sábado, 31 de agosto de 2019

AMAZÔNIA EM CHAMAS.

Amazônia em chamas, artigo de Montserrat Martins


queimadas na amazônia
Charge de Roque Sponholz, in Humor Político
[EcoDebate] A sua opinião é mais importante do que você imagina. Ela influencia nos discursos e nas ações das autoridades, dos políticos, desde um vereador até o Presidente da República. A sua opinião sobre a Amazônia é fundamental para o que vai acontecer com ela, o quanto dela vai sobreviver.
A Amazônia está em chamas, alvo de queimadas que acabam com a floresta. Os incendiários se apossam dessas terras, depois de devastar a floresta. Além do combate às chamas, cabe ao governo mobilizar as polícias e o exército para prender estes criminosos.
Não sei se você percebeu, mas saiu no noticiário da semana passada que nuvens escuras, carregadas de fuligem das queimadas, chegaram até São Paulo, a milhares de quilômetros dos incêndios no Mato Grosso e em Rondônia. Em condições saudáveis, as nuvens que vem da Amazônia são os “rios flutuantes” que irrigam as plantações e abastecem os rios e reservatórios do país de água – fenômenos naturais que, com a diminuição da floresta, ameaçam os nossos rios também.
O clamor popular é importante para que sejam identificados esses bandidos incendiários, pois está evidente a impunidade, por omissão das autoridades responsáveis. Não adianta o Presidente dizer que desconfia “de ONGs interessadas em prejudicar o governo”, quando a obrigação do governo é identificar e prender os criminosos. O Presidente é responsável por zelar pelo nosso patrimônio nacional e não é um ato responsável acusar pessoas de quem ele não gosta, ao invés de tomar as providências legais para inibir o crime.
Se você gosta das praias de Florianópolis, deve ter notado que a faixa de areia está diminuindo ao longo dos anos, pois o nível do mar subiu em relação a décadas passadas. O derretimento do gelo das calotas polares é outro efeito da destruição da Amazônia, que Lutzemberger chamou de “o ar condicionado do planeta”, por ser o maior fator de proteção do clima contra o aquecimento global.
Nem você, nem eu, temos o poder de determinar que as forças de segurança nacional atuem com todo rigor contra a destruição da Amazônia. Mas temos o poder de cobrar isso de quem tem essa responsabilidade.
As obrigações legais não dependem de “gostar” ou “não gostar” de alguém. Não faz diferença de quem o Presidente gosta, ou quem gosta dele. Alguém ser nosso amigo, ou nosso desafeto, não muda os seus direitos nem os seus deveres, perante as leis.
É obrigação do Presidente – deste e de todos os outros, antes e depois dele – de usar todos os meios para deter as chamas na Amazônia e prender os responsáveis.
Montserrat Martins, Colunista do EcoDebate, é Psiquiatra, autor de “Em busca da alma do Brasil”.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/08/2019

AS CAUSAS DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NA AMAZÔNIA.

