domingo, 13 de setembro de 2020

CIDADANIA ECOLÓGICA NO BRASIL: O CONSUMIDOR RESPONSÁVEL.

Cidadania Ecológica no Brasil: O Consumidor Responsável


sustentabilidade
Foto: Pixabay

Cidadania Ecológica no Brasil: O Consumidor Responsável

Artigo de José Austerliano Rodrigues
[EcoDebate] Cidadania é um assunto bastante discutido nos dias de hoje por estar no centro do engajamento dos indivíduos com a comunidade e o governo, estando intrínseca na relação entre a vida individual e da sociedade como um todo.
O debate sobre cidadania ecológica iniciou-se desde o final dos anos de 1990, definindo diferentes posições: primeiramente, por autores que rejeitaram a possibilidade da noção de cidadania ecológica (ISIN; WOOD, 1999), depois, por orientações truncadas (VAN STEENBERGEN, 1994), caracterizadas por uma dependência no trabalho de Thomas Humphrey Marshall e sua ênfase nas questões dos direitos civis, políticos e sociais. Em seguida, surgiram alguns exemplos isolados com foco numa “política de obrigação” como base para a cidadania ecológica (SMITH, 1998). Através desta política de obrigação, os seres humanos têm obrigação para com os animais, árvores, montanhas, oceanos, e outros membros da comunidade biótica (SMITH, 1998). Finalmente, o trabalho considerado como sendo o mais consistente para o exame da cidadania, do ponto de vista ecológico, veio de DOBSON (2003) e SAIZ (2005).
A noção de cidadania ecológica é amplamente baseada em deveres e não em direitos, ou seja, cidadania ecológica é mais sobre deveres do que direitos (DOBSON, 2003; SAIZ, 2005). Para Dobson (2003), a cidadania ecológica é um tipo de cidadania pós-cosmopolitana. A posição deste autor é que a cidadania tem uma arquitetura conceitual contendo três elementos: cidadania como direito e exercício da responsabilidade; a esfera pública como local tradicional da atividade de cidadania e o Estado-nação como o “container” político da cidadania.
O enfoque proposto pelo sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall, em uma célebre conferência de Oxford, em 1949, apresenta a vantagem de analisar o contexto histórico no qual se originou e se desenvolveu o estatuto de cidadão Marshall (1950 apud DÉLOYE,1999). Ele decompõe este estatuto em três elementos: o elemento civil, isto é, os direitos necessários às liberdades individuais; o elemento político, que consiste no direito de participar no exercício do poder; o elemento social que diz respeito à participação no bem-estar econômico da sociedade e o livre acesso à proteção social.
Para a sociologia britânica, as sociedades Ocidentais teriam abordado, sucessivamente, essas três dimensões da cidadania, ocupando cerca de um século para o “desenvolvimento” harmonioso e completo de cada uma de suas etapas (DÉLOYE,1999).
Fortemente influenciada pela experiência britânica (e, especialmente, pelo debate ocasionado, a partir de 1942, pelo plano Beveridge), esta teoria liberal e evolucionista da cidadania apresenta o interesse de deslocar o olhar do analista do domínio estritamente jurídico para o domínio histórico: o que é privilegiada, neste caso, é a compreensão dos acontecimentos históricos (advento do sufrágio universal, nascimento do Estado de bem-estar social) que favoreceram a “extensão” progressiva de tal papel social. A cidadania é, nesta perspectiva, uma espécie de indicador da modernidade política Bendix (1977 apud DÉLOYE,1999).
A seguir, serão apresentadas uma descrição sucinta da concepção de cidadania por Marshall, conforme tabela 1 abaixo:
Tabela 1 – A concepção de cidadania de Thomas Humphrey Marshall
Civil
Político
Social
Direitos
Liberdade da pessoa
Liberdade de expressão
Liberdade de Pensamento
Liberdade de Crença
Direito de Propriedade
Direito de Fazer Contratos
Acesso a uma justiça igualitária
Elegibilidade
Direito de Voto
Bem-estar econômico
Proteção Social
Período
Século XVIII
Século XIX
Século XX
Instituição
Estado de Direito
Sufrágio Universal
Estado de
Bem-Estar Social
Fonte: Adaptado de Déloye,1999.
Marshall (1967), o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do governo local. E por fim, o elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas ao social são o sistema educacional e os serviços sociais Dalton (1929 apud MARSHALL, 1967).
Como vimos anteriormente, a cidadania desenvolvida por Marshall era composta de três formas de cidadania – civil, política e social, sendo que a cidadania social foi vista, por este autor, como o ponto final de um desenvolvimento que durou em torno de três séculos. No início do atual século, a cidadania ganhou uma nova e quarta dimensão, denominada de cidadania ecológica (VAN STEENBERGEN, 1994). Assim sendo, segundo Van Sttenbergen (1994), a noção de cidadania ecológica foi uma adição e uma correção às três formas de cidadania citadas acima.
O conceito de cidadania ecológica, desenvolvido por Dobson (2003) nos países ricos Ocidentais, não está sendo muito discutido nos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina. Contudo, na linha de pensamento de Dobson (2003), que enfatiza um consumidor mais responsável, tem havido um despertar, inclusive no Brasil, para a cidadania ecológica, que estimula um novo ator, o chamado consumidor-cidadão (PORTILHO, 2010; SEYFANG, 2006; SPAARGAREN; OOSTERVEER, 2010).
Comenta-se que este cidadão exerce tal comportamento diariamente no intuito de reduzir os seus impactos negativos (e os de outros consumidores), incorporando essa atitude na sua tomada de decisão e na formação do seu comportamento de compra (SILVA; OLIVEIRA; GÓMEZ, 2013). Como já foi dito, este indivíduo e suas escolhas de consumo ganham relevo pela percepção de uma cidadania ecológica, capaz de mudar a sociedade em direção a uma mais sustentável (PORTILHO, 2010).
José Austerliano Rodrigues. Especialista Sênior em Sustentabilidade de Marketing e Doutor em Marketing Sustentável pela UFRJ, com ênfase em Sustentabilidade e Marketing, com interesse em pesquisa em Marketing Sustentável, Sustentabilidade de Marketing, Responsabilidade Social e Comportamento do Consumidor. E-mail: austerlianorodrigues@bol.com.br.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/09/2020

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