Deseconomia E Estagnação Secular Em Um Mundo Lotado, Artigo De José Eustáquio Diniz Alves
“Teremos, então, o que denomino crescimento deseconômico,
produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens –
tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”
(Daly, 2005)
[EcoDebate] A escola da economia ecológica mostra que é impossível manter o crescimento econômico infinito em um mundo finito e defende o Estado Estacionário (ou decrescimento) como uma situação em que haja equilíbrio entre o nível da economia e da ecologia, onde a taxa de crescimento seja igual ou menor que a taxa de depreciação do capital.
Em geral, a contabilidade econômica é falsa, pois confunde a depleção de recursos e o aumento da entropia como criação de riqueza. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não gera necessariamente riqueza, ao contrário, pode gerar pobreza ambiental, que é uma pobreza que pode levar ao extermínio da vida na Terra.
Quanto se destrói amplas áreas da floresta Amazônica, se queima a madeira e se transforma a área de floresta em áreas de pasto para a criação de gado bovino, os pecuaristas, os políticos (prefeitos, vereadores, etc.), alguns sindicatos e os bancos comemoram a ampliação dos espaços econômicos e muita gente põe dinheiro no bolso, com a movimentação da economia. Mas ecologicamente o país fica mais pobre, pois muitos seres vivos morrem, há uma perda de biodiversidade, a floresta deixa de captar gás carbônico e o rebanho passa a emitir metano, agravando o aquecimento global. Do ponto de vista da atmosfera, têm-se um agravamento da “tragédia dos comuns”. Neste caso, toda a vida no Planeta sai perdendo, enquanto as estatísticas mostram um crescimento do PIB.
É a pobreza de muitos transmutada em riqueza de poucos. Quando este tipo de atividade acontece em uma escala pequena (mundo vazio) é pouco notada e suas consequências são localizadas. Mas quando a destruição da natureza atinge uma escala planetária as consequências são muito graves e a degradação ambiental e o aquecimento global passam a ser o maior risco à continuidade da civilização.
Como mostra Maria Amélia Rodrigues Enríquez, ex-presidente da ECOECO (boletim 19, 2008), na perspectiva de Herman Daly, no mundo vazio (parte superior da Figura acima), em que a escala de produção de bens e serviços era pequena, o elemento escasso ou fator limitante da produção era o capital manufaturado, ao passo que os recursos naturais e ambientais (capital natural) eram abundantes. Conforme Daly exemplifica, quando o mundo era vazio havia milhões de rios e nenhum assentamento humano próximo a eles; assim, o custo de oportunidade do uso desses rios era praticamente zero e o conceito de externalidade não tinha a menor importância.
Ainda segundo Enríquez, no mundo cheio, superpovoado em que o tamanho da economia passa a sufocar a capacidade de o capital natural gerar os serviços ambientais necessários para o bem-estar humano (parte de baixo da Figura), o custo de oportunidade no uso dos recursos naturais e ambiental é alto e o conceito de externalidade adquire importância elevada. Não por acaso, neste mundo, os novos projetos precisam demonstrar que geram muito mais benefícios que custos. No mundo cheio há excesso, e não escassez, tanto de capital manufaturado como de mão de obra. Nele, o fator limitante da produção material passou a ser o capital natural, tanto no que se refere à disponibilidade de recursos naturais e de serviços ambientais (sources) como em capacidade de acúmulo e absorção de resíduos (sinks).
Por exemplo, a crise hídrica paulistana reflete bem a metáfora do mundo cheio e do mundo vazio. A cidade de São Paulo (SP) tinha 31.385 habitantes em 1872, ultrapassou um milhão de habitantes em 1940, superou 10 milhões de pessoas no ano 2000 e se aproxima de 12 milhões em 2016. A região metropolitana de SP, com mais de 20 milhões de habitantes (o dobro da população de Portugal) é a região metropolitana mais populosa e mais rica do Brasil. Durante a maior parte do século XX, quando a densidade demoeconômica era baixa (o espaço era mais vazio ou menos cheio) as matas e os rios favoreceram o desenvolvimento de São Paulo.
O território da RM de São Paulo foi favorecido por bom volume pluviométrico e já foi recortado por belos rios, como Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, que forneciam água, peixes, diversidade de vida animal e vegetal, além de escoarem as águas da chuva fertilizando os solos. Mas a maioria dos rios foram enterrados vivos, totalmente desfigurados, poluídos pelo lixo e dejetos humanos, tornando-se verdadeiros esgotos a céu aberto ou canalizados. Sem oxigênio, viraram “rios da morte” que exalam mau cheiro, sujeira e envergonham os cidadãos da cidade, do estado e do país.
