quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

REÚSO POTÁVEL DE ÁGUA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO E EM OUTROS PAÍSES.

Reúso Potável de Água na Região Metropolitana de São Paulo e em outros Países, por Ivanildo Hespanhol e Paulo Afonso da Mata Machado


Reúso Potável de Água na Região Metropolitana de São Paulo e em outros Países

Ivanildo Hespanhol, Ph.D.
Professor Titular da Escola Politécnica da USP
Diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água-CIRRA/IRCWR/USP
e
Mata Machado, Paulo Afonso da
Engenheiro Civil e Sanitarista, MS in Environmental Science and Engineering
artigo
1. O cenário
A Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, se situa nas cabeceiras do rio Tietê, cuja disponibilidade hídrica é insuficiente para o abastecimento de sua população, estimada em cerca de 20 milhões de habitantes e o consumo industrial de um gigantesco parque industrial. Por isso, necessita importar água de outras bacias hidrográficas, destacando-se a reversão de aproximadamente 30 m3/s da bacia do PCJ (Piracicaba, Capivarí e Jundiaí).
A cultura de importação de água de bacias distantes para satisfazer o crescimento da demanda remonta a mais de dois mil anos. Os romanos, que praticavam uso intensivo de água para abastecimento domiciliar e de suas termas, procuravam, de início, captar água de mananciais disponíveis nas proximidades. À medida que estes se tornavam poluídos pelos esgotos dispostos sem nenhum tratamento ou ficavam incapazes de atender à demanda, os romanos passavam a aproveitar a segunda fonte mais próxima e, assim, sucessivamente. Essa prática deu origem à construção dos grandes aquedutos romanos, dos quais existem, ainda, algumas ruínas, em diversas partes do mundo. (Hespanhol, 2008)
Tal sistemática foi e é irracional, pois resolve, precariamente, o problema de abastecimento de água em uma região em detrimento daquela que a fornece. Há, portanto, necessidade de se adotar novo paradigma que substitua a versão romana de transportar grandes volumes de água de bacias cada vez mais longínquas.
A Agência Nacional de Águas e a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (2017) reportam que 43% da população brasileira possui esgoto coletado e tratado e 12% utilizam-se de fossa séptica (solução individual), ou seja, 55% possuem tratamento considerado adequado. Dizem também que 18% têm seu esgoto coletado e não tratado, o que pode ser considerado como um atendimento precário; e 27% não possuem coleta nem tratamento, isto é, sem atendimento por serviço de coleta sanitário.
Na RMSP, a situação não difere muito. Seu consumo atual de cerca de 80 m3/s gera, aproximadamente, 64 m3/s de esgoto. Como a capacidade instalada de tratamento na região é de apenas 16 m3/s, o esgoto bruto remanescente, isto é, 48 m3/s são despejados sem nenhum tratamento. Desse modo, a importação de água para a RMSP somente vai aumentar o problema do descarte de esgoto em corpos de água adjacentes, tornando-os cada vez mais poluídos.
Está em fase de projeto executivo a captação de água junto ao reservatório Cachoeira do França, no rio São Lourenço, Alto Juquiá, para uma produção média de 4,7 m3/s, desconsiderando a vazão de esgoto a ser gerado por essa nova adução, de aproximadamente 3,8 m3/s, os quais, certamente, serão dispostos nos já poluídos corpos hídricos da RMSP.
Além disso, o projeto envolve sistemas convencionais de tratamento, que já estão ultrapassados, e não tem viabilidade econômica, pois as linhas de água bruta e de água tratada somam, aproximadamente, 100 quilômetros, atingindo a região metropolitana de São Paulo após um recalque superior a 300 metros, demandando investimento de cerca de 2,2 bilhões de reais. (Sabesp, 2011)
2. Sustentabilidade de sistemas de abastecimento de água
Sustentabilidade é um conceito técnico/filosófico genérico que não tem, isoladamente, significado prático e não pode ser avaliado em termos quantitativos.
Em se tratando de sistemas de abastecimento de água, para avaliar sua sustentabilidade, há necessidade de se considerar algumas variáveis sistêmicas. A sustentabilidade, nesse caso, deve ser visualizada como a probabilidade pela qual um sistema de abastecimento de água pode, permanentemente, suprir a demanda em condições satisfatórias. As variáveis mais importantes, que estabelecem, ou não, uma condição de sustentabilidade são: (Hashimoto et al, 1982)
  1. robustez, refletindo desempenho consistente e capacidade de atender a uma demanda crescente, mesmo em condições de diversos tipos de estresses;
  2. resiliência, a habilidade do sistema de recuperar seu estado satisfatório após sofrer impactos negativos, como, por exemplo, a perda de capacidade de atendimento de fontes de abastecimento; e
  3. vulnerabilidade, a magnitude da falha de um sistema de abastecimento.
Sistemas como o que abastece a RMSP, não são, portanto, sustentáveis, porque são pouco robustos, possuem resiliência praticamente nula e são extremamente vulneráveis, uma vez que permanecem na dependência de recursos oriundos de bacias que, por sua vez, também estão submetidas a condições extremas de estresse hídrico.
