Rio de Janeiro: cidade submersa, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em maio 27, 2016
“Não se afobe, não; que nada é pra já; O amor não tem pressa; ele pode esperar…
E quem sabe, então; o Rio será; alguma cidade submersa…”
Chico Buarque
[EcoDebate] Dizem que os poetas são seres além do seu tempo. Na música “Futuros Amantes”, o compositor Chico Buarque antevê a cidade do Rio de Janeiro submersa e diz que os “escafandristas” virão investigar “vestígios de estranha civilização”.
E bota estranho nisto! A civilização capitalista “criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas”, como disse Marx e Engels no Manifesto Comunista. Nos últimos 250 anos a população mundial cresceu 9 vezes e a economia aumentou 120 vezes. Cidades e metrópoles germinaram em todos os continentes, especialmente em áreas ricas do litoral.
O que viabilizou o sucesso da civilização urbano-industrial foi o uso amplo e indiscriminado dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás). A ampla disponibilidade de energia barata turbinou o desenvolvimento econômico permitindo um grande avanço do processo civilizatório.
Mas o progresso humano se deu às custas do regresso ecológico e do aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Nos 800 mil anos antes da Revolução Industrial e Energética a concentração de CO2 na atmosfera não passava de 280 partes por milhão. Desde o final do século XX a química da atmosfera vem se alterando e o efeito estufa vem se agravando.
Em 1979, o nível de CO2 na atmosfera atingiu 335 partes por milhão (ppm). Em 2015, o nível de concentração de CO2 ultrapassou o perigoso limiar de 400 ppm. Nas últimas décadas o aumento tem sido de 2,5 ppm por ano. Neste ritmo, o mundo poderá ultrapassar 600 ppm antes do ano 2100.
Isto seria um desastre completo, pois o aumento do efeito estufa implica em aumento da temperatura. O ano de 2015 ficou 0,90º C acima da média do século XX. Mas o que estava quente, esquentou ainda mais nos primeiros 4 meses de 2016. No mês de abril a temperatura ficou 1,10º C acima da média do século XX e mais de 1,4º C acima da média do início da série, conforme mostra o gráfico abaixo:
Mesmo se o Acordo de Paris, da COP-21, tiver sucesso com a efetivação das Contribuições Voluntárias Nacionalmente Determinadas (INDCs), a temperatura poderá atingir 3,5º até o final do século. A última vez que a temperatura ficou perto deste nível ocorreu no período Eemiano (entre 130.000 e 110.000 anos atrás). Naquela época o nível do mar estava de 5 a 6 metros acima do nível atual.
Com base nos dados geológicos do passado, o site “Climate Central” fez diversas simulações de como o aumento da temperatura afetaria o nível dos oceanos e como este aumento atingiria as cidades costeiras. No caso do Rio de Janeiro, uma temperatura de 4º C, acima do período pré-industrial, significaria inundar a maior parte da cidade e deixar a maior parte das ruas debaixo d’água.
A queda de um trecho da ciclovia Tim Maia (no dia 21 de abril) é apenas um alerta e uma amostra do poder das ondas e da ressaca marinha. A cidade do Rio de Janeiro tem mais de 6 milhões de habitantes e a Região Metropolitana tem mais de 12 milhões de habitantes. O estrago que a fúria do mar poderia deixar na “Cidade Olímpica” é imenso.
A Cidade Maravilhosa é muito amada e, como disse Chico Buarque: “Amores serão sempre amáveis”. Assim, no ritmo atual, talvez possamos desejar para os sobreviventes aquáticos e as espécies que viverão no Rio submerso, o mesmo que, num gesto de altruísmo e desprendimento, o poeta carioca desejou para as futuras gerações: “Futuros amantes, quiçá; se amarão sem saber; com o amor que eu um dia; deixei pra você”.
Referências;
Climate Central. New Report and Maps: Rising Seas Threaten Land Home to Half a Billion. November 8, 2015
Katie Valentine. Sea Level Rise Is Here, And Is Gobbling Up Islands Climate, May 9, 2016
Andrea Thompson. 99 Percent Chance 2016 Will Be Hottest Year, Climate Central, 18/05/2016
Climate Change – Its Effect on Earth After 20 Years
Futuros Amantes
Chico Buarque
Chico Buarque
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
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Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 27/05/2016
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