No século XXI, com a alta densidade demoeconômica da RMSP, o desmatamento, a poluição dos rios, a precariedade do saneamento básico e o alto custo para se obter os serviços ecossistêmicos, tudo isso, emperra o desenvolvimento da região, aumenta os custos e reduz o padrão de vida da população. No passado (a RMSP se assemelhava com a parte de cima da figura) havia economias de escala, agora existem deseconomias de escala e grandes externalidades negativas, que devem crescer ainda mais no futuro (a RMSP se assemelhava cada vez mais com o mundo cheio e a parte de baixo da figura que representa o pensamento de Herman Daly). Assim, a RMSP se enriqueceu às custas da pauperização do meio ambiente e da depleção dos seus recursos hídricos.
Esta realidade já foi exposta e denunciada por diversos estudiosos da economia ecológica, tais como Frederick Soddy, Nicholas Georgescu-Roegen, Kenneth Boulding, Howard Odum, Joan Martínez Alier, Peter May, Herman Daly, Clóvis Cavalcanti, etc. Como mostrou o pesquisador Maurício Amazonas:
“Economia Ecológica funda-se no princípio de que o funcionamento do sistema econômico, considerado nas escalas temporal e espacial mais amplas, deve ser compreendido tendo-se em vista as condições do mundo biofísico sobre o qual este se realiza, uma vez que é deste que derivam a energia e matérias-primas para o próprio funcionamento da economia. Uma vez que o processo econômico é um processo também físico, as relações físicas não podem deixar de fazer parte da análise do sistema econômico, o que a tornaria incompleta. Com isso, a natureza do problema envolve elementos tanto econômicos quanto biofísicos. Por sinal, o descaso ou pouca relevância atribuída aos atributos biofísicos da economia nos modelos da economia convencional veio sendo assim um principal ponto de crítica e motivação da Economia Ecológica”.
Infelizmente, o paradigma hegemônico nos estudos econômicos em todo o mundo ainda é a concepção neoclássica, que defende o crescimento desregrado e prega os benefícios do crescimento como salvação para todos os males da humanidade. O crescimento econômico é visto como forma de reduzir a pobreza, de pagar as dívidas, de investir em educação e saúde, de melhorar as condições dos municípios, etc. Isto foi reforçado pelo fato de que após a Segunda Guerra, os diversos países tiveram um incremento excepcional do PIB, especialmente entre 1950 e 1973. Com o início da crise do petróleo, em 1973, e nas décadas de 1980 e 1990 o crescimento econômico foi menor. Houve uma certa retomada do crescimento na primeira década do século XXI, graças ao desempenho excepcional da China que possibilitou uma elevação do preço das commodities e favoreceu os termos de troca das “economias emergentes”.
Mas os cenários em 2016 e nos próximos anos não são otimistas e até os economistas neoclássicos hoje falam em três problemas: 1) a “estagnação secular”; 2) o “fim dos emergentes” e 3) a “armadilha dos países de renda média”. Em discurso realizado no FMI em novembro de 2013, Larry Summers chamou de “estagnação secular” a ideia de que, além da paralisia da Europa e Japão, o atual período de fraco crescimento nos EUA (em que as taxas de juro nominais quase nulas ou negativas já não são suficientes para reanimar a economia) pode permanecer durante muitos anos. A crise está longe de estar resolvida e ter a economia estagnada pode ser o “novo normal”. A produtividade do trabalho vem caindo continuamente.
Se as coisas não vão bem para os países desenvolvidos, os chamados países emergentes também estão sentindo os ventos contrários. Para o economista Ruchir Sharma, – chefe de mercados emergentes e de macroeconomia global da Morgan Stanley – os chamados “países emergentes” perderam o ritmo de crescimento da primeira década do atual século e a ideia dos BRICS como potência mundial não passa de uma ilusão. Ou seja, para Sharma, os emergentes vão continuar emergentes para sempre e não vão conseguir a paridade com os países mais ricos do mundo. O mesmo vale para os MINT (México, Indonésia, Nigéria e Turquia).
O terceiro problema atual é a “Armadilha da renda média”. Ou seja, os chamados países emergentes apresentaram bons resultados econômicos na fase que passavam pelas transições urbana e demográfica, pela exploração dos recursos naturais e cresceram economicamente por “imitação” (adaptação criativa). Porém, é mais fácil uma nação deixar um nível de renda baixa para o de renda média do que sair da renda média e ingressar no clube dos países desenvolvidos. A “Armadilha da renda média” é um obstáculo que impede o progresso das chamadas economias emergentes. Estar preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o seu caminho do desenvolvimento tradicional, mantendo indicadores ruins na área de infraestrutura urbana e transporte, baixa qualidade da educação e baixa capacidade de investimento e inovação tecnológica. O Brasil, que está passando por uma nova década perdida (2011-2020) já é muito citado como um caso clássico de “armadilha da renda média”.