3. Reúso de Água e Sustentabilidade
A solução moderna e sustentável que potencializa significativamente a robustez e a resiliência do sistema de abastecimento de água da RMSP consiste em se tratar e reusar, para finalidades diversas, os esgotos já disponíveis no planalto em que a região se localiza, inclusive para complementação do abastecimento público.
4. A importância doe reúso potável da água
A falta de recursos hídricos e o aumento dos conflitos pelo uso da água gerou a emergência da conservação e do tratamento e reúso como componentes formais da gestão de recursos hídricos. Os benefícios inerentes à utilização de água recuperada para usos benéficos, ao contrário de disposição ou descarga, inclui a preservação de fontes de qualidade elevada, proteção ambiental e benefícios econômicos e sociais. (Asano, 2007)
Nas regiões áridas e semiáridas, a água se tornou fator limitante para o desenvolvimento urbano, industrial e agrícola. Planejadores e entidades gestoras de recursos hídricos buscam novas fontes de recursos para atender às demandas crescentes, principalmente dos setores domésticos e industriais. No polígono das secas do nosso nordeste, a dimensão do problema é tamanha que resultou na transposição de águas do rio São Francisco, visando ao atendimento da demanda de estados da região semiárida situados ao norte e a leste de sua bacia de drenagem.
Diversos países do Oriente Médio, onde a precipitação média oscila entre 100 e 200 mm por ano, dependem de alguns poucos rios perenes e de pequenos reservatórios de água subterrânea, geralmente localizados em regiões montanhosas, de difícil acesso. Em muitos desses países, a água potável é proporcionada através de sistemas de dessalinização da água do mar e, devido à impossibilidade de se manter uma agricultura irrigada, mais de 50% da demanda de alimentos é satisfeita através da importação de produtos alimentícios básicos. (Hespanhol, 1999)
Entretanto, a prática de reúso de água não é aplicável exclusivamente a regiões áridas e semiáridas. Muitas regiões com recursos hídricos abundantes, mas insuficientes para atender a demandas excessivamente elevadas, também experimentam conflitos de uso e sofrem restrições de consumo que afetam o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida. O Alto Tietê, por sua condição característica de manancial de cabeceira, apresenta vazão garantida de apenas 14,0 m3/s, (Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, 2009) e, por isso, sua bacia é considerada crítica em relação a disponibilidade hídrica superficial, de vez que as demandas suplantam a capacidade disponível e somente são atendidas pela regularização e importação de água. (Borges, L. A., 2009)
Antevendo, precocemente, a necessidade de se modificar políticas ortodoxas de gestão de recursos hídricos, principalmente em áreas carentes, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas propôs, em 1958, que, “a não ser que exista grande disponibilidade, nenhuma água de boa qualidade deve ser utilizada para usos que tolerem águas de qualidade inferior”. (Hespanhol, 2000)
As águas de qualidade inferior, tais como esgotos de origem doméstica, águas de lavagem de filtros de sistemas de tratamento de água, efluentes industriais, águas de drenagem agrícola e águas salobras eram consideradas como fontes alternativas para usos menos restritivos. Hoje, com o uso de tecnologias apropriadas, a Organização Mundial de Saúde (2017) considera que da água dessas fontes podem abandonar sua condição de qualidade inferior para se transformar em água potável e, portanto, uma solução sustentável será a de tratar e reusar os esgotos já disponíveis nas áreas urbanas para complementar o abastecimento público.
Portanto, numa primeira etapa, a proposta de reutilização dos esgotos se desenvolveu em termos de reúso para demandas urbanas não potáveis. Posteriormente, essa proposta se ampliou no sentido de se adotar o reúso para fins potáveis. Esse conceito, além de se constituir em solução econômica e ambientalmente correta, proporciona água segura, o que não é, atualmente, garantido por sistemas convencionais de tratamento que tratam águas provenientes de mananciais extremamente poluídos, inclusive com poluentes emergentes. De acordo com a Agência Nacional de Águas – ANA e a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (2017), mais de 110 mil km de trechos de rio estão com a qualidade comprometida devido ao excesso de carga orgânica, sendo que, em 83.450 km, não é mais permitida a captação para abastecimento público devido à poluição e, em 27.040 km, a captação pode ser feita, mas requer tratamento avançado. As tecnologias de tratamento e de certificação da qualidade da água disponíveis permitem que mananciais desprotegidos, mesmo os considerados inaproveitáveis pela Agência Nacional de Águas, possam fornecer água para estações de reúso potável.
5. Sistemas de Reúso Potável (Hespanhol, 2014)
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/12/2018

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