionismo tecnológico. Define-o como “uma ideologia que remodela fenômenos sociais complexos como a política, a saúde pública ou a educação como problemas claramente definidos como soluções definidas e computáveis, ou facilmente otimizáveis mediante algoritmos”.
O autor lamenta que a estrutura atual de resolução de problemas esteja baseada na tecnologia, que, além disso, “pede aos cidadãos para que façam coisas que antes não eram da sua responsabilidade ou que nem mesmo os preocupavam”. O autor chama isto de ‘internetcentrismo’, em contraste com uma visão da internet como ferramenta para descentralizar o poder.
Para Indset, o solucionismo tecnológico ao qual Morozov faz referência não é algo necessariamente negativo. “As perguntas tradicionalmente filosóficas são agora perguntas técnicas, tratáveis pela tecnologia. Tentar chegar a um acordo sobre o que é correto e o que não é complicado e pode ser que não nos leve a lugar algum, mas podemos decidir o que fazer da e com a tecnologia”. Ele acredita que as questões morais podem transformar-se em questões técnicas, “já que nossos valores morais estão sendo manipulados pela tecnologia”.
Toda tecnologia tem uma intencionalidade. Se – assim como diz Indset – a tecnologia pode manipular nossos valores e somos nós os criadores desta tecnologia, também podemos manipulá-la para escolher esses valores. Mas o difícil é precisamente isso, porque não há acordo. Esta crise de valores – ou de ausência de valores comuns claros – caracteriza o contexto atual, atravessado de contradições. Queremos liberdade e, ao mesmo tempo, queremos privacidade. E nesta indecisão, quem projeta, decide e define a sociedade em que queremos viver? São as grandes multinacionais, os governos, os grupos de pressão? O que os cidadãos têm a dizer sobre isso?
Coloca-se a necessidade de fomentar o pensamento crítico em todas as etapas da formação e em todos os níveis. Algo que não é comum na cultura espanhola, que não recompensa o ato de questionar as coisas e de questionar-se a si mesmo. Os líderes decidem e nós seguimos como soldados, ou não é verdade? O ponto de partida da esfera pública – e política – deveria ser um debate social plural que não incorra em extremos (como uma permissividade incauta, por um lado, ou o proibicionismo, por outro, com a consequente judicialização da tecnologia).
O papel dos filósofos
Nós temos necessidade de filósofos que nos guiem? A pergunta torna-se recorrente. No Vale do Silício, a Meca da tecnologia, é cada vez mais comum encontrar filósofos entre os planteis, recheados de engenheiros e especialistas em marketing. Indset, como ex-empreendedor em série e investidor, é um bom exemplo disso. “Praticar a arte de pensar e conectá-la com o mundo atual é crucial para os negócios”, aponta.
Indset defende um modelo de filosofia de proximidade, diferente daquela que predomina na academia. De filósofos que estão no terreno, e não “em suas torres de marfim”. Quem diz isso é Stowe Boyd, engenheiro e pesquisador que se considera a si mesmo como futurista. Boyd afirma que “estamos indo rápido demais para relegar a ética aos filósofos”. Ao menos, ao perfil de filósofo que se conhece. Ele propõe um reexame da nossa ética. “Temos que fazer isso, porque ela está profundamente ligada ao nosso sentido de identidade e de pertença, de moralidade e de justiça”.
Boyd diz que “só aprofundando aquilo que enraíza a nossa perspectiva de mundo e nosso lugar nele e fugindo de sistemas éticos simplistas poderemos fugir da ausência de futuro da nossa época e superar o solipsismo e o tédio pós-modernos”. O pesquisador acredita que, mais que falar de futuro, devemos falar de posteridade. “Necessitamos aprender da história sem deixar que esta nos limite, especialmente em um tempo em que grande parte do que acontece não tem precedentes”. Indset acrescenta que “já chegamos ao futuro, e é insano tentar predizer o que virá pelo que foi”.