As causas dos incêndios florestais na Amazônia, artigo de Nelson Tembra


Sobre os recentes destaques no noticiário internacional para o “aumento dos incêndios florestais na Amazônia”, e de tanta bobagem sendo falada por especuladores, a titulo de colaboração, não poderia deixar de apresentar esta revisão, trazendo meu parecer com as conclusões próprias resumidas obtidas na Pesquisa Florestal Brasileira, Brazilian Journal of Forestry Research (http://pfb.cnpf.embrapa.br/pfb/ ) ISSN: 1983-2605 (online), pautada nos impactos do fogo sobre a vegetação úmida da Amazônia, objetivando contextualizar a ecologia dos incêndios na Amazônia em nível de ecologia do fogo global, buscando correlações e futuras hipóteses explicativas de uso das informações e da real mortalidade individual dos vegetais impactados.
Os incêndios florestais ocorrem não é de hoje, e podem acontecer em razão de diferentes causas como, por exemplo, pela imperícia humana na condução de certos processos produtivos envolvendo o uso da terra; ou de caráter acidental, no processo de agricultura de corte e queima; podendo ser criminoso, ou provocado intencionalmente e também, no caso recente, pode estar havendo manipulação política de interesses de acordo com as cartilhas comunistas.
Os incêndios também podem ser causados por fatores naturais, como os fatores climáticos. Entre 2001 a 2006, incêndios ocorreram em 40% da vegetação terrestre (Chuvieco et al., 2008), aparecendo naquelas regiões de vegetação muito densa ou muito úmida (florestas úmidas tropicais), ou muito esparsa (desertos) devido acúmulo de matéria necessária à combustão (Krawchuk et al., 2009). A distribuição dos maiores biomas do mundo – desertos, tundra, pradarias, savanas e florestas (tropical, temperada e boreal) – é tradicionalmente explicada pela temperatura e precipitação (Bond et al., 2005), compreendida como clímax climático no Brasil (Rizzini, 1963).
Em regiões úmidas e produtivas, como a floresta tropical, a quantidade de combustível não é fator limitante e a atividade de incêndios será determinada pelas condições climáticas, pois quanto mais seco e mais quente, maior a flamabilidade (Govender et al., 2006). A combinação do tempo de recorrência dos incêndios, a distribuição da frequência de incêndios em dado espaço, e a localização das áreas queimadas produz um mosaico de histórias de fogo ao longo de uma paisagem, que incluirão áreas que queimaram com diferentes tamanhos e frequências (Keeley et al., 2009).
Na perspectiva do fogo como um processo ecossistêmico, deverá haver um mínimo de produtividade primária suficiente para propagação do mesmo, ao mesmo tempo em que uma sazonalidade climática específica é necessária para converter o combustível potencial da vegetação em combustível disponível (Bradstock, 2010). A estrutura per se: densidade de biomassa, razão volume de biomassa por unidade de área, razão entre biomassa e necromassa, relação serapilheira grossa x fina, tempos de decomposição e continuidade sub-bosque – copa; e o resultado da intensidade dependerá da complexa interação entre: estrutura de combustível, clima e ambiente físico (elevação, topografia e tipo de solo, presença, velocidade e direção dos ventos) tendo grande variação entre os diferentes tipos de fogo.
Nos incêndios florestais a temperatura pode variar entre 50 ºC a >1.500 ºC, e a liberação de calor podem variar de 2.110 J Kg-1 até > de 2 milhões de J Kg-1 (kW m-1 = taxa de liberação de calor por metro linear na frente de fogo), enquanto a taxa de propagação varia de 0,5 m semana-1 no fogo subterrâneo até muito mais de 7 km h-1 nos grandes incêndios de copa (Bond & van Wilgen, 1996). O incêndio de copa, ou de substituição, é o tipo de fogo que apresenta maior intensidade, sendo que nas florestas de coníferas, ou no chaparral californiano, pode atingir até mais de 50.000 kW.m-1, e propagar-se por áreas de até mais de 100.000 ha (Gill & Allan, 2008).
