domingo, 27 de agosto de 2023

MULHERES REPRESENTAM 80% DA MIGRAÇÃO FORÇADA POR CAUSA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS .

 Uma em cada 97 pessoas é forçada a deixar sua moradia em decorrência das mudanças climáticas, a grande maioria mulheres – Imagem: Freepik

Uma em cada 97 pessoas é forçada a deixar sua moradia em decorrência das mudanças climáticas, a grande maioria mulheres – Imagem: Freepik / Jornal da USP

Mulheres representam 80% da migração forçada por causa das mudanças climáticas

Segundo especialistas, o ecofeminismo propõe uma nova perspectiva, na qual a igualdade de gênero e a preservação do meio ambiente caminham juntas

Por Julia Valeri*, Jornal da USP no Ar

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De acordo com o relatório do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o deslocamento forçado por causa das mudanças climáticas afeta mais de 1% da humanidade – em um planeta com 7 bilhões de pessoas, uma em cada 97 é forçada a deixar sua moradia. Segundo a ONU, aproximadamente 80% desses deslocados são mulheres.

A disparidade de gênero é muito grande e instiga a necessidade de compreender as causas do problema e contribuir com mudanças positivas para mudar esse cenário.

Uma das respostas pode estar no ecofeminismo, movimento que não se identifica totalmente com o feminismo tradicional.

O tema é debatido pela indígena Marcia Mura, do Coletivo Mura do Porto Velho e doutora em História Social pela USP. A definição do ecofeminismo é a busca por uma mudança de paradigma, questionando e superando as estruturas patriarcais e de exploração da natureza. O movimento propõe que essas mudanças sejam alcançadas através de políticas inclusivas, programas de capacitação e educação, bem como o fortalecimento do papel das mulheres nas comunidades.

O ecofeminismo pode ser uma solução, uma vez que existem diversas razões que contribuem para a vulnerabilidade das mulheres nas situações de desastres socioambientais, como as desigualdades sociais, econômicas e culturais, e, como comenta o professor Márcio Henrique Ponzilacqua, da Faculdade de Direito da USP em Ribeirão Preto, “as mulheres tendem a ter menos acesso a recursos, oportunidades de emprego e educação, além de carregarem o peso das responsabilidades domésticas”.

Essa combinação de fatores coloca as mulheres em maior risco, levando a consequências desproporcionais quando ocorrem desastres naturais ou mudanças climáticas. O professor complementa, afirmando que a falta de autonomia e o aumento da violência de gênero também contribuem para a vulnerabilidade das mulheres nesses contextos.

O cenário de violência toma forma na guerra da Ucrânia contra a Rússia. Sima Bahous, diretora-geral da ONU Mulheres, destaca que as ucranianas estão sujeitas a riscos relacionados ao gênero, como o tráfico humano, violência sexual e acesso impedido a serviços e bens essenciais. Na guerra da Ucrânia, 90% dos 10 milhões de deslocados são mulheres que fogem do conflito e buscam segurança em outros locais.

Marcia comenta que, devido à correlação entre a opressão de gênero e a degradação ambiental, o ecofeminismo propõe uma nova perspectiva, na qual a igualdade de gênero e a preservação do meio ambiente caminham juntas. “Valorizar o conhecimento tradicional das mulheres, principalmente as mulheres indígenas, e incentivar a participação ativa delas na tomada de decisões é crucial para enfrentar os desafios socioambientais.”

As ideias que a indígena defende buscam inspiração no ecofeminismo, “que tem um olhar não urbano e mais ligado a questões do meio ambiente”. O termo foi usado pela primeira vez pela francesa, escritora, ativista dos direitos trabalhistas, feminista e ambientalista Françoise d`Eaubonne, em 1974, e envolve a relação entre ciência, mulher e natureza. Adianta que ecologia é um assunto feminista, mas que as semelhanças entre feminismo e ecologia têm sido esquecidas pela ciência ecológica. E diz que “não adianta pensar em direitos das mulheres enquanto o modo de vida hegemônico destrói o ambiente em que vivemos”.

Mas ela esclarece que, apesar de considerar legítimo o movimento feminista, a palavra ”feminismo” não pertence aos indígenas, dado que o feminismo, que chama de tradicional, nasceu na Europa, durante a Revolução Industrial, em 1789, enquanto as indígenas mulheres já lutavam contra a invasão europeia 200 anos antes.

Mulheres na política

Para o professor Ponzilacqua, as mulheres têm muito a oferecer na formulação de políticas relacionadas às questões socioambientais e deveriam ocupar altos cargos relacionados ao meio ambiente: “Elas são transmissoras de conhecimentos relativos à natureza e também à sua proteção, e, geralmente, por serem ligadas diretamente à subsistência familiar em muitas sociedades, desde coletar água para cozinhar e limpar, usar a terra para o gado, buscar alimentos em rios e recifes e coletar lenha, as mulheres, em todo o planeta, usam e interagem com os recursos naturais e ecossistemas melhor que os homens”.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e outras agências da ONU, elas são as primeiras a sentir os efeitos da mudança climática ao percorrer distâncias cada vez maiores para encontrar o que necessitam para alimentar suas famílias. O professor informa que a perspectiva feminina tem sido muito pouco aproveitada e reconhecida na sociedade, fato que atrasa a coletividade e prejudica a humanidade.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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