A fúria dos furacões e as catástrofes climáticas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind”
Bob Dylan
[EcoDebate] Os furacões são uma maneira da Mãe Natureza dizer à humanidade que ela está brava com a espécie mais egoísta que vive sobre a Terra. Os furacões são fruto do excesso de calor do oceano e uma forma de transferir o calor do equador para os polos. Alterações nas condições de temperatura e pressão atmosférica possibilitam mudanças na direção dos ventos, que movimentam em espiral, atingindo altas velocidades, ocasionando a formação de tempestades, ciclones, tufões e furacões de várias categorias. Os meses de julho e agosto de 2017 estão entre os mais quentes da série que começou em 1880, sendo que o calor foi mais intenso no hemisfério Norte.
Os eventos climáticos extremos que atingiram o mundo nos últimos 20 dias são, de certa forma, uma antecipação de um dos capítulos do Armagedon ambiental que deve ser protagonizado, de maneira cada vez mais frequente e generalizada, no século XXI. São, também, uma negação das equivocadas ideias dos céticos negacionistas que, de maneira irresponsável, tergiversam sobre as consequências das mudanças climáticas do Antropoceno. Não foram somente os furacões que provocaram sofrimento.
Um exemplo, fortes chuvas também atingiram o sul da Ásia. Mais de 1.400 pessoas morreram na Índia, no Nepal e em Bangladesh, como resultado das inundações mais devastadoras na região, em uma década. Centenas de cidades e aldeias foram submersas pelas catastróficas inundações, afetando cerca de 40 milhões de pessoas.
Outro exemplo, o maior incêndio na história de Los Angeles começou no dia 01 de setembro de 2017. O governador da Califórnia, Jerry Brown, emitiu um estado de emergência para o condado de Los Angeles. Desde que o incêndio começou, queimou mais de 5.895 acres, forçou os residentes a evacuarem suas casas, fecharam uma rodovia interestadual e enviaram enormes plumas de fumaça no ar da cidade. Mais de 1.000 bombeiros foram mobilizados para controlar o incêndio.
Um terceiro exemplo, Freetown, a capital de Serra Leoa, no continente africano, mais de mil pessoas morreram, incluindo muitos menores de idade, em decorrência de severas inundações e um mortífero deslizamento de terra.
O mais novo exemplo, ocorre no leste asiático, onde as autoridades da China estão preparando a evacuação de meio milhão de pessoas, já que dois tufões ameaçam a costa leste, fortemente povoada do país. Taiwan cancelou voos no dia 13/09 e emitiu um aviso aos navios, enquanto o tufão Talim ameaça a ilha. Ao sul, o tufão Doksuri ameaça o sudeste da China e o Vietnã, enquanto se fortalece no Mar do Sul da China. Será o quarto tufão a atingir Macau em menos de um mês. No início da segunda semana de setembro, a tempestade trouxe inundações para a capital de Filipinas, Manila e as províncias vizinhas.
Assim, os eventos climáticos extremos se propagam pelo mundo. No início desse mês de setembro, enquanto Los Angeles ardia, Houston estava debaixo d’água. O furacão Harvey, que atingiu o sul do Texas e da Louisiana, nos EUA, na última semana de agosto, foi o desastre natural mais caro na história dos EUA, com prejuízos estimados em US$ 190 bilhões. (Alves, 04/09/2017).
Nem bem as populações da Califórnia, Texas e Louisiana (para ficar apenas no hemisfério ocidental) tentavam se recuperar destes “desastres naturais”, potencializados pelas causas antrópicas, os habitantes de várias ilhas do Caribe e da Flórida, passaram a sofrer as consequências do furacão Irma, que foi o furacão mais fortes já formado na região.
Algumas ilhas tiveram perdas devastadoras. O furacão Irma deixou cerca de 30 mortos nas ilhas do Caribe. A destruição foi impressionante em Saint Martin (nas partes francesa e holandesa), nas Ilhas Virgens americanas, nas Ilhas Virgens britânicas e no arquipélago de Anguilla, em Porto Rico e em Barbuda. Em Cuba, o furacão deixou 10 mortos e as vítimas são das províncias de Havana, Matanzas, Camagüey e Ciego de Ávila, no centro e no oeste da ilha. As regiões devastadas do Caribe entraram em estado de emergência e tiveram de contar com o apoio da França, Holanda e Reino Unido.
Nos Estados Unidos, o impacto do furacão foi sentido de maneira mais forte na Flórida, com os ventos e as tempestades atingindo todo o Estado, embora o número de mortes tenha sido pequeno, graças à intensa mobilização ocorrida antes do furacão atingir o solo. Um número estimado de 6,3 milhões de pessoas foram evacuadas, milhões ficaram sem luz e todas as atividades econômicas foram interrompidas.
Nas ilhas ao sul da Flórida, o impacto foi impressionante. Além da elevada evacuação da população, os escombros se espalharam pela Florida Keys e atingiram fortemente Key West e Key Largo. Toda a infraestrutura foi afetada e várias pontes que ligam as ilhas ao continente ficaram comprometidas.