Nas florestas tropicais de solo úmido há variação de temperatura nos primeiros centímetros do solo, porém em profundidades abaixo de 15 cm o aumento de temperatura é desprezível: o calor latente da evaporação previne que a temperatura ultrapasse os 95 ºC (DeBano, 2000).Com relação aos aspectos físicos e regeneração de vegetação pós-fogo do tipo “derrubada e queima”, na Amazônia, podem-se destacar os experimentos de grande escala do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – Combustão de Biomassa da Floresta Amazônica (Carvalho Junior et al., 1995, 2010).
No período Cretáceo, por exemplo, iniciou o denominado “ciclo fogo-gramíneo”, resultado da nova estrutura da vegetação, que apresentava alta produtividade de biomassa das gramíneas C associada aos altos níveis de oxigênio e intensa atividade de relâmpagos (Bond & Midgley, 2012). Excluindo-se as atividades antropogênicas, as fontes potenciais de ignição estão relacionadas à relâmpagos, atividade vulcânica, faíscas de rochas, quedas de meteoros e combustão espontânea, decorrente de atividade microbiana ou oxidação nos depósitos de carvão (Bowman et al., 2011).
A estimativa das mudanças globais prevê o aumento da ocorrência de incêndios em regiões como da bacia Amazônica, onde o clima e as condições atmosféricas da maior parte da região, normalmente, impediriam esta ameaça (Ray et al., 2005). Os efeitos causados pela agricultura de larga escala, pelos grandes empreendimentos, e pela exploração madeireira, impactam a qualidade e resiliência dos diversos tipos de ecossistemas presentes na Amazônia (Nepstad et al., 1999, 2001).
Este impacto tem trazido para a Amazônia a ameaça de mudança do paradigma de ‘floresta imune aos incêndios’, o que invariavelmente resultará em um ciclo cada vez maior de depauperação do microclima e da vegetação, aumentando, portanto, o risco e suscetibilidade ao fogo. Estimativa recente da extensão do fogo de superfície, tomada por novas técnicas de detecção via satélite, informa que, no período compreendido entre 1999 e 2010 o fogo de sub- bosque afetou mais de 85.500 km2 de florestas ou 2,8% de toda a floresta amazônica (Morton et al., 2013). Solos com carvão vegetal indicam a ocorrência de fogo pelo menos durante os últimos 6.000 anos, período onde, em algumas regiões, o clima fica mais seco e a vegetação se encontrava notadamente escleromórfica e mais esparsa que a atual (Sanford et al., 1985). Muito diferente do que ocorre hoje em diversas regiões, este intervalo já pode ter sido reduzido para 25 ou até 10 anos de recorrência, em razão das mudanças do uso do solo e das fontes de ignição antropogênicas (Cochrane et al., 1999).
Em longo prazo, as respostas da vegetação às alterações climáticas (mudanças na flamabilidade) podem conduzir mudanças nos regimes de fogo (Coe et al., 2013), o que refletiriam em mudanças no tempo de recorrência, fator importante quando da perspectiva de uma floresta com baixa resiliência ao fogo (Holdsworth & Uhl, 1997). Nas florestas úmidas, quando há pouca precipitação e maior abertura do dossel, que são posições extremas de estresse, o microclima do sub-bosque modifica radicalmente, aumentando a temperatura ambiente e do solo e diminuindo as umidades relativas do ar e da serrapilheira (Cochrane & Laurance, 2002).
Na ecologia do fogo, os eventos e mecanismos que determinam a disfunção do pareamento entre a temperatura ambiente e aquela dos processos celulares, tais como o aquecimento do caule e folhas pelo fogo de superfície e o aquecimento de raízes pelo fogo subterrâneo, motivam estudos históricos e intensos debates (Starker, 1934). Quando o fogo atua na vegetação arbórea, pode haver a morte completa da parte aérea (top kill) por meio do fogo de substituição (fogo de copa), ou a morte seletiva, através do impacto do fogo de superfície.
A supressão da biomassa aérea da planta não implica em morte do indivíduo, pois muitas espécies possuem a capacidade de rebrota pós-fogo, com mecanismos que possibilitam a recolonização dos ambientes queimados (Vesk & Westoby, 2004). O aquecimento do caule ocorre por radiação e condução, e a conseguinte condução do calor no caule, através da casca da árvore, pode causar a necrose do floema e do câmbio vascular (Dickinson & Johnson, 2001).