Uma das principais preocupações deste filósofo dos negócios é “como enfrentar um mundo em que a sociedade segue acumulando conhecimento mais rapidamente do que recolhe sabedoria”. Uma espécie de atualização daquilo que se perguntava o poeta e dramaturgo T. S. Elliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? E onde está o conhecimento que perdemos na informação?” “Nós temos necessidade de novas perguntas e novos modelos”, afirma Indset.
No processo, será preciso uma mudança de mentalidade, superar a crise de valores, fomentar o pensamento crítico e um desenvolvimento baseado no bem comum – e sustentado por um sistema ético complexo –, fechar as brechas sociais e as desigualdades e facilitar a inovação e o uso da tecnologia como ferramenta, e não como fim. Trata-se de recuperar aqueles que ficaram fora da globalização, os chamados ‘perdedores’ da digitalização. É isto pedir muito? Também era pedir muito há alguns anos fabricar carros autônomos, e aqui estão eles. Se há vontade, pode-se dar o passo para esse grande avanço, que não será tecnológico.
Indset defende um modelo de filosofia de proximidade, diferente daquela que predomina na academia. De filósofos que estão no terreno, e não “em suas torres de marfim”. Quem diz isso é Stowe Boyd, engenheiro e pesquisador que se considera a si mesmo como futurista. Boyd afirma que “estamos indo rápido demais para relegar a ética aos filósofos”. Ao menos, ao perfil de filósofo que se conhece. Ele propõe um reexame da nossa ética. “Temos que fazer isso, porque ela está profundamente ligada ao nosso sentido de identidade e de pertença, de moralidade e de justiça”.
Boyd diz que “só aprofundando aquilo que enraíza a nossa perspectiva de mundo e nosso lugar nele e fugindo de sistemas éticos simplistas poderemos fugir da ausência de futuro da nossa época e superar o solipsismo e o tédio pós-modernos”. O pesquisador acredita que, mais que falar de futuro, devemos falar de posteridade. “Necessitamos aprender da história sem deixar que esta nos limite, especialmente em um tempo em que grande parte do que acontece não tem precedentes”. Indset acrescenta que “já chegamos ao futuro, e é insano tentar predizer o que virá pelo que foi”.
Uma das principais preocupações deste filósofo dos negócios é “como enfrentar um mundo em que a sociedade segue acumulando conhecimento mais rapidamente do que recolhe sabedoria”. Uma espécie de atualização daquilo que se perguntava o poeta e dramaturgo T. S. Elliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? E onde está o conhecimento que perdemos na informação?” “Nós temos necessidade de novas perguntas e novos modelos”, afirma Indset.
No processo, será preciso uma mudança de mentalidade, superar a crise de valores, fomentar o pensamento crítico e um desenvolvimento baseado no bem comum – e sustentado por um sistema ético complexo –, fechar as brechas sociais e as desigualdades e facilitar a inovação e o uso da tecnologia como ferramenta, e não como fim. Trata-se de recuperar aqueles que ficaram fora da globalização, os chamados ‘perdedores’ da digitalização. É isto pedir muito? Também era pedir muito há alguns anos fabricar carros autônomos, e aqui estão eles. Se há vontade, pode-se dar o passo para esse grande avanço, que não será tecnológico.
Formas de manipular
O sindicato catalão de professores AMES denunciava que vários livros do Ensino Fundamental de editoras que eram distribuídos na Catalunha incluem posturas ideológicas partidárias e tendenciosas. Em consonância com isso, levantava-se a seguinte questão no seminário do Aspen Institute: “Nós estamos pedindo aos catalães para mudarem os livros de texto, mas não controlamos ferramentas com um potencial muito maior de manipulação. Quem vai pedir mudanças ao Google?”. Talvez a primeira ministra britânica, a conservadora Theresa May, que fala em regular a internet para frear o crescente poder do Google e do Facebook.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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