A água e os tempos gondwânicos, artigo de Roberto Naime
Dentro de visão holística e sistêmica da questão, a preservação da floresta tem aspectos que transcendem a meras questões legais, éticas ou morais
[EcoDebate] Quando ainda existia o Gondwana, o grande continente que precedeu a separação da massa sul-americana dos demais continentes do planeta, a área geográfica que engloba as regiões sudeste e sul do Brasil, já constituiu um grande deserto. Isto ocorreu na época em que a América do Sul ainda não havia se separado completamente da África.
Esta efeméride é datada como tendo ocorrido há cerca de 130 milhões de anos atrás. O curso do rio Amazonas ainda se dirigia e desembocava no oceano Pacífico, e o oceano Atlântico ainda não era bem implantado e delineado. Estas informações se restringem aos meios acadêmicos e são pouco conhecidas do grande público.
A tectônica de placas não é ciência de domínio público com deveria ser. Só aparecem animações na televisão quando terremotos sacodem a terra. Nem os vulcões merecem destaque. Pela deriva continental ou a chamada “continental drifting”, teoria comprovada e bastante aceita, os continentes emersos ou submarinos se movimentam como gigantescos gomos de uma bola de futebol. E isto define uma geometria e processos de operação que definem completamente as zonas que podem ter vulcões e terremotos em toda superfície da terra.
A dinâmica continental sempre existiu, mas só foi compreendida nos anos 60 do século passado. Depois da segunda grande guerra, foram criadas várias organizações internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas, que desenvolveu um projeto chamado “Challenger” que significa desafio em português, que ao mapear toda a superfície do fundo do mar, permitiu a elaboração de diretrizes e fundamentos para compreensão de todos os processos do globo.
Não interessa aprofundamento técnico que seria exaustivo sobre todos os fundamentos da geologia histórica, que é uma das feições mais fascinantes de toda a ciência da terra. Mas se debruçando sobre a última série histórica, todos os atuais continentes se originaram de apenas uma grande massa continental emersa, chamada “Gondwana”.
A gente não precisa ser geólogo, para entender como nos livros primários de geografia, os recortes do leste da América do Sul e do oeste do continente africano se encaixam perfeitamente. Efetivamente estavam juntos e se separaram. Quando eles se separaram, muitas mudanças aconteceram na América e na África. Ergueu-se a Cordilheira dos Andes de forma repentina, considerando-se a palavra “repentina” em termos de tempo geológico, ou seja, repentino significa poucos milhões de anos.
O Rio Amazonas sofreu alteração de curso e de paisagem. Passou a desaguar no oceano Atlântico e formou uma enorme planície. A grande umidade gerada nesta planície produziu uma extensa e complexa floresta, que absorve a água do oceano Atlântico. Posteriormente, a evaporação das árvores é empurrada pelos ventos, formando os chamados rios voadores, que formam zonas de convergência de umidade, condensam-se e precipitam-se na forma de chuvas sobre o cone sul da América, incluindo as regiões sul e sudeste atuais do Brasil.
A cordilheira dos Andes, formada pela colisão da placa de Nazca com a placa sul-americana numa zona chamada de subducção ou consumo, passou a constituir uma alta e comprida barreira, que represa os rios voadores e produz seu direcionamento para o sul. Resumindo e simplificando, se não fosse a umidade da Amazônia Legal e os rios voadores, as regiões sudeste e o Sul do Brasil tenderiam a continuar a ser desertos. Foi essa grande umidade que alterou a aridez do cone sul gerando biomas equilibrados e de grande fertilidade. Este mesmo arranjo, produziu a Mata Atlântica e o próprio Aquífero Guarani.
Buscando a mesma latitude das regiões sul e sudeste do Brasil, no continente africano sobre um globo terrestre se encontrará em território do norte do Chile, o Deserto de Atacama, considerado um dos mais elevados e mais áridos do planeta. Na África, na mesma latitude, esta situad o Deserto de Kalahari.
A Cordilheira do Andes não possibilita que os rios voadores formados na Amazônia Legal, façam a irrigação do Deserto de Atacama. Por outro lado, se sabe que as nuvens no Oceano Pacífico, tendem a se condensar antes de alcançarem este deserto, que alcança altitudes de quase 7 mil metros, devido ao choque das placas de Nazca e placa sul-americana na zona de colisão continental, onde a placa oceânica submerge para o interior da crosta terrestre.
Ainda não é possível elaborar interpretações definitivas deste cenário descrito, mas cada vez parece mais que as alterações intempéricas que ocorrem no sul e sudeste do país estão intimamente associadas com a falta de preservação e conservação eficiente na região amazônica.
Sem alarmismo desnecessário, parece o momento de declarar uma guerra, na obtenção de condições salutares na Amazônia que não altere ciclos fundamentais para a manutenção de todo o equilíbrio ecossistêmico de todo o país.
Dentro de visão holística e sistêmica da questão, a preservação da floresta tem aspectos que transcendem a meras questões legais, éticas ou morais. Ou a simples enfeichamentos de boas práticas e boas intenções e preservações para o usufruto das gerações futuras.
Todo este cenário, amplia a pressão sobre os recursos naturais, agravando cenários de escassez de água, vulnerabilizando os recursos hídricos que precisam ser retirada do meio natural. Se não houver quase a deflagração de uma guerra pela preservação, estas águas podem estar indisponíveis ou nem existir em cenário futuro próximo, numa situação catastrófica e desoladora.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/01/2019
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