Ministério Público pede suspensão de atividades da Petrobras na Foz do Amazonas
Órgãos federais recomendam ao Ibama que só avalie a emissão da licença de operação para o bloco FZA-M-59 após a solução de questionamentos ambientais e sociais e da realização de consultas aos povos indígenas e comunidades tradicionais da região
O Ministério Público Federal do Pará e Amapá, em ação conjunta, expediram na sexta-feira (2) uma recomendação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e à Petrobras para que não seja realizada a Avaliação Pré-Operacional nem que se conceda a Licença de Operação para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, enquanto não houver nova modelagem de dispersão do óleo e não for comprovada a capacidade para gestão dos riscos socioambientais do empreendimento. Além disso, para a emissão da licença, a recomendação é de que seja realizada a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé com os povos indígenas e comunidades tradicionais interessadas.
As procuradorias destacaram que acidentes na região trariam riscos elevadíssimos para os complexos ecossistemas locais e para a dinâmica socioeconômica (sobretudo para as populações que dependem da pesca). Elas ainda destacaram que existe incerteza sobre a modelagem de dispersão de óleo, que sustenta esses riscos no licenciamento ambiental. Ao considerar que o processo de licenciamento já ultrapassou oito anos sem que as empresas conseguissem demonstrar sua viabilidade, sinalizam que as características socioambientais da região podem ter sofrido alterações. O alerta ao Ibama é para a necessidade de atualização das informações produzidas.
Em maio deste ano, dezenas de organizações da sociedade civil, dentre elas o WWF-Brasil, Arayara.org, Observatório do Clima, ClimaInfo, 350.org, Iepé, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp) e Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), pediram ao Ministério Público Federal a adoção de providências para evitar desastres na Foz do Amazonas. A Petrobras tenta viabilizar a exploração de petróleo na região, considerada pela empresa como a mais promissora depois da descoberta do pré-sal, mas cientistas apontam inconsistências no projeto. Além disso, comunidades indígenas e tradicionais afetadas pelo empreendimento não foram consultadas.
Com base em estudo da Universidade Federal do Pará, as organizações argumentaram que os riscos da atividade não foram corretamente avaliados. A modelagem usada pelas empresas (que prevê o curso do óleo em casos de acidente com derramamento) não reporta bem a dinâmica da região, e o próprio IBAMA apontou isso no licenciamento. Em caso de acidentes, o óleo deve avançar em questão de horas sobre território internacional, sobretudo no mar territorial da Guiana Francesa. No entanto, sem que haja certeza sobre os cenários acidentais, os planos de emergência ficam prejudicados, argumentam os ambientalistas.
O MPF questionou o fato de os povos e comunidades indígenas e tradicionais afetados pelo empreendimento não terem sido consultados, apesar das manifestações oficiais dessas comunidades pedindo que sejam ouvidos. O impacto sobre o setor aeroportuário em Oiapoque, por exemplo, é classificado no Relatório de Impacto Ambiental como de alta magnitude, considerando a perspectiva de aumento de 3.000% sobre o movimento do aeroporto. Esta movimentação alteraria a dinâmica socioeconômica da região e aumentaria ainda mais a pressão sobre as Terras Indígenas Uaçá, Juminã e Galibi, dos povos indígenas Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, que estão localizadas no município de Oiapoque e que já são alvo de invasões. Comunidades tradicionais que vivem da pesca artesanal, afetadas pelo impacto que o empreendimento causará na fauna marinha, tampouco foram ouvidas. A falta de consulta viola uma série de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
A próxima etapa do processo seria a realização da Avaliação Pré-Operacional, que é uma espécie de teste simulado das medidas previstas nos planos emergenciais, prevista ainda para 2022. O MPF recomendou a suspensão dessa e das próximas etapas do licenciamento ambiental até que seja apresentada nova modelagem de dispersão do óleo e comprovada a capacidade para gestão dos riscos socioambientais do empreendimento; e que seja realizada a consulta prévia. Ibama e Petrobras têm 10 dias para manifestar se irão ou não acatar as recomendações, podendo ser tomadas as medidas administrativas e judiciais em caso de não cumprimento.
Sobre a Foz do Amazonas: A região da Costa Amazônica é um território estratégico para a conservação da biodiversidade, abrigando 80% da cobertura de manguezais do Brasil. De importância ímpar e reconhecimento internacional, essa região agrega ecossistemas únicos no mundo, que coevoluem, formando, assim, o estuário amazônico, ambiente rico em manguezais, ambientes recifais, economias e culturas locais. O rio Amazonas, elemento central desse sistema, representa o maior aporte de água continental no oceano e a maior descarga de sedimentos em suspensão, despejando anualmente 17% do total mundial. Toda essa pluma de sedimentos é considerada uma das maiores riquezas em nutrientes, abastecendo até áreas do Caribe e ainda considerada como um ecossistema de “carbono azul”, ou seja, que podem contribuir com o desejável balanço de CO2.
