Sul do Amazonas é a nova fronteira do desmatamento
Sul do Amazonas – Imagens captadas na semana passada entre Porto Velho (RO) e Lábrea (AM) mostram uma das regiões mais conservadas da floresta amazônica em franca devastação.
Por cinco dias, entre 13 a 17 de setembro, a Aliança Amazônia em Chamas comprovou o alerta e o temor de muitos pesquisadores: o sul do Amazonas, o maior e mais conservado estado em meio à floresta, é a nova fronteira do desmatamento. “Essa região tem se destacado pelo avanço veloz do desmatamento, que adentra cada vez mais em territórios bem conservados e vitais para mitigar a crise climática e evitar o colapso da biodiversidade no planeta”, explica Cristiane Mazzetti, do Greenpeace, organização que compõe a aliança ao lado de Amazon Watch e Observatório do Clima.
Participaram da expedição pesquisadores, jornalistas e três artistas brasileiros — Rafael Cardoso (ator), Giovanna Lancellotti (atriz) e Vitão (cantor e compositor). A rota partia de Porto Velho, segundo município em quantidade de queimadas — com 2.700 focos, de 1º de janeiro a 18 de setembro, de acordo com dados do Inpe — e seguia até Lábrea, recordista em queimadas no país, com 2.946 focos no mesmo período. Depois de passar pela Terra Indígena Jacareúba (AM) e pelo Parque Nacional Mapinguari (AM e RO), foi possível observar extensas áreas desmatadas, de 1.550 a 2.450 hectares, equivalentes a 2.012 e 3.181 campos de futebol respectivamente, e que estão entre os cinco maiores desmatamentos do Amazonas.
Sob o governo Bolsonaro, o Amazonas superou Rondônia como o terceiro estado com o maior desmatamento, segundo o sistema Prodes, do Inpe. “Presenciamos a destruição da floresta em larga escala, incluindo grandes polígonos de desmatamentos, focos ativos de calor e pistas de pouso clandestinas. Em Porto Velho, avistamos grandes áreas para o cultivo de grãos, atividade que está se consolidando cada vez mais no norte de Rondônia e adentrou recentemente o sul do Amazonas, com plantio de soja em Humaitá”, conta Mazzetti, que acompanhou as atividades.
Na parte terrestre, a expedição passou por Candeias do Jamari, segundo município mais desmatado em Rondônia, entre agosto de 2020 e julho de 2021, ficando atrás apenas de Porto Velho. Lá, o grupo encontrou serrarias e muitos caminhões carregados de toras de árvores gigantes, além de gado pastando junto a áreas recém queimadas. “Vimos lado a lado todas as etapas do processo de desmatamento: a extração da madeira mais valiosa, o desmatamento e posterior queima da vegetação que fica secando ao sol para o plantio de pasto e o gado ocupando áreas que até pouco tempo eram cobertas pela floresta. É uma incongruência derrubar e queimar a floresta com o maior biodiversidade do mundo, para dar lugar a duas espécies: o gado e a grama”, diz Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil.
Nessa região, ficam duas Unidades de Conservação (UCs), a Flona Jacundá e a Estação Ecológica de Samuel, que já apresentam registros de invasão. Para os especialistas, a aprovação pelo governador Marcos Rocha do projeto de lei que reduziu em 80% os limites da reserva extrativista (Resex) Jaci-Paraná para beneficiar invasores, pode ter impulsionado as invasões às UCs. A Resex foi a Unidade de Conservação que mais queimou em Rondônia neste ano e cuja situação deve se agravar ainda mais nos próximos meses.
Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), integrava o grupo e se surpreendeu com a ocupação indiscriminada de terras públicas. “Desmatar grandes áreas requer muito investimento em maquinário e logística, o que mostra que os invasores estão indo com tudo para cima das terras públicas e ocupando de forma indiscriminada e altamente capitalizada”, afirma. Segundo a pesquisadora, uma das maiores conhecedoras da dinâmica do fogo em florestas do país, outro ponto de destaque é que algumas áreas desmatadas nos anos anteriores estão abandonadas, sem nenhuma atividade agropecuária implementada. “Ou seja, estão usando o desmatamento para especular com terra pública”.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, também acompanhou a expedição e destacou o impacto da perda da floresta. “Enquanto as demais nações se desenvolvem com menos carbono, o Brasil corre na contramão, apostando em desmatamento, que é sua principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Desmatamento, queimadas, grilagem e garimpo acontecem na ilegalidade, não geram desenvolvimento para a região nem distribuem riqueza para os povos da floresta. Estamos literalmente queimando o futuro a troco de nada.”
Monitoramento de Queimadas na Amazônia em Setembro de 2021
Vista aérea de um desmatamento na Amazônia para expansão pecuária, em Lábrea, Amazonas. A Amazônia segue encoberta pela fumaça e marcada pela devastação criminosa e sem controle. Foi o que comprovaram sobrevoos realizados pela Aliança Amazônia em Chamas, formada pelas organizações Amazon Watch, Greenpeace Brasil e Observatório do Clima. A expedição ocorreu entre os dias 13 e 17 de setembro, nos municípios de Porto Velho, Rondônia, e Lábrea, sul do Amazonas. Foto: Victor Moriyama/Amazônia em Chamas
Sobre a Aliança Amazônia em Chamas: parceria entre as organizações Amazon Watch, Greenpeace Brasil e Observatório do Clima para promover sobrevoos de monitoramento e divulgação de informações relativas a áreas de floresta desmatadas e/ou ameaçadas pelo desmatamento, fogo e garimpo.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/09/2021
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