Especialistas alertam que o próximo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) vai prever grande dificuldade para o planeta cumprir a meta de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus centígrados (°C) até o fim deste século, como estabelece o Acordo de Paris, assinado por quase 200 países, durante a Conferência das Partes para o Clima, em 2015. Brasileiros que tiveram acesso a versões prévias do relatório estão preocupados.
Em nível global, o próximo IPCC, previsto para ser divulgado na próxima segunda-feira (08), mostra que há uma tendência de aumento das temperaturas e as consequências serão extremas se os países não acelerarem as medidas para cumprir os acordos internacionais de redução das emissões de carbono e de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
“Uma das coisas que é colocada [no relatório] é que, para se chegar a 1,5°C, o nível de emissões negativas é extremamente elevado, como reflorestar uma extensão territorial do tamanho dos Estados Unidos. Evidentemente, o desafio de não ultrapassar 1,5°C é muito difícil de ser alcançado no estágio atual da tecnologia e da forma como está o desenvolvimento econômico no âmbito internacional. Mas, é um horizonte que tem que ser levado em conta”, comenta Alfredo Sirkis, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
O pesquisador Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, acrescenta que com os resultados prévios do relatório já é possível afirmar que o ganho que alguns setores têm, como a indústria do petróleo, do carvão, não compensará os prejuízos que a humanidade terá que arcar com os efeitos do aquecimento global.
“O que está no relatório é um alerta enorme, se não acelerarmos a ação climática, os impactos para todas as regiões do mundo vão ser extremamente severos para as pessoas, os ecossistemas e para a economia de países, cidades e regiões. Em nível global, a mensagem é essa: ou a gente acelera a ação climática ou o preço de fazer menos que o necessário ou não fazer nada vai ser altíssimo”, destaca Rittl.
Reflorestamento
Comparado a outras medidas de mitigação do aumento da temperatura, o reflorestamento é apontado como o mais eficaz para produzir emissões negativas em grande escala, segundo Alfredo Sirkis. No caso do Brasil, ele avalia que o país é privilegiado por ter grandes áreas com potencial para desenvolver diferentes iniciativas de redução das emissões, como a agricultura de carbono, que recupera pastagens e promove plantio direto com desenvolvimento econômico.
“Eu acho que são coisas que o Brasil tem uma condição favorável, por outro lado eu acho que, de fato, nós temos que melhorar a eficiência energética dos nossos veículos, utilizar mais os biocombustíveis e começar a eletrificar a nossa frota de transporte”, acrescenta Sirkis.
O Fórum entregou à Presidência da República sugestões de medidas para que o Brasil cumpra as metas assumidas no Acordo de Paris. O próximo passo é uma reunião com representantes de sete ministérios para levantar o que pode ser feito no âmbito de cada pasta. Além disso, o governo encomendou estudo ao Fórum com medidas a serem tomadas para que o país consiga zerar as emissões líquidas de gases até 2060.
Os ambientalistas acreditam que o relatório do IPCC pode dar um norte científico para os países ajustarem suas metas e impulsione a adoção de medidas mais estratégicas e urgentes. Há expectativa de alinhamento também em torno da próxima Conferência das Partes (COP 24), que será realizada em dezembro, na Polônia.
“A COP da Polônia vai ser importante para definir alguns critérios e o mapa do caminho para o cumprimento do Acordo de Paris. A expectativa em torno dessa reunião é que fique mais claro para os países o que eles têm de fazer, qual vai ser a contabilidade, as regras para monitoramento das diversas metas que foram apresentadas e tentar unificá-las para um acompanhamento global”, afirmou André Guimarães, diretor executivo do Instituo de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Aumento da temperatura
Os efeitos do aquecimento global já podem ser vistos e sentidos em diferentes aspectos em todas as regiões do país. Um dos aspectos mais marcantes é o aumento do calor em períodos do ano que costumavam ter temperaturas mais amenas, como foi percebido na chegada da primavera em setembro.
Na capital do país, por exemplo, os diagnósticos e projeções de meteorologistas sobre a variabilidade climática na região Centro-Oeste apontam que a temperatura segue em uma tendência crescente desde a década de 60.