Os processos de 2ª ordem são desdobramentos dos efeitos de 1ª ordem, e podem determinar a mortalidade das plantas por meio de efeitos indiretos, como as alterações secundárias de processos fisiológicos e o aumento da predisposição à infecção por patógenos ou ataque de insetos (Michaletz & Johnson, 2008). A conjunção destes fatores, quando atuando de maneira negativa, pode acelerar a morte de muitos indivíduos, principalmente nos ecossistemas pirofóbicos (ecossistemas com um conjunto de espécies sem adaptação pretérita ao fogo), ou mesmo atuar de maneira positiva, nos ecossistemas pirofíticos (ecossistemas com conjunto de espécies com adaptações evolutivas ao fogo e mesmo dependente dos regimes de queima), selecionando positivamente espécies que apresentam morfologia e fisiologia melhor adaptadas à severidade do fogo (Bond & Midgley, 2012).
Os casos melhor estudados, na proteção do caule contra o fogo, são os que relacionam a espessura do ritidoma – e de uma maneira geral a espessura da casca – à capacidade do tronco em resistir ao fogo de superfície como isolante térmico (Gill & Ashton, 1968). A temperatura do câmbio vascular aumenta e decai logo em seguida em que a frente de chama passa pela árvore, sendo que a mortalidade das células do tecido acontecerá a partir de uma combinação do efeito do tempo de exposição e da temperatura (Dickinson & Johnson, 2001).
Como o tecido meristemático do câmbio vascular é anelar nas angiospermas, o fogo, ao circundar a árvore, pode causar o anelamento e resultar na morte da árvore, ou a necrose parcial do câmbio (Bova & Dickinson, 2005). Para compreender o anelamento é necessário quantificar a taxa de troca de temperaturas entre os tecidos, por meio da difusividade termal: κ (m2s-1) [divisão da condutividade termal k (kJ s-1 ºC-1), pelo produto do calor específico (kJ kg-1 ºC-1) multiplicado pela densidade específica do tecido ρ (kg m-3)].
Ao mesmo tempo, a área funcional dos vasos diminui devido ao calor deformar as paredes dos vasos de condução, por força do amolecimento térmico dos polímeros da parede celular (Balfour & Midgley, 2006).
Os modelos empíricos utilizam indicadores visuais, tais como grau de queima do caule (stem height scorch) e grau de queima das folhas (canopy scorch), relacionadas com diâmetro e/ou espessura do córtex, para prever a mortalidade das árvores (Bova & Dickinson, 2003, 2005). Florestas impactadas nestas regiões de padrões de precipitação decrescente, provavelmente, teriam a estrutura da vegetação modificada ocasionando a alteração de sua capacidade de resistir ao fogo, o que, em uma escala global, proporcionaria uma redistribuição das áreas piro-dependentes (Krawchuk et al., 2009).
A regeneração natural da floresta também é prejudicada, à medida que elementos florestais poderiam estar sendo beneficiados com os espaços deixados pelo fogo, como algumas lianas (Pinard et al., 1999), gramíneas (Silvério et al., 2013) e o caso extremo do bambu no Acre (Smith & Nelson, 2010). Este balanço competitivo que está ocorrendo atualmente na borda das florestas, justamente na interface campo de gramíneas (pasto de gado) e floresta úmida, requer maior atenção por parte da ciência (Silvério et al., 2013).
A partir daí, o fogo de superfície avança lentamente no sub-bosque, queimando a serapilheira com temperaturas não muito altas, mas perigosas o suficiente para matar seletivamente pelo caminho, aqueles indivíduos de espécies que não possuem nenhum tipo de defesa e/ou estratégia para sobreviver ou rebrotar. Assim sendo, a morfologia das espécies, bem como os atributos ecológicos, devem ser adicionados aos modelos globais de impacto do fogo na vegetação, agregando ainda informações das mudanças globais do clima ao nível de paisagem.
Nelson Tembra, Engenheiro Agrônomo, Consultor Ambiental e Pesquisador Independente, com 34 de experiência profissional. e-mail: nelsontembra@gmail.com
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Nelson Tembra Blog
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/08/2019