Desta forma, a conjugação dos três fenômenos “estagnação secular”, “fim dos emergentes” e “armadilha dos países de renda média” aponta para um período de baixo crescimento econômico e de possibilidade de aumento dos problemas sociais no mundo nas próximas décadas. Tudo isto, que só agora os economistas neoclássicos e neoliberais estão percebendo era o que Herman Daly chamava e chama de “crescimento deseconômico” em um mundo cheio (ou lotado).
Mas a maior ameaça à humanidade e à vida na Terra acontece em função do aquecimento global. O grande aumento das emissões de CO2 em função da queima de combustíveis fósseis e as emissões de metano em função da expansão da pecuária mundial já fizeram a concentração de gases de efeito estufa atingir mais de 400 partes por milhão (ppm), quando o nível seguro seria 350 ppm. Desta forma, em fevereiro de 2016, o aumento da temperatura da atmosfera atingiu 1,2º C em relação à média do século XX, ou cerca de 1,5º C em relação à média do período 1880-1910. O aquecimento global provoca o derretimento do gelo da Groenlândia, do Ártico, da Antártida e dos glaciares, o que leva à elevação do nível dos oceanos.
Relatório do Banco Mundial, divulgado em maio de 2016, prevê que 1,3 bilhão de pessoas serão afetadas pelas inundações nas próximas décadas e o prejuízo material pode chegar a US$ 158 trilhões. Evidentemente, será um desastre para a população e a economia internacional. Também o Relatório de Avaliação de Risco Mundial, do Fórum Econômico Mundial de Davos, 2016, considera que o aquecimento global é o principal risco à economia mundial.
Estes problemas não existiam no mundo vazio, antes da Revolução Industrial e Energética. Quando as atividades antrópicas eram de pequena escala, a humanidade não tinha impacto global e não era ameaçada por mudanças climáticas globais. Mas entre 1776 e 2016 o crescimento da população foi de quase 9 vezes (de cerca de 850 milhões para 7,4 bilhões de habitantes), enquanto o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi multiplicado por um fator de 120 vezes. Saímos de um mundo vazio para um mundo cheio. Só nas áreas costeiras há uma população de cerca de 3,5 bilhões de pessoas, que, de forma ou de outra, vão sofrer com o aumento do nível do mar e com os maiores e mais frequentes furacões, ciclones e inundações.
Portanto, a perspectiva para as próximas décadas é estagnação secular da economia, crise nos chamados “países emergentes” e crescentes ameaças ambientais. A natureza não está se vingando do ser humano. O ser humano está ficando mais vulnerável aos riscos naturais ao destruir a natureza. A escola de economia ecológica já vem falando sobre isto há bastante tempo. Muitos países caminham para a deseconomia, a estagnação e o desdesenvolvimento. Pena que pouca gente dê ouvidos aos alertas lançados por aqueles que dizem que é impossível o crescimento ilimitado em um planeta finito. E diante das desigualdades sociais, cresce a demanda por empregos e direitos de cidadania de bilhões de pessoas da base da pirâmide de renda.
O mundo está ficando perigosamente quente e lotado.
Referências:
ALVES, JED. Mundo cheio e decrescimento, Ecodebate, RJ, 03/06/2016
ALVES, JED. Planeta sitiado, #Colabora, RJ, 07/06/2016
ALVES, JED. A humanidade já ultrapassou a Capacidade de Carga do Planeta, Scribd, 08/12/2016
Boletim EcoEco. Herman Daly, um mestre e amigo, n. 19, set-dez 2008
José Eli da Veiga. Desenvolvimento em mundo lotado, jornal Valor, 07/12/2005
Maurício de Carvalho Amazonas. O que é a Economia Ecológica, EcoEco, 2001
Paul Gilding: The Earth is full
https://www.youtube.com/watch?v=DZT6YpCsapg
https://www.youtube.com/watch?v=DZT6YpCsapg
Herman E. Daly. Sustentabilidade em um mundo lotado, outubro de 2005
Herman E. Daly. De uma economia de crescimento fracassado a uma economia de estado estacionário, 01/Junho/2009
Herman Daly, Economics for a full world, 2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 07/12/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário