domingo, 29 de maio de 2016

RIO DE JANEIRO : CIDADE SUBMERSA.

Rio de Janeiro: cidade submersa, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em maio 27, 2016 

“Não se afobe, não; que nada é pra já; O amor não tem pressa; ele pode esperar…
E quem sabe, então; o Rio será; alguma cidade submersa…”
Chico Buarque

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[EcoDebate] Dizem que os poetas são seres além do seu tempo. Na música “Futuros Amantes”, o compositor Chico Buarque antevê a cidade do Rio de Janeiro submersa e diz que os “escafandristas” virão investigar “vestígios de estranha civilização”.
E bota estranho nisto! A civilização capitalista “criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas”, como disse Marx e Engels no Manifesto Comunista. Nos últimos 250 anos a população mundial cresceu 9 vezes e a economia aumentou 120 vezes. Cidades e metrópoles germinaram em todos os continentes, especialmente em áreas ricas do litoral.
O que viabilizou o sucesso da civilização urbano-industrial foi o uso amplo e indiscriminado dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás). A ampla disponibilidade de energia barata turbinou o desenvolvimento econômico permitindo um grande avanço do processo civilizatório.
Mas o progresso humano se deu às custas do regresso ecológico e do aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Nos 800 mil anos antes da Revolução Industrial e Energética a concentração de CO2 na atmosfera não passava de 280 partes por milhão. Desde o final do século XX a química da atmosfera vem se alterando e o efeito estufa vem se agravando.
Em 1979, o nível de CO2 na atmosfera atingiu 335 partes por milhão (ppm). Em 2015, o nível de concentração de CO2 ultrapassou o perigoso limiar de 400 ppm. Nas últimas décadas o aumento tem sido de 2,5 ppm por ano. Neste ritmo, o mundo poderá ultrapassar 600 ppm antes do ano 2100.
Isto seria um desastre completo, pois o aumento do efeito estufa implica em aumento da temperatura. O ano de 2015 ficou 0,90º C acima da média do século XX. Mas o que estava quente, esquentou ainda mais nos primeiros 4 meses de 2016. No mês de abril a temperatura ficou 1,10º C acima da média do século XX e mais de 1,4º C acima da média do início da série, conforme mostra o gráfico abaixo:

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Mesmo se o Acordo de Paris, da COP-21, tiver sucesso com a efetivação das Contribuições Voluntárias Nacionalmente Determinadas (INDCs), a temperatura poderá atingir 3,5º até o final do século. A última vez que a temperatura ficou perto deste nível ocorreu no período Eemiano (entre 130.000 e 110.000 anos atrás). Naquela época o nível do mar estava de 5 a 6 metros acima do nível atual.
Com base nos dados geológicos do passado, o site “Climate Central” fez diversas simulações de como o aumento da temperatura afetaria o nível dos oceanos e como este aumento atingiria as cidades costeiras. No caso do Rio de Janeiro, uma temperatura de 4º C, acima do período pré-industrial, significaria inundar a maior parte da cidade e deixar a maior parte das ruas debaixo d’água.
A queda de um trecho da ciclovia Tim Maia (no dia 21 de abril) é apenas um alerta e uma amostra do poder das ondas e da ressaca marinha. A cidade do Rio de Janeiro tem mais de 6 milhões de habitantes e a Região Metropolitana tem mais de 12 milhões de habitantes. O estrago que a fúria do mar poderia deixar na “Cidade Olímpica” é imenso.
A Cidade Maravilhosa é muito amada e, como disse Chico Buarque: “Amores serão sempre amáveis”. Assim, no ritmo atual, talvez possamos desejar para os sobreviventes aquáticos e as espécies que viverão no Rio submerso, o mesmo que, num gesto de altruísmo e desprendimento, o poeta carioca desejou para as futuras gerações: “Futuros amantes, quiçá; se amarão sem saber; com o amor que eu um dia; deixei pra você”.
Referências;
Futuros Amantes
Chico Buarque
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 27/05/2016

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