AUMENTO DO NÍVEL DO MAR E O FIM DA PRAIA DO PEPÊ NA BARRA DA TIJUCA, RIO DE JANEIRO.

Aumento do nível do mar e o fim da praia do Pepê na Barra da Tijuca, RJ, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

ressaca na praia do Pepê
[EcoDebate] O aumento das emissões de gases de efeito estufa fez a temperatura da Terra subir cerca de 1,2º Celsius em relação ao período pré-industrial. Em consequência, as áreas geladas do Planeta passaram a conviver com um aumento do degelo. Um dos lugares mais afetados é a Groenlândia que tem gelo suficiente para provocar a elevação do nível dos oceanos em 7 metros. A Antártica tem gelo suficiente para elevar o nível dos oceanos em 70 metros.
Portanto, basta 3% de degelo para que o nível médio dos oceanos suba cerca de dois metros. Isto seria suficiente para afetar, diretamente, a vida de pelo menos 2 bilhões de pessoas que vivem nas áreas costeiras e, indiretamente, de toda a população mundial.
O uso de satélites permite registrar que o nível do mar de todo o planeta está crescendo a cada ano. Medições de precisão, que começaram em 1993, indicam que a elevação média vem se acelerando desde aquela época, principalmente como resultado do degelo da Groenlândia e Antártida. Assim, preocupa que o nível do mar está aumentando; mas preocupa ainda mais saber que ele sobe cada vez mais rápido.
Para comprovar, um novo estudo internacional debruçou-se sobre o passado com novos cálculos e as conclusões são alarmantes. O novo estudo, publicado na Nature Climate Change, indica que a taxa de aumento global do nível do mar, que era de menos de um milímetro por ano na década de 1960, acelerou-se para mais de três milímetros por ano na atualidade.
Segundo o Jornal El País, este novo cálculo não serve apenas para determinar a aceleração do passado, mas também para alertar do que pode vir a ocorrer no futuro. As conclusões do estudo salientam o importante papel da expansão térmica na taxa de aumento do nível do mar, resultando numa aceleração que já tinha sido prognosticada em 2013 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática para o século XXI. Deste modo, se projetarmos para o futuro esta taxa de aceleração registrada, assumindo que continuasse constante, o aumento do nível do mar poderia ser mais do que o dobro do esperado para o ano 2100, comparado com projeções que assumem uma taxa de aumento constante.
A elevação do nível do mar é causada principalmente por dois fatores relacionados ao aquecimento global: a água adicionada do derretimento das camadas de gelo e das geleiras e a expansão da água do mar à medida que ela se aquece. A tendência de subida dos mares é clara, segundo os gráficos abaixo da NASA. O primeiro gráfico acompanha a mudança no nível do mar desde 1993, conforme observado pelos satélites. O segundo gráfico, derivado dos dados sobre a maré costeira, mostra a variação do nível do mar de 1880 a 2015, com um aumento de quase 25 centímetros.
elevação do nível do mar
O Brasil é um dos países mais vulneráveis ao aumento do nível dos oceanos, pois possui uma linha costeira imensa e com várias cidades com alta densidade demográfica, como a cidade do Rio de Janeiro. Aliás, a Capital Fluminense tem sido vítima de inúmeras ressacas e alagamentos provocados pelo mar e pela chuva.
Um dos exemplos mais recentes foi a ressaca que comeu a faixa de areia da Praia de Copacabana, na altura do posto 5, no início de agosto de 2019, e também causou vários estragos em toda a orla da cidade.
Uma área muito afetada foi a Praia do Pepê na Barra da Tijuca. Como mostram as imagens acima a ressaca de 03 e 04 de agosto, destruiu a pista de ciclismo e provocou grandes danos nas instalações do Grupamento Marítimo (G-Mar) dos bombeiros da Barra da Tijuca. Aliás este prédio foi construído de forma irregular na praia e agora o mar pede o espaço de volta. O heliponto foi por água abaixo e toda a infraestrutura do G-Mar foi comprometida.
Na verdade, a Praia do Pepê já vem perdendo sua área de areia há muito tempo, não só em decorrência da elevação do nível do mar, mas também depois da construção do quebra-mar da Barra da Tijuca, localizado no canto esquerdo da praia da Barra, próximo ao Morro da Joatinga. O quebra mar impede que o mar avance pelo seu caminho natural e joga as ondas sobre a Praia do Pepê.
Como escrevi em artigos de 2016 (Alves, Ecodebate): “As praias do Rio de Janeiro e da maioria das cidades do planeta correm o risco de serem ‘varridas do mapa’. Este processo pode ser socialmente grave na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que é a maior e mais complexa aglomeração urbana da zona costeira brasileira, com mais de 12 milhões de habitantes.
De todas as zonas ameaçadas, a Barra da Tijuca e arredores é, entre os grandes bairros da Cidade Maravilhosa, a área mais vulnerável ao avanço do nível do mar e às inundações provocadas por ressacas, chuvas e tempestades”.
áreas sujeitas à inundação da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, RJ
O fato é que a Barra da Tijuca se desenvolveu às custas da especulação imobiliária, da concentração fundiária e da degradação ambiental (era uma área mais propícia aos jacarés). Uma elevação de 1 metro no nível do mar vai provocar o desaparecimento da praia nos momentos de maré alta e vai gerar graves problemas de inundação e enchentes nas partes mais baixas do bairro.
Ressacas e inundações já são comuns no Rio de Janeiro, especialmente nas áreas litorâneas da Zona Oeste. A Barra da Tijuca, provavelmente, será uma região submersa no futuro. E a parte que vai desaparecer primeiro deve ser a Praia do Pepê. Nem o Grupamento Marítimo dos bombeiros se salvará.
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:
Sönke Dangendorf et. al. Persistent acceleration in global sea-level rise since the 1960, NATURE CLIMATE CHANGE, 05/08/2019
https://www.nature.com/articles/s41558-019-0531-8
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/08/2019

