O colapso do gelo da Groenlândia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Tomei a decisão de proteger o único lugar que chamo de lar: a Terra. Juntei-me a outros jovens em todo o mundo para proteger nosso futuro. Através de lutas intermináveis e noites sem dormir, seguimos em frente. Porque esse é o nosso futuro”Hilda Nakabuye (11/10/2019)
[EcoDebate] A Groenlândia tem gelo suficiente para elevar o nível dos oceanos em 7 metros. Um degelo total da ilha seria uma catástrofe para todas as cidades e atividades humanas litorâneas que ficariam submersas com o colapso das calotas do território pertencente à Dinamarca.
Há diversas evidências de que, em épocas geológicas passadas, grande parte do gelo da Groenlândia derreteu quando as temperaturas da Terra estavam apenas um pouco mais quentes que as de hoje. O aquecimento global antrópico está empurrando a camada de gelo para além desse ponto de inflexão num ritmo mais acelerado do que qualquer outra Era geológica.
Estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences – PNAS (Nil Irvali et. al. 23/12/2019) mostra que o degelo da Groenlândia depende da intensidade e da duração do aquecimento global e que é arriscado superestimar a estabilidade das camadas de gelo da ilha. O estudo avaliou que um aquecimento modesto já seria capaz de reduzir drasticamente as partes da camada de gelo da Groenlândia que são difíceis de derreter. Áreas da camada de gelo consideradas relativamente estáveis, incluindo as seções sul e sudeste de alta altitude, podem derreter devido apenas a um pequeno aumento nas temperaturas em relação a hoje.
Os pesquisadores analisaram as impressões digitais químicas de conchas fossilizadas do fundo do oceano na Groenlândia, datadas de cerca de 400.000 anos, para estabelecer um registro detalhado das mudanças de temperatura na região. Eles compararam esses dados com os registros das camadas de sedimentos do fundo do mar, que incluem diferentes tipos de materiais lavados em diferentes partes da superfície da Groenlândia, mostrando quando essas partes da Groenlândia estavam sem gelo. Os resultados mostram que muito do gelo da Groenlândia pode derreter com menos aquecimento do que se pensava se o aquecimento for mantido por muito tempo.
Os autores consideram que, quando um limiar é ultrapassado – após a ocorrência de derretimento suficiente – a perda de grandes quantidades de gelo se tornava inevitável. No passado, a perda de gelo da Groenlândia continuou mesmo quando as temperaturas começaram a esfriar novamente, porque o derretimento altera a geometria da camada de gelo, em parte pela exposição de mais gelo nu ao longo das bordas íngremes. Esse gelo é mais escuro e absorve mais calor, levando a um derretimento adicional em um ciclo de retroalimentação clássico do aquecimento global.
A elevação do nível do mar não é a única preocupação com o derretimento na camada de gelo da Groenlândia, mostra o estudo. Há evidências crescentes de que a contínua descarga de água fria e fresca também está atrapalhando a corrente oceânica que ajuda a equilibrar o clima global, circulando água fria e profunda das regiões polares em direção ao equador. Os contrastes de temperatura e salinidade impulsionam o que é conhecido como circulação termohalina, ou a grande correia transportadora oceânica . Perto dos pólos, a água da superfície mais fria fica mais salgada devido à evaporação e afunda, fazendo com que a água flua horizontalmente até que possa subir de volta em direção à superfície.
Segundo a NSIDC (11/11/2019), no geral, o derretimento na camada de gelo da Groenlândia para 2019 foi o sétimo mais alto desde 1978, atrás de 2012, 2010, 2016, 2002, 2007 e 2011. Desde 2000, a camada de gelo sofreu um aumento geral no derretimento, com área de dia de derretimento para 2019 totalizando 28,3 milhões de quilômetros quadrados para a temporada. O derretimento foi observado em quase 90% da ilha em, pelo menos, um dia, atingindo grande parte das áreas de alta altitude. Foi particularmente intenso ao longo da borda norte do manto de gelo, quando comparado à média de 1981 a 2010, o derretimento ocorreu por mais 35 dias. O número de dias com o derretimento também ficou um pouco acima da média no flanco ocidental da camada de gelo, com cerca de 15 a 20 dias a mais que a média. No sul e sudeste, o derretimento foi ligeiramente inferior à média em alguns dias (ver figuras acima e abaixo).