A área é considerada pelo setor petrolífero como a fronteira exploratória no Brasil com maior volume potencial de reservas, podendo atingir 14 bilhões de barris de petróleo. A sua exploração, além de afetar a região, contribui com as mudanças climáticas, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes, desviando investimentos de fontes renováveis de energia para campos de petróleo que, possivelmente, deverão ser desativados com o aumento dos preços de carbono e dos compromissos climáticos.
Veja recomendação na íntegra:
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2022/recomendacao-conjunta-mpf-ap-pa-ibama-petrobras-suspensao-perfuracao-foz-amazonas.pdf
“Não há condições de emissão da licença ambiental do bloco FZA-M-59 sem que se refaça a modelagem de dispersão do óleo e se garanta que a empresa responsável tem condições de lidar de forma eficaz com a resposta a acidentes. Eles podem ter dimensão de tragédia em uma região tão sensível do ponto de vista ambiental. Na verdade, o correto seria afastar a expansão de exploração de petróleo e gás em áreas de alta sensibilidade ambiental, como a Foz do Amazonas, entre outras.” Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima
“A emissão da licença ambiental do bloco Foz do Amazonas, se caracteriza como uma potencial tragédia em uma região sensível e de vital importância do ponto de vista da sociobiodiversidade, dos povos e comunidades tradicionais das marés e das águas, e seu legítimo direito, da NATUREZA, que pulsa nesses ecossistemas. São 18 áreas protegidas, representam o maior sistema protegido do planeta, com 6,637 km² de florestas de mangue e apicuns resguardados por 18 áreas protegidas, incluindo Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas, Reservas Biológicas, Áreas de Proteção Ambiental, e Terras Indígenas. Destaca-se ainda por abranger três sítios Ramsar – (Parque Nacional Cabo Orange, Foz do Amazonas e seus manguezais amazônicos e as Reentrâncias Maranhenses.)”. Kátia Barros, Diretoria de Comunidades, Sociobiodiversidade e Oceanos da ARAYARA.ORG
“A zona onde buscam explorar Petróleo é bastante sensível, está na foz do rio Amazonas com o Oceano Atlântico e envolto de unidades de conservação e terras indígenas. Qualquer falha que provoque vazamentos pode comprometer toda uma biodiversidade ao redor, a contaminação litorânea por conta do fluxo de mares e consequentemente impossibilitar a reprodução socioeconômicas e de vida dos povos indígenas, pescadores entre outros que ali vivem”. Prof. Dr. Roni Mayer Lomba Geógrafo – docente da Universidade Federal do Amapá (Unifap), do programa de pós-graduação em geografia
“Sem esclarecimentos sobre os pontos recomendados pelo MPF, o empreendimento não reúne as condições mínimas de segurança social e ambiental para ser implementado. O licenciamento ambiental de uma atividade de risco não pode prosseguir com essas inconsistências, ainda mais em uma fronteira exploratória tão sensível do ponto de vista socioambiental.”. Daniela Jerez, analista de políticas públicas do WWF-Brasil
“A Foz do Amazonas reúne condições únicas em larga escala fundamentais para o provimento de recursos e serviços de alta relevância para a segurança alimentar e a bioeconomia da Amazônia. Não à toa que a região foi instituída em 2018 como um Sítio Ramsar, abrangendo do delta do Parnaíba até os manguezais do Oiapoque. A pluma de nutrientes que são carreados ao longo de toda a extensão da bacia amazônica promove condições ímpares na produção de pescado – que é explorado e consumido em todo o mundo, sendo uma região quase tão rica neste quesito quanto a Groenlândia, além de nutrir as extensas várzeas que atualmente ganharam maior atenção devido o avanço do açaí nos mercados nacional e internacional, se tornando uma commodity. Não estamos mais em tempo de considerar somente o que está posto na legislação. Temos que ampliar o entendimento de que os recursos providos pela Foz do Amazonas ao longo prazo são mais relevantes do que a exploração do petróleo, pois não temos como substituir os recursos naturais, mas temos tecnologia e conhecimento para utilizar outras fontes realmente sustentáveis para a geração de energia.”. Verena Almeida, ecóloga e gestora ambiental diretora da Okerô Soluções Socioambientais
“É surpreendente que a Petrobras ainda planeje explorar petróleo na Foz do Amazonas, na era do ESG, e será ainda mais impressionante se o Ibama for conivente com essa insensatez. O vazamento que afetou toda a costa nordestina mostrou o dano gigantesco que o setor petrolífero pode causar para as comunidades que mais dependem da pesca e dos ecossistemas marinhos. Por isso, paralisar o processo de licenciamento e ouvir os povos indígenas é o mínimo que se espera neste momento. Ao invés de abrir mais áreas de exploração de petróleo, que é o combustível do passado e da crise climática, a Petrobras deveria estar investindo fortemente na transição energética.” Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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