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

OS EFEITOS DO DESASTRE ECOLÓGICO ESTÃO CADA VEZ MAIS SENDO SENTIDOS.


Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos”. Entrevista com Herve Kempf
IHU

poluição do ar
Herve Kempf é um jornalista francês especializado em meio ambiente. Trabalhou no jornal parisiense Le Monde e é atualmente editor-chefe da revista Reporterre, especializada em questões ecológicas. Algumas de suas obras tiveram grande repercussão, como: Para salvar o planeta, liberte-se do capitalismo (2010) e Como os ricos destroem o planeta (2011).
Mirador Provincial falou exclusivamente com esse notável pensador e referência em sua matéria a nível mundial. Kempf estava de férias no interior da França, no departamento de Lozera, no Sul desse país. Após tentativas frustradas via Skype e outra via WhatsApp, o jornalista nascido em Amiens (150 quilômetros ao norte de Paris) respondeu as perguntas por e-mail.
A entrevista é de Hernán Alvarez, publicada por Mirador Provincial, 26-08-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você escreveu vários livros. O último é de 2013. Quais foram as questões que mudaram de 2013 para cá, em relação ao capitalismo e ao consumismo?
O que é louco é que, apesar da crise financeira de 2008, que emergiu de uma incrível especulação bancária, o sistema capitalista permaneceu essencialmente inalterável e não é questionado de forma alguma. O que mudou é que as evidências de catástrofes ecológicas se tornam cada vez mais evidentes, ano a ano. O capitalismo se tornou cada vez mais autoritário e repressivo, com líderes como Donald Trump, nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro, no BrasilNarendra Modi, na Índia, mas também Emmanuel Macron, na França, que reprime violentamente movimentos de protesto, como os coletes amarelos.
As tensões sociais estão aumentando devido à degradação ecológica, desigualdades que estão se tornando insuportáveis e ataques à liberdade cometidos por regimes autoritários e capitalistas. Revoltas em Hong Kong, Rússia, França com coletes amarelos, Argélia. O movimento juvenil por uma política climática real está crescendo, pelo menos na Europa.
Você escreveu que o capitalismo não pode mais existir. Quais são as alternativas políticas ao capitalismo no século XXI?
Ou o capitalismo autoritário permanece em seu lugar e nos conduz ao caos ecológico, que nos leva a situações sociais muito duras, onde uma minoria dos ricos tentará manter seus privilégios, ao confinar o resto da humanidade à pobreza. Ou podemos sair desse sistema mortal reduzindo bastante as desigualdades e procurando uma economia de baixo consumo de material. A chave seria consumir menos e compartilhar mais.
As ondas de calor na França ajudam a aumentar a conscientização sobre o desastre que este modelo econômico está causando?
Sim, absolutamente. As pessoas estão se conscientizando de que são as mudanças climáticas. Não é mais uma teoria. Tornou-se um fenômeno que afeta a vida cotidiana.
Essas claras advertências ajudam as pessoas a ficarem mais conscientes?
