São Paulo supera em quase 3 vezes recomendação da OMS para material particulado no ar
ClimaInfo
Um relatório lançado ontem (28/07) mostra que a poluição do ar por material particulado reduz em dois anos a expectativa média de vida das pessoas em todo o mundo. O Air Quality Life Index (AQLI) destaca ainda que a poluição particulada era o maior risco para a saúde humana antes da COVID-19 — e deve voltar a ser se não houver políticas públicas voltadas a uma redução permanente após a pandemia.
“Embora a ameaça do coronavírus seja grave e mereça toda a atenção que está recebendo — talvez mais em alguns lugares –, enfrentar a gravidade da poluição do ar com um vigor semelhante permitiria que bilhões de pessoas em todo o mundo levassem vidas mais longas e saudáveis”, diz Michael Greenstone, professor de economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC). “A realidade é que não há vacina que alivie a poluição do ar. A solução está numa política pública robusta”.
O documento afirma que se todos os países mantiverem a poluição particulada dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde, que é de 10 μg/m3, a expectativa de vida atual subiria de 72 anos para 74. Em média, os seres humanos estão expostos a uma concentração de 29 μg/m3 desse tipo de contaminação.
Trabalhando dentro do corpo humano sem ser percebida, a poluição particulada tem um impacto mais devastador na expectativa de vida do que doenças transmissíveis como tuberculose e HIV/AIDS, assassinos comportamentais como o fumo e até mesmo a guerra. O tabagismo leva a uma redução na expectativa média de vida global de cerca de 1,8 ano. O uso de álcool e drogas reduz a expectativa de vida em 11 meses. A falta de água potável e de saneamento subtraem 7 meses. Na média, HIV/AIDS reduz a vida em 4 meses, e a malária em 3 meses. Conflitos e terrorismo cortam 18 dias de vida.
Poluição em São Paulo
Mariana Veras, coordenadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Hospital das Clínicas, teve acesso ao relatório e explica que os números referentes ao Brasil estão longe de refletir a realidade nos grandes centros urbanos do país, muitos deles sem monitoramento adequado de poluentes. “No estado de São Paulo, a questão do monitoramento é um pouco melhor, já que contamos com uma rede ampla da CETESB”, destaca a pesquisadora. “Dados dos últimos relatórios da qualidade do ar mostram que a média da concentração de PM2.5 está em torno de 28 ug/m³”. O dado citado por Veras é quase o triplo do recomendado pela OMS.
A pesquisadora explica que a poluição é uma ameaça mais grave a idosos e criança, e que moradores da periferia, que gastam mais tempo no trânsito, são mais impactados. “Os níveis atuais de poluição em São Paulo reduzem a expectativa de vida em cerca de um ano e meio, principalmente devido a câncer de pulmão e de vias aéreas superiores, infarto agudo do miocárdio e arritmias, bronquite crônica e asma”, afirma. Na capital paulista, Veras diz que a estimativa é que morre-se por poluição mais do que por acidentes de trânsito (1.556 no ano), 3 vezes e meia do que Câncer de mama (1.277), quase 6 vezes por AIDS (874) ou Câncer de Próstata (828).
A bióloga afirma que as políticas públicas brasileiras carecem de aplicação efetiva, e cita o PROCONVE e a Política Municipal da Mudança do Clima de São Paulo. “Nós fizemos um estudo na época do adiamento de uma das fases do PROCONVE. Os resultados mostraram que o adiamento por 3 anos da implementação em relação ao diesel provoca um excesso estimado de 13.984 mortes até 2040 e as despesas previstas com saúde aumentam em quase US $ 11,5 bilhões no mesmo período”.
Reduções na China
75% de toda a redução mundial da poluição atmosférica foi feita na China. Desde que o país começou a chamada “guerra contra a poluição”, em 2013, o país reduziu a poluição em quase 40% em 5 anos, adicionando cerca de 2 anos à expectativa média de vida da população. Para se ter uma ideia da magnitude dessas medidas, foram necessárias várias décadas de redução da poluição — e até de recessões econômicas — para que os Estados Unidos e a Europa conseguissem o mesmo alívio que a China conquistou em 5 anos, sem interromper o crescimento de sua economia.
A redução da poluição atmosférica em alguns países foi anulada globalmente pelo agravamento das condições em outras regiões. A situação mais alarmante é a do Sul da Ásia, que registou um aumento de 44% na poluição, reduzindo a expectativa de vida em 5 anos em média em Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão. Cerca de um quarto da população mundial vive nestes quatro países, mas eles representam 60% dos anos de vida perdidos devido à poluição.
Bangladesh é o país mais poluído do mundo, mas uma região específica da Índia — Uttar Pradesh, com quase 250 milhões de habitantes — está expondo a população a um nível de contaminação que não é comparável a nenhum outro lugar do planeta e pode custar até 8 anos de vida de seus moradores.
Sobre o Índice de Qualidade de Vida do Ar (AQLI)
O AQLI é um índice de poluição que traduz a poluição atmosférica particulada na métrica mais importante que existe: seu impacto na expectativa de vida. Esse parâmetro foi desenvolvido por Michael Greenstone, professor de Economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC).
O AQLI é embasado em pesquisas que quantificam a relação causal entre a exposição humana de longo prazo à poluição do ar e a expectativa de vida. O índice então combina medições de partículas hiperlocalizadas e globais, produzindo uma percepção sem precedentes do verdadeiro custo da poluição por partículas em comunidades ao redor do mundo. O Índice também ilustra como as políticas de poluição do ar podem aumentar a expectativa de vida quando cumprem as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para o que é considerado um nível seguro de exposição, padrões nacionais de qualidade do ar existentes ou níveis de qualidade do ar definidos pelo usuário. Estas informações podem ajudar a informar as comunidades locais e os formuladores de políticas sobre a importância das políticas de poluição do ar em termos concretos.
Do ClimaInfo, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/07/2020
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