O furacão Irma é o mais forte já registrado na bacia Atlântica. Passou três dias como um furacão da categoria 5, o furacão mais longo da categoria 5 desde o início das medições via satélite. Nenhum fenômeno anterior manteve os ventos 185 mph ou acima como o Irma (total de 37 horas). Isso provocou a maior evacuação da história da Flórida e, potencialmente, a maior nos EUA. Como tempestade tropical o Irma atingiu os Estados da Geórgia e Carolinas (do Sul e do Norte), ampliando o rastro de destruição.
Os prejuízos econômicos ainda estão sendo contabilizados, mas embora seja de grandes proporções, deve ficar abaixo dos custos gerados pelos furacões Katrina e Harvey. Na previsão de o furacão atingir em cheio Miami, as estimativas apontavam um custo de US$ 200 bilhões. Mas, em termos materiais, as novas previsões estimam que o Irma trará um prejuízo de US$ 50 bilhões nos Estados Unidos e de US$ 170 bilhões no total (The Guardian).
De qualquer forma, é inédito o fato de dois furacões de categoria 4 ou 5 atingirem os Estados Unidos, em um curto espaços de semanas, provocando tantos danos econômicos. Evidentemente, todos estes desastres foram potencializados pelo aquecimento global que eleva a temperatura das águas oceânicas e aumenta a evaporação. O furacão mostra sua fúria por meio de fortes ventos, pesadas tempestades e elevação das marés.
Também é inédito que três furacões (Irma, José e Kátia) tenham se formado na Bacia do Atlântico Oeste, entre os dias 6 e 9 de setembro de 2017. Isto mostra as possibilidades de destruição destes eventos extremos, potencializados pelas mudanças climáticas (Sem contar o terremoto que atingiu os Estados de Oaxaca, Chiapas e Tabasco, no México, no dia 07/09 e provocou a morte de quase 100 pessoas). Os custos sociais dos eventos ambientais tendem a crescer.
Ajustando pela inflação, quatro dos cinco anos com os eventos climáticos extremos com mais de um bilhão de dólares, nos Estados Unidos, ocorreram desde 2010. A NOAA estima que o dano total – que inclui alívio de desastres, pagamentos do seguro público, danos materiais e interrupções às empresas – de todos os desastres naturais de 1980 a julho de 2017 totalizou US$ 1,2 trilhão. (Esse número inclui apenas desastres que causaram mais de US$ 1 bilhão de danos). Crescem as ações na justiça com as empresas poluidoras (como as petroleiras) que ganham com o lucro privado e socializam os prejuízos com os contribuintes de dentro e fora dos EUA.
A poluição e a voracidade humana por ocupação de espaço está sendo colocada em xeque pelos eventos climáticos extremos e pela elevação do nível dos oceanos. Diversas áreas já podem ser consideradas inabitáveis e outras estão ficando impróprias para as atividades econômicas, tornando-se deseconômicas. O aumento da capacidade de carga demoeconômica está provocando não apenas um holocausto biológico, mas, também, áreas ecúmenas estão se tornando, inospitamente, anecúmenas (Alves, 08/09/2017).
Infelizmente, tudo isto tende a ser o novo normal diante da realidade das mudanças climáticas. A natureza, que sempre forneceu os recursos para a riqueza e a prosperidade humana, agora começa a cobrar o preço de tantas agressões provocadas pelo crescimento das atividades antrópicas. Sem dúvida, a civilização não terá um encargo fácil ao lidar com o desequilíbrio homeostático do Planeta.
Referências:
ALVES, JED. O trilema da sustentabilidade o decrescimento demoeconômico, 22º Congresso Brasileiro de Economia, BH, 08/09/2017
https://pt.scribd.com/document/358390999/O-trilema-da-sustentabilidade-e-decrescimento-demoeconomico
https://pt.scribd.com/document/358390999/O-trilema-da-sustentabilidade-e-decrescimento-demoeconomico
ALVES, JED. O Furacão Harvey e os desastres climáticos no Antropoceno, Ecodebate, RJ, 04/09/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/09/04/o-furacao-harvey-e-os-desastres-climaticos-no-antropoceno-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
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Georgina Gustin. Damage from Hurricane Irma, Harvey Add to Growing U.S. Costs of Climate Change, Inside Climate News, 11/09/2017
https://insideclimatenews.org/news/11092017/hurricanes-irma-harvey-damages-cost-climate-change-global-warming-government-warnings
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How Irma unfolded: the hurricane by the numbers, The Guardian, 11/09/2017
Elizabeth Kolbert: An Honest Conversation About Climate Change Is Needed in Wake of Irma and Harvey, Democracy Now!, 11/09/2017
https://www.ecowatch.com/kolbert-climate-change-2484012460.html
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Eric Holthaus. Harvey and Irma aren’t natural disasters. They’re climate change disasters. Grist, Sep 11, 2017
https://grist.org/article/harvey-and-irma-arent-natural-disasters-theyre-climate-change-disasters/
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Jim Baird. Fueling the Planet with Hurricanes, The energy Collective, September 13, 2017
http://www.theenergycollective.com/jim-baird/2412453/fueling-planet-hurricanes
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Photos: what Hurricane Irma’s destruction in the Caribbean looks like on the ground, Vox, 11/09/2017
https://www.vox.com/science-and-health/2017/9/7/16264390/photos-hurricane-irma-destruction
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/09/2017
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