Estudo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) sobre os índices de monitoramento e detecção da mudança climática para o Distrito Federal e entorno, mostra que a temperatura mínima média entre os anos de 1961 e 2012 apresentou aumentou de 1,85ºC ao longo da série histórica. Já a variação da temperatura máxima registrada foi 0,85% no período estudado até 2012.
O estudo estima ainda que no período de 2011-2040, os aumentos de temperatura variam desde 1°C a cerca de 3°C. Para o final do século 21, o aumento de emissão de gás carbônico equivalente pode levar o aquecimento do clima variar de 2ºC a cerca de 6ºC na região.
Segundo a chefe de previsão do Inmet, Morgana Almeida, e uma das autoras do estudo, vários fatores influem na mudança do clima, mas no caso do Distrito Federal, o maior impacto decorre da mudança no uso da terra. “Sem sombra de dúvida, o uso e ocupação desordenado do solo impactaram na mudança do padrão térmico da temperatura no DF”, explicou a meteorologista.
A pesquisa ainda aponta que, em todos os períodos futuros, a região do entorno do Distrito Federal apresenta tendência de redução nas chuvas, principalmente no período do verão, estação chuvosa na região. “Se não tivermos a memória da meteorologia, da climatologia, não temos como saber como foi o tempo no passado, nem como fazer projeções futuras. Então, é importante o governo ter isso como prioridade e política pública”, alerta a pesquisadora.
Projeção nacional
A temperatura média anual do Brasil registrada por pesquisadores estrangeiros entre 1980 e 2010 foi de 21°C. Se os níveis atuais de emissão de carbono não forem reduzidos, a projeção é que a temperatura média suba para 22 graus a partir de 2020, podendo chegar a 24 graus no fim do século, a partir de 2080.
A estimativa é do Climate Impact Lab, formado por um grupo de cientistas, economistas e analistas de dados de uma consultoria de pesquisa e políticas públicas, em parceira com as universidades de Chicago, Rutgers e da Califórnia. As projeções encontradas pelo grupo variam de acordo com a região, mas, de uma forma geral, apontam para elevação em quase todos os países acima das metas do Acordo de Paris.
“Temos que parar com essa perspectiva de que mudanças climáticas é algo de futuro. O impacto sobre o nosso dia a dia já é muito grande nas gerações presentes, e as gerações futuras vão pagar um preço altíssimo, com um clima muito mais hostil”, comenta Carlos Rittl.
Ação global
Para impulsionar os países e acelerar a adoção de medidas que reduzam a emissão de carbono, a Fundação das Nações Unidas promoveu no mês de setembro um encontro global, o Global Climate Action Summit (GCAS) sediado em São Francisco na Califórnia. Na ocasião, diferentes atores como especialistas, empresários, gestores locais, investidores e ativistas da sociedade civil de vários países mostraram diferentes iniciativas positivas de enfrentamento às mudanças climáticas.
“O objetivo do GCAS é reunir de volta as energias, compromissos, esforços e lideranças para além do Acordo de Paris e construir uma oportunidade para apoiar as ações que precisamos adotar. Estamos começando a ver novas formas de engajamento e de ação coletiva que serão vitais para solucionar o desafio climático”, avaliou Elizabeth Cousens, da UN Foundation.
Durante a conferência, foi criada uma plataforma sobre a terra e o clima com a participação de mais de 100 organizações não governamentais, empresas, governos estaduais, prefeituras e comunidades tradicionais. Também foi ampliado o apoio ao chamado Manifesto Cerrado, que agora reúne mais de 100 empresas de alimentos e financeiras apoiadoras da conservação do cerrado brasileiro.
Foram assinados ainda novos compromissos e anunciados o aporte significativo de investimentos em diferentes iniciativas, fundos e plataformas de incentivo de medidas que reduzem a emissão de gases efeito estufa.
Outros programas de incentivo também foram lançados durante a cúpula ambiental One Planet Summit, que reuniu chefes de Estado e representantes de vários setores nos Estados Unidos na última semana, para impulsionar o Acordo de Paris.
Por Débora Brito, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/10/2018
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