Os efeitos do desastre ecológico estão cada vez mais sendo sentidos, como a onda de calor na Europa, neste verão de 2019, os gigantescos incêndios florestais na Sibéria (quando fizemos essa matéria, os incêndios na região amazônica não haviam sido deflagrados), inundações na Índia. A sociedade está mais consciente do fenômeno da degradação ecológica e climática, mas infelizmente as classes dominantes parecem surdas e cegas.
Na sua opinião, países como Índia e China devem estabelecer leis para reduzir o crescimento populacional?
Índia e China são grandes países e um europeu não deve lhes dizer o que devem fazer. O melhor que os países europeus têm a fazer é ser o mais ambientalmente amigável possível, para mostrar que a prosperidade e o respeito pelos limites do planeta andam de mãos dadas. Este seria um exemplo mais claro do que qualquer conselho que fosse dado por outros.
Você se considera um objetor do crescimento. O que é isso?
Isso significa que o crescimento econômico não pode continuar. Porque? Porque o que mede o aumento, o produto interno bruto (PIB), não leva em conta o ambiente natural, que se tornou exponencialmente frágil e que os seres humanos devem usar inevitavelmente. O PIB se tornou um instrumento enganoso do estado real da economia, que não pode mais esquecer a natureza. Portanto, buscar seu crescimento é perigoso e prejudicial.
Os meios de comunicação podem mudar a imagem positiva que o consumismo possui?
A primeira coisa que os meios de comunicação podem fazer seria … parar de publicar publicidade! A publicidade é realmente a primeira maneira pela qual o consumismo é imposto a todos. Sem publicidade, no entanto, o sistema dos meios de comunicação terá que ser transformado, porque a publicidade é atualmente uma das principais fontes de financiamento. Mas, é possível, e realmente traz mais leitores. Na França, somos alguns meios de comunicação, como Mediapart e Reporterre, o site que administro, que vivemos sem publicidade e somos financiados pelos leitores.
Este século é crucial em termos ecológicos?
É vital. E ainda mais as primeiras décadas deste século. Se falharmos em parar rapidamente o crescimento das emissões de gases do efeito estufa e a destruição dos ecossistemas, não tenho dúvidas de que a sociedade humana global entrará em problemas graves.
Como é possível romper o círculo do capitalismo de produção, vendas e consumo?
Não sei. Parece tão poderoso que não vejo uma saída. Mas, em 1988, quem teria dito que três anos depois a União Soviética deixaria de existir?
A classe média está silenciada e controlada em muitos países?
Está muito fortemente influenciado pelos meios de comunicação, que estão em grande parte nas mãos de bilionários com interesses financeiros. Os meios de comunicação a fizeram sonhar com uma melhora no padrão de vida. Então, quando isso não é cumprido e as pessoas começam a desafiar o sistema, é onde se usa a repressão.
O que o cidadão comum pode fazer para mudar essa situação?
Cultivar sua liberdade de consciência e seu olhar crítico. Conseguir o máximo de informações possível dos meios de comunicação independentes das forças financeiras. E se comprometer com movimentos ecológicos, políticos e sociais. Ou pelo menos apoiá-los.

