Juntar dinheiro. Voltar ao Brasil. Comprar uma casa. Talvez abrir um comércio. Quando fez sua mala e iniciou sua aventura clandestina rumo a Boston, o mineiro Maycon Douglas de Andrade Fernandes tinha os mesmos sonhos de milhares de outros brasileiros que trilham esse caminho. O seu não durou 24 horas e terminou na aridez do Texas.
Há duas semanas, Fernandes se tornou o sexto brasileiro a morrer na travessia da fronteira sul dos Estados Unidos nos últimos 12 meses, período que registrou o maior número de vítimas em pelo menos uma década. O ano mais fatal até agora havia sido 2010, quando 4 brasileiros morreram no massacre de Tamaulipas, no México – 72 pessoas que se preparavam para cruzar a fronteira foram assassinadas por narcotraficantes.
A reportagem é de Cláudia Trevisan, publicada por O Estado de S. Paulo, 27-08-2017.
O número de mortes nos últimos 12 meses é o maior pelo menos desde 2007, período sobre o qual o Ministério das Relações Exteriores forneceu dados para o Estado. De 2007 até agora, 19 brasileiros morreram na tentativa de chegar por terra ao território americano. Estão fora dessa estatística os que ainda não foram encontrados. Em novembro, 12 brasileiros desapareceram no mar, depois de saírem das Bahamas. No mesmo mês, pai e filho que viajavam juntos sumiram no deserto do Arizona. Outro teve o mesmo destino no Texas.
O número de mortes nos últimos 12 meses é o maior pelo menos desde 2007, período sobre o qual o Ministério das Relações Exteriores forneceu dados para o Estado. De 2007 até agora, 19 brasileiros morreram na tentativa de chegar por terra ao território americano. Estão fora dessa estatística os que ainda não foram encontrados. Em novembro, 12 brasileiros desapareceram no mar, depois de saírem das Bahamas. No mesmo mês, pai e filho que viajavam juntos sumiram no deserto do Arizona. Outro teve o mesmo destino no Texas.
No início de agosto, Fernandes saiu de Conselheiro Pena, cidade mineira de 20 mil habitantes, em direção a São Paulo. No dia 4 daquele mês, voou para o México, onde aguardou a ordem dos coiotes para cruzar o Rio Grande, que separa os dois países. O sinal verde veio no domingo, dia 13. Na segunda-feira, um parente que vive nos EUArecebeu uma mensagem de voz no WhatsApp: “Maycon morreu, comecem a procurá-lo”. Acionada, a Patrulha da Fronteira encontrou o corpo na noite do mesmo dia.
Pessoas que estavam no seu grupo disseram à família que Fernandes começou a passar mal no domingo, vomitou três vezes e morreu. Ele tinha 24 anos.
"Eu tenho de ir, porque aqui não tenho futuro", repetia ele, segundo um parente que falou com o Estado sob anonimato, por viver sem documentos nos EUA. Casado com Renata há pouco mais de dois anos, Maycon era o filho mais velho de Cristina. Desempregado há meses, ele cobria férias como vendedor, segundo o parente.
Seu corpo foi levado para Laredo, no Texas, e ainda não foi liberado. A família não tem os US$ 12 mil (R$ 38 mil) para seu traslado ao Brasil e iniciou uma campanha online para arrecadar fundos. Como muitos dos que tentam a sorte nos Estados Unidos, Fernandes não falava inglês e havia estudado só até o ensino médio.
A temperatura no deserto no sul do Texas e do Arizona se aproxima dos 40ºC no verão americano e chega ao pico em agosto. O sol é inclemente e o risco de desidratação, imenso. A travessia pode durar dias, dependendo da região e do acerto com o coiote. Muitos não levam água suficiente e acabam padecendo no caminho.
“O que está matando esses meninos não são os coiotes nem os traficantes, mas a natureza. As pessoas não têm ideia do calor que faz na fronteira”, disse Dornelas D., que ajudou a família de Lucas Batista Passos a encontrar seu corpo depois de ele desaparecer no deserto do Texas no fim de abril.
Passos decidiu atravessar a fronteira de maneira clandestina depois de seu pedido de visto ter sido negado duas vezes. O mineiro concordou em pagar quase US$ 7 mil (R$ 22 mil) para o coiote que organizou a viagem. No dia 4 de abril, ele pegou um voo para o México, onde esperou 24 dias antes de cruzar a fronteira. A última foto que mandou para o irmão no Brasil mostrava que havia perdido peso.
No dia 28 de abril, Passos disse a parentes que sairia às 19 horas de Díaz Ordaz, no México, em direção ao EUA. Sete horas depois, a família conseguiu entrar em contato pelo WhatsApp com uma das pessoas que viajavam com ele. Passos teve dores terríveis nas pernas, não conseguiu mais andar e ficou para trás, informou. O brasileiro de 30 anos havia saído de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, com destino à Carolina do Norte, onde nunca chegou.
Da cidade mineira, a família tentava descobrir seu paradeiro nos EUA. A esperança era a de que ele tivesse sido preso pela Patrulha de Fronteira e colocado em um centro de detenção. A expectativa foi reforçada pela presença de um brasileiro de nome quase idêntico em uma prisão no Texas.
Sem conseguir entrar em contato com o Lucas que estava detido nem obter informações sobre o Lucas verdadeiro, a família pediu ajuda a Dornelas por meio de uma amiga comum, 11 dias após o desaparecimento. Com pedaços de informações dadas por dois de seus companheiros de viagem, ela montou um quebra-cabeças que ajudou a polícia a localizar o corpo. Dornelas descobriu que Passos não estava em McAllen, como haviam dito os coiotes, mas em La Grulla, a 42 km de distância.
No dia 12 de junho, ela recebeu a notícia de que o corpo havia sido encontrado. A causa da morte foi desidratação. “Ninguém da minha família pensava que ele tivesse morrido. Acreditávamos que ele estivesse preso, sem poder dar notícias”, disse sua irmã, Andréia Batista Passos, que estava grávida de oito meses quando ele desapareceu. “Quando soube, senti desespero, angústia, dor, culpa. Depois, senti tristeza pelas circunstâncias em que ele morreu, em pensar que ele passou sede, fome e morreu só, em uma terra distante.”
(Gráfico: O Estado de S. Paulo)
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