Dos Alimentos Que Matam Para Os Que Curam
– Por uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional
Artigo de José Rodrigues Filho
[EcoDebate] Em recente artigo no New York Times, intitulado “Nosso Alimento está Matando Muitos de Nós” (Our Food Is Killing Too Many of Us), os autores trataram os alimentos do ponto de vista nutricional, alegando que uma dieta pobre é a principal causa de mortalidade nos Estados Unidos, causando mais de meio milhão de mortes por ano. Foi estimado que 10 fatores dietéticos causam cerca de mil mortes diariamente, só de doenças do coração e diabéticos. Os custos com estas duas doenças são elevadíssimas em todo o mundo. Para os autores do trabalho, o custo econômico total da obesidade é estimado em US$ 1.72 trilhões por ano, ou 9.3 do Produto Interno Bruto.
Enquanto o trabalho acima enfatiza as questões nutricionais dos alimentos, neste texto a segurança alimentar é enfatizada, embora os dois temas devam ser tratados conjuntamente. O controle de qualidade de alimentos está mais voltado para a segurança alimentar, que no Brasil ainda é pobre, mesmo quando existe algum controle. Há cerca de 25 anos atrás, elaboramos um trabalho intitulado “Controle e Qualidade de Alimentos em Saúde Pública”, o qual parece atual, tendo sido citado recentemente em duas dissertações de mestrados, citadas abaixo.
O conceito de qualidade de alimentos é complexo. No mercado significa um apelo de vendas ou de economia para o consumidor. Para as revistas de nutrição o conceito de qualidade de alimentos significa um apelo à boa saúde e para os toxicologistas qualidade quer dizer segurança, já que os alimentos devem ser inofensivos. Assim sendo, a segurança de alimentos tem sido definida como sendo uma prova razoável de certeza de que os alimentos são sanitariamente adequados, reconhecendo-se a relação que existe entre qualidade de produto e qualidade de vida das pessoas. Mesmo sendo complexa a medida de qualidade de alimentos, não se pode desprezar o controle de qualidade e a relação que os alimentos têm com a saúde das pessoas. Portanto, o produto alimentício que põe em risco a saúde não tem qualidade.
Numa das dissertações de mestrado, acima citadas, a pesquisadora Tarciara Magley da Fonseca Pereira, da Universidade Federal Rural do Semi-Arido, Rio Grande do Norte, analisou a relação entre as boas práticas de fabricação e a qualidade do queijo de coalho produzido no município de São Rafael – RN. Os resultados de seu trabalho mostraram que as queijarias de São Rafael não faziam uso de boas práticas de fabricação, tornando os produtos impróprios para o consumo, diante da contaminação de bactérias e vírus mortíferos como o Staphylococcus aureus, Salmonella, além dos coliformes e outros. Porém, com a capacitação dos pequenos produtores e uso de uma gestão de boas práticas de fabricação e pasteurização do leite, a qualidade microbiológica do queijo de coalho melhorou substancialmente, tornando-se próprio para o consumo humano.
Por outro lado, a pesquisadora Jéssica de Aragão Freire Ferreira, em sua dissertação de mestrado na Escola de Saúde Pública da USP, enfatizou que “um alimento seguro ou inócuo é aquele livre ou que contenha níveis aceitáveis de contaminantes de origem biológica, química ou física, sendo, portanto, incapaz de oferecer riscos ou danos à saúde do consumidor”. Dados do Ministério da Saúde no período de 2000 a 2015, que tratavam de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) foram analisados no seu trabalho. Segundo a autora, dados da Organização Mundial de Saúde mostram que mais de um terço da população mundial, incluindo os países desenvolvidos, “é acometida por surtos de DTA anualmente, embora a maioria dos casos não seja notificada às autoridades sanitárias locais”.
Os surtos de DTA resultaram em mais de duzentos mil doentes e 67 óbitos. Para a autora o principal local de ocorrência dos surtos de DTA são as residências, “seguidas pelos restaurantes/padarias, creches e escolas, sendo a bactéria Salmonella a mais presente, principalmente em produtos derivado de ovos. A pesquisa critica a subnotificação de casos no Brasil e faz um apelo para o desenvolvimento de medidas políticas, educativas, legislativas e de pesquisa, voltadas para o controle de surtos de origem alimentar. Assim, no Brasil informações sobre doenças e mortes causadas por alimentos são limitadas.
Felizmente, com os avanços da ciência da nutrição e de outras especialidades tais como a ciência e tecnologia de alimentos, gestão de alimentos e outras, é possível se ter uma alimentação saudável e de níveis nutricionais adequados, tornando os alimentos uma espécie de medicina para a cura de muitas doenças. Com uma liderança governamental junto ao setor privado é possível promover um melhor bem-estar e baixar os custos de cuidados de saúde. O governo tem que começar a taxar de forma elevada todos os sucos e bebidas açucarados, bem como uma série de alimentos nocivos e ofensivos à saúde e subsidiar as empresas que produzem alimentos de proteção à saúde. Isto já é praticado contra as indústrias de tabaco e bebidas alcoólicas. Além disto, os níveis de aditivos ofensivos à saúde tais como sódio, açúcar e gorduras trans podem ser reduzidos através de decisões voluntárias das indústrias ou de regulação de padrões de segurança dos alimentos.
Assim sendo, precisamos mudar dos alimentos que matam para os alimentos que curam. Recente texto aqui no EcoDebate não só tratou dos agrotóxicos e da “comida que nos matam” como ofereceu uma extensa literatura sobre o tema. Com o surpreende aumento de uso de agrotóxicos no Brasil no corrente ano, o discurso de sustentabilidade da agricultura brasileira não é só falso, como afeta a agroindústria e vários setores da cadeia de suprimento de alimentos.
A sociedade brasileira está numa encruzilhada e deve rapidamente fazer exigências dos órgãos governamentais e do setor agrícola. Precisamos de mudanças rápidas de mentalidade que requerem uma intervenção alimentar nas escolas e em casa e na venda de produtos ofensivos, como parte do trabalho de uma nutrição adequada, que venha fortalecer a confiança nos alimentos, considerando que hoje a mão que nos alimenta nos põe em risco alarmante. Estamos vendo os custos sociais e econômicos do COVID-19 e vamos nos amedrontar com o envenenamento de uma sociedade.
*José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. Recentemente foi professor visitante na McMaster University, Canadá, onde desenvolveu trabalho sobre Sustentabilidade e Tecnologia da Informação em Saúde. https://jrodriguesfilho.blogspot.com/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/08/2020
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