Amor e interpretação de texto, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Um post interessante diz que “sim, o mundo precisa de amor, mas também de interpretação de texto”. Uma pessoa diz “azul” e a outra pode lembrar do mar, do céu, de uma companhia aérea, de um time de futebol ou de uma música do Djavan, depende do que for mais marcante na sua experiência emotiva.
Nunca vimos tantas denúncias de corrupção, isso significa que estamos rumo a um caos social ou a um avanço por estarmos “passando o Brasil a limpo”? Mais que uma convicção “objetiva”, a resposta inclui variáveis pessoais (pessimismo, otimismo), já que seres humanos são essencialmente subjetivos.
Muitas pessoas se acham “objetivas” e podem ser realmente focadas, racionais, lógicas, coerentes. Isso não as tornas donas da verdade, porque a própria natureza do nosso Sistema Nervoso Central (SNC) nos leva a captar percepções e reações emocionais antes mesmo de formularmos pensamentos, antes de racionalizarmos sobre o que sentimos, logo após captadas as nossas impressões sensoriais.
Mesmo as pessoas mais lógicas estarão sendo objetivas, no máximo, com a sua própria interpretação da realidade. É impossível a uma única pessoa captar a realidade inteira, pois a interpretação dos fatos que ocorre no SNC decorre dos tons emocionais, que são diferentes para cada pessoa, diante dos mesmos acontecimentos.
Para compreender isso, basta você olhar o Facebook e suas polêmicas. A “carência de interpretação de texto” no Face é decorrência das interpretações precoces, baseadas nas comparações com experiências passadas. Alguém diz “X” e outra pessoa questiona porque o “Y” foi relevado a um segundo plano, como se fosse menos importante que o X. Não se preocupe, você não está paranoico, está numa rede social, onde tudo é assim mesmo.
Na sua simplicidade genial, Mário Quintana já observara que as pessoas não prestam atenção no que as outras dizem, preferem dar atenção ao que elas não dizem. Tudo que você escreve – e mais ainda o que você não escreve – teria uma mensagem subliminar, que a outra pessoa “captou”. Essa é a essência da “D.R.”, da famosa “Discutir a Relação” dos casais. A outra pessoa tem suas próprias vivências emocionais e interpreta você através delas. Se console que não é só com você, é o jeito daquela pessoa de interpretar o mundo, no qual você está naturalmente incluído.
A objetividade é uma ilusão perigosa, pois leva a discussões infindáveis sobre quem está certo, onde duas pessoas podem passar a eternidade acumulando provas, como naqueles processos judiciais infindáveis. Uma solução vem no post que ensina: “eu não quero ter razão, eu quero ser feliz”.
Não sermos donos da verdade, estarmos abertos a uma realidade maior que nós, é bom para a saúde mental e para a sociedade.
Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/02/2017
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