Brasil e China: o desafio de enriquecer antes de envelhecer
[EcoDebate] Todo país rico – isto é, com alta qualidade de vida e elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH acima de 0,87) – passou pela transição demográfica e aproveitou a janela de oportunidade gerada pela mudança da estrutura etária da pirâmide populacional. Não existe exceção. A transição demográfica é fundamental para o enriquecimento de qualquer país em função de dois vetores: 1) redução das taxas de mortalidade; e 2) redução das taxas de fecundidade.
A redução da taxa bruta de mortalidade é fundamental para o desenvolvimento por vários aspectos. Primeiro, é preciso considerar que toda morte significa uma perda. Segundo, a diminuição da mortalidade infantil é uma condição essencial para evitar o trauma da perda precoce de um filho e para evitar que as mulheres em período reprodutivo passem muito tempo se dedicando às tarefas de reprodução. Terceiro, a queda das taxas de mortalidade de adultos aumenta a esperança de vida e permite que as pessoas tenham mais tempo para se dedicar às tarefas produtivas.
Já a redução das taxas de fecundidade é fundamental para a redução do tamanho das famílias e para a possibilidade da mobilidade intergeracional ascendente. Casais com menor número de filhos, em geral, conseguem aumentar o investimento em seu próprio capital humano e na saúde e educação das crianças, aumentando os retornos futuros para toda a família.
Além do mais, a transição demográfica gera necessariamente uma janela de oportunidade com a modificação da estrutura etária, via redução da base da pirâmide etária e aumento da proporção de pessoas em idade produtiva. Este fenômeno conhecido como bônus demográfico é fundamental para a decolagem do desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. O bônus demográfico só acontece uma vez na história de cada país e o seu aproveitamento é a condição para o enriquecimento antes do envelhecimento populacional.
O Brasil e a China são dois países que estão tentando aproveitar o bônus demográfico para erradicar a pobreza e dar um salto na qualidade de vida de seus habitantes. O gráfico abaixo mostra que o Índice de Envelhecimento (pessoas de 65 anos e mais sobre as pessoas de 0 a 14 anos) tem aumentado nos dois países, mas com maior rapidez na China, pois a transição demográfica está mais avançada no gigante asiático.
O Índice de Envelhecimento, em 1980, estava em 9,7 idosos (65 anos e mais) para cada 100 crianças e adolescentes (0-14 anos) no Brasil e em 12,4 na China. Em 2015, o IE subiu para 34 no Brasil e 55,4 na China. Em 2025, o IE deve ficar em 58 no Brasil e 87 na China. Portanto a China está passando por um processo de envelhecimento populacional em ritmo mais acelerado do que o Brasil. O IE deve ultrapassar a barreira simbólica de 100 (quando o número de idosos é maior do que o número de crianças e adolescentes) pouco antes de 2030 na China e pouco antes de 2040 no Brasil. Se a data de início do envelhecimento for considerada 60 anos, então estas datas devem ocorrer ainda mais cedo.
É exatamente neste período no qual o IE está abaixo de 100 que acontece o bônus demográfico e em que a janela de oportunidade permite que se dê o salto no processo de desenvolvimento econômico e social. Ou se aproveita este momento histórico ou o sonho do enriquecimento se perde para sempre.
A China é um país que tem aproveitado bem o seu bônus demográfico e o Brasil aproveitou apenas parcialmente. Em 1980, a renda per capita do Brasil (em poder de paridade de compra – ppp) era de US$ 4,8 mil, enquanto a renda per capita da China era de apenas US$ 0,3 mil (300 dólares), segundo dados do Fundo Monetário Internacional. Ou seja, o Brasil tinha uma renda per capita quase 16 vezes maior do que a renda per capita chinesa.
Em 2016, a renda per capita brasileira chegou a US$ 15 mil, mas foi ultrapassada pela renda per capita chinesa que chegou a US$ 15,1 mil. As projeções do FMI indicam que em 2021 a renda per capita chinesa será de US$ 21,7 mil e a do Brasil será de US$ 17,1 mil. Em 41 anos da janela de oportunidade, a renda per capita corrente do Brasil terá sido multiplicada por um fator de 3,6 vezes, enquanto a renda per capita da China terá sido multiplicada por um fator de 71 vezes. Mesmo tendo um ritmo mais acelerado do avanço do envelhecimento populacional, a China conseguiu avançar bem mais do que o Brasil.
Tudo indica que a renda per capita chinesa, mesmo com uma população de quase 1,4 bilhão de habitantes, vai ultrapassar os US$ 30 mil per capita, antes do IE atingir a cifra de 100 idosos (65 anos e +) para cada 100 crianças e adolescentes (0-14 anos). Ou seja, a China deve atingir o grupo de países de alta renda antes de ficar envelhecida. A economia chinesa tem indicadores relativamente sólidos na área de comércio internacional, nas taxas de investimento, na melhoria das condições de saneamento básico e, principalmente, na área de educação e no avanço científico e tecnológico.
Já o Brasil tem apresentado ganhos modestos no crescimento da renda e a década de 2011-20 já pode ser chamada de segunda década perdida, pois haverá decréscimo da renda per capita. Além do mais, o Brasil tem vários problemas sociais para resolver, um sistema educacional de baixa qualidade e a economia brasileira não tem baixa produtividade e enfrenta um déficit fiscal de grandes proporções. A dívida interna brasileira pode comprometer o futuro do país. Assim é grande a possibilidade de o Brasil envelhecer antes de ficar rico. Seria uma derrota monumental e agravaria o bem-estar das gerações presentes e futuras.
O Brasil pode ficar preso para sempre na chamada “armadilha da renda média”, sem nunca dar o salto para o clube das nações mais ricas do globo. A atual crise econômica brasileira pode comprometer, definitivamente, as perspectivas de um alto padrão de vida para a maioria da população e uma perspectiva de uma velhice plenamente saudável e confortável. O alto nível de desemprego e a baixa qualidade da educação brasileira estão provocando o fim precoce do bônus demográfico e será quase impossível arranjar uma mágica para o Brasil se tornar um país plenamente desenvolvido na nova configuração sociodemográfica.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/01/2018
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