Os principais fatores para perda de massa superficial e derretimento da Groenlândia em 2019 incluem: 1) persistência excepcional de condições anticiclônicas (alta pressão) durante o verão de 2019, promovendo clima seco e ensolarado que melhorou o derretimento da superfície, graças ao feedback de derreter-albedo 2) baixa queda de neve no outono-inverno-primavera anterior, particularmente nas áreas de alto derretimento do oeste da Groenlândia.
Ainda segundo a NSIDC, a alta pressão foi dominante ao longo do lado noroeste da Groenlândia e da Baffin Bay durante o período de derretimento em junho, julho e agosto de 2019, impulsionou o ar mais quente em direção à região norte da camada de gelo, levando a condições de céu claro que promoviam a energia solar. À medida que a fina cobertura de neve do inverno derreteu no início do verão, gelo mais escuro foi exposto. O clima limpo e ensolarado levou a uma taxa de escoamento muito alta, resultando em grandes perdas de massa. A alta pressão persistente sobre Baffin Bay levou alguns ventos descendentes ao longo das costas do sudoeste. O derretimento ao longo da costa norte, simulado pelo MAR, foi o mais alto registrado desde 1978.
Os meses de verão foram apenas moderadamente mais quentes que a média em relação a 1981 a 2010, aproximadamente 1 a 2 graus Celsius mais altos ao longo da costa oeste. Isso confirma que o principal fator de derretimento da superfície em 2019 foram os dias sem nuvens acima da média e não a temperatura do ar mais quente como no derretimento do verão de 2012.
Apesar do número menor que o recorde de dias de derretimento, os modelos mostram que 2019 teve uma perda líquida de gelo muito grande para o ano, com pouco mais de 300 Gt, quase igual ao ano de derretimento intenso de 2012. A Groenlândia é a região da criosfera que mais perde massa de gelo.
Trabalho de Shepherd, e Rignot, publicado na revista Nature(10/12/2019), mostra que nas últimas décadas, o manto de gelo da Groenlândia tem sido um dos principais contribuintes para o aumento global do nível do mar, assim como espera-se que ocorra no futuro próximo. Embora os aumentos no fluxo das geleiras e no derretimento da superfície tenham sido causados pelo aquecimento oceânico e do atmosférico, o grau e a trajetória do desequilíbrio de hoje permanecem incertos.
O trabalho compara 26 medições individuais de satélite de alterações no volume, no fluxo e no potencial gravitacional da camada de gelo para produzir uma estimativa reconciliada de seu balanço de massa. Embora o manto de gelo estivesse próximo de um estado de equilíbrio nos anos 90, as perdas anuais aumentaram desde então, chegando a 335 ± 62 bilhões de toneladas por ano em 2011. No total, a Groenlândia perdeu 3.800 ± 339 bilhões de toneladas de gelo entre 1992 e 2018 , fazendo com que o nível médio do mar tenha subido 10,6 ± 0,9 milímetros.
A figura abaixo mostra que a contribuição do degelo da Groenlândia para o aumento do nível dos oceanos é crescente e maior do que a contribuição da Antártida.
O fato incontestável é que o degelo dos polos e dos glaciares fará o nível do mar subir vários metros, dependendo do tempo a considerar e dos níveis das emissões futuras. A humanidade alterou a química da atmosfera e rompeu com o equilíbrio homeostático do Planeta. As condições de clima estável do Holoceno não existem mais no Antropoceno. A natureza virou uma vítima dos seres humanos, mas daqui para a frente a humanidade sofrerá as consequências do aquecimento global antrópico. Os custos poderão superar todos os benefícios do progresso dos últimos 250 anos.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
Nil Irvali et. al. A low climate threshold for south Greenland Ice Sheet demise during the Late Pleistocene, PNAS first published December 23, 2019
Shepherd, A., Ivins, E., Rignot, E. et al. Mass balance of the Greenland Ice Sheet from 1992 to 2018. Nature (2019) doi:10.1038/s41586-019-1855-2, 10/12/2019
NSIDC. Large ice loss on the Greenland ice sheet in 2019, 11/11/2019
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/01/2020
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