Cenários da queda da fecundidade e o futuro da população mundial, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”
Meta # 5B, ODM
[EcoDebate] A população mundial acelerou o crescimento desde o início da Revolução Industrial e Energética, ocorrida no final do século XVIII, quando passou de 1 bilhão de habitantes por volta do ano 1800 para 2 bilhões em 1930, 3 bilhões em 1960 e 4 bilhões em 1974. Entre 1800 e 1930 o crescimento natural da população mundial foi de 0,5% ao ano; passou para 1,4% ao ano entre 1930 e 1960; e para 2,1% aa entre 1960 e 1974, quando atingiu as maiores taxas de crescimento da história humana. Entre 1974 e 1987 o crescimento anual caiu para 1,6% aa, para 1,4% aa entre 1987 e 1999 e para 1,29% aa entre 1999 e 2011.
O gráfico acima mostra que o pico das taxas de crescimento da população mundial ocorreu no quinquênio 1965-1970. Os países menos desenvolvidos (aqueles de renda média) acompanharam a tendência da população mundial, mas em um ritmo um pouco mais elevado. Os países mais desenvolvidos (aqueles de alta renda) apresentam ritmos declinantes de crescimento desde o quinquênio 1955-60 e estão com a população praticamente estabilidade desde o início do século XXI. Mas são os países muito menos desenvolvidos (aqueles de renda baixa) que apresentam grande crescimento demográfico, chegando a apresentar taxas de quase 3% ao ano na década de 1980 e, embora tenha desacelerado um pouco, ainda possuíam taxas de crescimento em torno de 2,5% ao ano no quinquênio 2010-15.
O gráfico abaixo mostra que as taxas de fecundidade da Europa e América do Norte ficaram abaixo do nível de reposição (TFT = 2,1 filhos por mulher) a partir da década de 1970. A Ásia e a América Latina tiveram uma grande queda da fecundidade depois de 1970, mas ainda estão acima do nível de reposição. E a TFT da África só começou a cair nos anos de 1980 e ainda estão em níveis bastante elevados, significando alto crescimento demográfico.
As taxas de fecundidade total (TFT) do mundo subiram ligeiramente entre 1950 e 1965, mas tiveram uma queda expressiva entre 1970 e o ano 2000, quando caíram de cerca de 5 filhos por mulher para 2,7 filhos por mulher. A TFT foi reduzida quase pela metade em 30 anos. Contudo, a queda se desacelerou nos anos 2000 e estava em 2,52 filhos por mulher no quinquênio 2010-15. Ou seja, em 15 anos o declínio foi de somente 0,2 filho por mulher, enquanto no período 1970-2000 o declínio foi de 2,3 filhos por mulher.
A divisão de população da ONU (revisão 2017) indica que a TFT vai continuar caindo em ritmo lento, na hipótese média de projeção, e deve ficar em 2 filhos por mulher em 2100. Nesta trajetória, a população mundial vai continuar crescendo durante todo o século XXI. Porém, se a TFT acelerar o ritmo de queda (como mostra a projeção baixa da ONU), alcançando 1,5 filho por mulher em 2100, então haveria um declínio da população mundial. Nota-se que a diferença entre a projeção média e as projeções baixa e alta é de apenas 0,5 filho (meio filho em média).
Pequenas diferenças na TFT podem parecer irrelevantes, mas possuem um grande impacto sobre o volume da população no longo prazo, como mostra o gráfico abaixo. Se a TFT seguir a projeção alta (ficando com 2,5 filhos por mulher em 2100) então a população mundial será de quase 17 bilhões de habitantes em 2100. Se a TFT seguir a projeção média (2 filhos por mulher em 2100) então a população mundial será de 11,2 bilhões de habitantes no final do século. Mas se o declínio da TFT se acelerar, seguindo a projeção baixa (do gráfico acima) e atingir 1,5 filho por mulher em 2100, então a população mundial subiria até o pico de 8,8 bilhões de habitantes em 2053 e depois decresceria para 7,2 bilhões em 2100. Portanto, uma diferença de apenas 0,5 filho por mulher pode fazer a população mundial variar de algo em torno de 17 bilhões (na projeção alta) a 7 bilhões de habitantes no final do atual século (na projeção baixa).
Estes dados das projeções demográficas da Divisão de População da ONU mostram que não existe nenhum determinismo sobre o futuro da população mundial. Se a queda das taxas de fecundidade se acelerarem nos próximos anos e décadas, a população mundial pode ter um volume em 2100 menor do que o número atual de habitantes do globo.
A queda da TFT pode ocorrer totalmente dentro dos marcos dos direitos reprodutivos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, no mundo, existem mais de 225 milhões de mulheres em período reprodutivo sem acesso aos métodos de regulação da fecundidade. O número de gravidez indesejada é alto. A meta # 5B dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) dizia: “Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”. Esta meta não foi alcançada. Agora, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) também colocam como meta a universalização dos serviços de saúde sexual e reprodutiva até 2030. Evidentemente, esta procrastinação não é boa para a saúde das mulheres e nem para os bebês que nascem de uma gravidez indesejada e vão correr riscos cada vez maiores diante dos desafios econômicos, sociais e ambientais. Por exemplo, o surto dos casos de microcefalia no Brasil, diante da epidemia de zika, poderia ser evitado se houvesse bons serviços de saúde reprodutiva no país.
O ser humano tem livre arbítrio e pode construir o futuro com mais ou menos gente. A humanidade pode escolher o caminho do maior ou do menor crescimento demográfico, desde que haja respeito aos direitos sexuais e reprodutivos e a regulação da fecundidade seja uma escolha livre dos casais e das pessoas.
Qualquer que seja a decisão será preciso levar em consideração as condições ambientais do Planeta, a sobrevivência das demais espécies, a manutenção da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas. O progresso civilizacional tem ocorrido às custas de um holocausto biológico. A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. A redução das taxas de fecundidade – que levariam a uma redução da população até o ano 2100 – pode ser um passo importante para a sobrevivência da vida no Planeta.
Mas não basta apenas o decrescimento demográfico. É preciso também decrescer as atividades econômicas mais danosas ao meio ambiente e colocar a Pegada Ecológica em equilíbrio com a biocapacidade da Terra. No Holoceno havia estabilidade climática. No Antropoceno, depois da grande aceleração das atividades antrópicas, as condições de vida na biosfera se degradaram e, no ritmo atual, as futuras gerações de humanos e não humanos podem receber de herança um habitat inabitável e inóspito.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/09/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário