Como equilibrar as contas da Previdência sem cortar aposentadorias
Por Piero Locatelli | 02/12/16
Ao invés de reduzir o benefício dos trabalhadores,
o cofre da Previdência pode crescer com medidas para combater a sonegação,
reduzir as isenções fiscais a empresas e a informalidade do mercado
A Reforma da
Previdência que o presidente Michel Temer promete enviar ao Congresso na semana
que vem deve ter grande impacto na vida dos trabalhadores. Isso porque
o projeto parte de um raciocínio simples para supostamente equilibrar o
cofre da Previdência Social: os brasileiros estão vivendo mais, e o número de
aposentados só aumenta. Para a conta fechar, eles devem se aposentar mais tarde
ou ganhar menos.
O envelhecimento da
população é uma realidade, reforçada ontem pelo anúncio da Síntese de Indicadores Sociais
2016, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Mas cortar
benefícios dos trabalhadores não é a única forma de sanar as contas da
previdência. É possível aumentar a arrecadação simplesmente aplicando a lei em
vigor. A Constituição estabelece três fontes de contribuições para a
previdência: os trabalhadores, as empresas e o governo.
É possível aumentar
as entradas ao sanar os ralos por onde o dinheiro da Previdência Social escapa.
Entre elas, a dívida das empresas com o INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social), que aumenta ano a ano sem que o governo consiga recuperá-la. E as
isenções fiscais às empresas, mantidas com o dinheiro da previdência.
A Repórter Brasil reuniu uma série de
medidas que poderiam aumentar significativamente a receita da Previdência,
equilibrando as contas sem a necessidade de cortar benefícios dos
trabalhadores.
Recuperar
dívidas com o INSS: R$ 10,3
bilhões
Quase 700 mil
empresas devem R$ 301,9 bilhões à Previdência Social, o suficiente para pagar
mais de duas vezes o chamado déficit da previdência. Apesar do grande número de
devedores, a maior parte da dívida está concentrada em poucos deles: os 10
maiores concentram mais de um terço desse valor, segundo dados da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Infelizmente, não é
fácil para o governo recuperar esse dinheiro. A maior parte das empresas
faliram antes de pagar as suas contas, caso das duas maiores devedoras: as
companhias aéreas Varig e Vasp. Ainda assim, são altas as chances de recuperar
10,3 bilhões de reais, segundo estudo do extinto Ministério do Trabalho e da
Previdência Social, realizado em 2015.
O calote ao INSS
não ficou em um passado remoto, já que algumas empresas continuam a ignorar
esses impostos. Somente em 2015, a Previdência Social perdeu 26,4 bilhões de
reais devido à inadimplência e à sonegação fiscal, segundo dados da Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal. “É muito difícil recuperar
esse dinheiro porque existe um volume de crédito muito alto e um número de
procuradores reduzidos, além das dificuldades impostas pela própria lei e o
longo processo que ela impõe,” diz o auditor da Receita Federal Décio Bruno
Lopes, vice-presidente de Seguridade Social da entidade.
Acabar
com isenções ficais: R$ 55
bilhões
Além das empresas
que sonegam as contribuições à Previdência Social, há outras que sequer
precisam pagar o governo. Com o argumento de que isso aquece o mercado de
trabalho, o Governo Federal concede descontos no pagamento do INSS pelos
empregadores desde 2011. A estimativa para 2016 é de que esses benefícios
retirem R$ 25 bilhões da Previdência Social.
Esse problema
parece não ter hora para acabar. O programa de desonerações, batizado de
“Brasil Melhor”, foi anunciado como uma medida temporária, que deveria durar
três anos. Mas, desde então, o programa vem sendo renovado sob a pressão do
setor empresarial.
Além disso, há
outras empresas que não precisam contribuir integralmente para a Previdência
Social: microempreendedores individuais, entidades filantrópicas e aquelas que
aderem ao Simples. Somados, eles devem tirar R$ 55 bilhões da Previdência
Social em 2016, segundo estimativas da Associação Nacional dos Auditores
Fiscais da Receita Federal.
Formalizar trabalhadores: R$ 47 bilhões
Os 18,5 milhões de
trabalhadores sem carteira de trabalho assinada no Brasil são 18,5 milhões de
contribuintes a menos para a Previdência Social, já que recebem o seu salário
informalmente. O rombo para 2013 foi estimado em pelo menos R$ 41,6 bilhões
anuais por José Dari Krein e Vitor Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro
de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. O número sobe para
R$ 47 bilhões quando também são considerados os trabalhadores domésticos, que
não recebem desconto na folha de pagamento para a Previdência Social.
O dinheiro pago aos
trabalhadores “por fora” do salário também passam ao largo da Previdência. São
salários subestimados, horas extras pagas informalmente e até gorjetas que não
são incluídas no valor da carteira de trabalho. Ao tirar o valor da folha de pagamento,
as empresas sonegam o INSS.
Não existem
levantamentos nacionais sobre o assunto, mas estudos pontuais mostram que esse
tipo de prática é extremamente comum e danosa. Somente 135 empresas de
transporte urbano em Belo Horizonte, por exemplo, causaram um rombo anual de R$
1 milhão na Previdência Social pagando os funcionários “por fora”, segundo ação
do Ministério Público Federal de Minas Gerais em 2015.
Comunicar acidentes e doenças: R$ 8,8
bilhões
Mais de 300 mil
trabalhadores são afastados dos seus empregos todos os anos por causa de
acidentes ou doenças adquiridas no local de trabalho. Apesar das empresas
causarem esses problemas, são os cofres da Previdência Social que pagam os R$
8,8 bilhões anuais em auxílios a esses doentes e acidentados.
As empresas
deveriam pagar por esses auxílios quando elas não seguirem padrões de segurança
e higiene determinados pelo governo. Já o INSS tem o dever de pedir esse
dinheiro de volta às empresas na Justiça, mas não age com o empenho necessário
para recuperar esse dinheiro. Em um ano, o INSS entra em média com 340 ações
pedindo o ressarcimento das aposentadorias causadas pelas empresas, um número
irrisório perto das centenas de milhares de trabalhadores que são afastados
todo ano.
Recentemente, o
instituto começou a entrar com ações coletivas contra as empresas. Dessa forma,
seria possível recuperar mais dinheiro de uma única vez. A Previdência
conseguiu sua primeira vitória em 2015, quando o frigorífico Doux Frangosul foi
condenado a pagar um milhão de reais ao governo pelos auxílios dados pelo INSS
a 111 ex-funcionários que contraíram doenças no abate de frangos.
Deixar de comunicar
acidentes também é uma forma de sonegação. Ao esconder esses registros, elas
economizam com uma contribuição que varia de acordo com o número de doentes e
acidentados em cada empresa, chamada Riscos Ambientais de Trabalho (RAT).
O número de
trabalhadores que relata ter sofrido um acidente ou adoecido no trabalho é sete
vezes maior do que o número informado ao INSS, segundo estudo da Fundacentro,
fundação de pesquisas ligada ao Ministério do Trabalho. Caso os acidentes
não fossem omitidos dessa forma, a arrecadação seria muito maior que os atuais
R$ 27 bilhões arrecadados pelo RAT anualmente.
Usar outras fontes para pagar a dívida pública: R$
63 bilhões
Culpada
constantemente pelos problemas do orçamento de todo o governo, a dívida pública
também leva sua parte do orçamento da Previdência Social. Para pagá-la em
2015, o governo retirou R$ 63 bilhões da conta da Seguridade Social, uma
rubrica que inclui, além da Previdência Social, o Sistema Único de Saúde (SUS),
o Bolsa Família e outras políticas.
Isso é possível
graças a um mecanismo chamado Desvinculação de Receitas da União (DRU), que até
esse ano permitia ao governo gastar 20% da sua arrecadação livremente.
Esse valor deve crescer a partir de 2017, graças a uma emenda à Constituição
que aumentou a DRU para 30%.
Sem o pagamento da
dívida, a Seguridade Social não daria o prejuízo alardeado pelo governo.
Considerando todas as fontes de receita da seguridade, o saldo positivo seria
de R$ 11 bilhões, segundo levantamento da Anfip (Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Além dos descontos em folha,
uma série de impostos e contribuições, com o Cofins e o CSLL, deveriam servir
exclusivamente para bancar a assistência social do governo, de acordo com o
texto da Constituição.
Arte: Eugênia
Hanitzsch
Fonte : Repórter Brasil
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