Argentina, agricultura, desigualdade …

Aqui, na Argentina, a agricultura é feita principalmente com muitos herbicidas. Quais são as opções para esse modelo?
A agricultura orgânica está progredindo cada vez mais. Está provando que é uma resposta confiável aos desafios agrícolas. Mas isso, obviamente, implica uma mudança no sistema. Muito menos produtos e máquinas e mais trabalho humano. Essa evolução implica que consideremos propriedades agrícolas com áreas menores, o que sem dúvida implica em reforma agrária. A agricultura orgânica não é adequada para grandes propriedades.
Como um país como a Argentina pode mudar seus problemas de pobreza, sem crescer economicamente?
Não conheço a Argentina o suficiente para dar uma opinião precisa. Mesmo antes da questão do crescimento, há um problema de distribuição de riqueza, porque o nível de desigualdade na Argentina é muito alto, embora menor do que no Brasil e Chile. Idealmente, se deveria buscar um crescimento moderado e estável, com uma distribuição muito melhor da riqueza e um movimento em direção a uma agricultura, transporte e política energética mais amigável com o meio ambiente.
(EcoDebate, 29/08/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS TÊM IMPACTO NA MAGNITUDE DAS INUNDAÇÕES NA EUROPA.

As mudanças climáticas têm impacto na magnitude das inundações na Europa


A mudança climática afeta as inundações na Europa 

inundação na Europa
Foto: European Commission
Um grande projeto de pesquisa internacional liderado por TU Wien (Viena) demonstrou pela primeira vez que as mudanças climáticas têm um impacto na magnitude das inundações dos rios.
Por Florian Aigner * **
Os rios transbordantes podem causar enormes prejuízos: em todo o mundo, o dano anual causado pelas inundações dos rios é estimado em mais de 100 bilhões de dólares – e continua a aumentar. Até agora não ficou claro como as mudanças climáticas influenciam a magnitude das inundações dos rios. Não havia padrões aparentes.
O especialista austríaco em inundação Prof. Günter Blöschl de TU Wien (Viena) liderou um grande estudo internacional envolvendo um total de 35 grupos de pesquisa que fornece evidências claras de que mudanças na magnitude dos eventos de enchentes observadas nas últimas décadas podem ser atribuídas à mudança climática. No entanto, as mudanças climáticas não têm o mesmo efeito sobre as inundações em todos os lugares: no noroeste da Europa, as enchentes estão se tornando cada vez mais severas, na Europa meridional e oriental tendem a diminuir, embora em pequenas bacias possam aumentar. Os resultados do estudo foram publicados na revista Nature .
A mudança climática é um fator crucial
“Nós já sabíamos da nossa pesquisa anterior que as mudanças climáticas estão mudando o tempo das inundações em um ano”, diz Günter Blöschl. “Mas a questão-chave é: a mudança climática também controla a magnitude dos eventos de inundação? Até agora, os dados disponíveis não foram suficientes para determinar se este é o caso ou não. Examinamos agora esta questão em grande detalhe e podemos dizer com confiança: Sim, a influência da mudança climática é clara “.
Para o estudo, os dados de 3.738 estações de medição de inundação na Europa de 1960 a 2010 foram analisados: “Por muito tempo foi assumido que a mudança climática está tendo um impacto na magnitude das águas da inundação porque uma atmosfera mais quente pode armazenar mais água” “explica Günter Blöschl. “No entanto, este não é o único efeito, as coisas são mais complicadas.”
Na Europa central e norte-ocidental, entre a Islândia e a Áustria, as magnitudes de inundação estão aumentando porque a precipitação está aumentando e os solos estão se tornando mais úmidos. No sul da Europa, por outro lado, os níveis de inundação estão diminuindo, já que as mudanças climáticas resultam em declínio na precipitação e as temperaturas mais altas causam o aumento da evaporação da água no solo. No entanto, para pequenos rios, as inundações podem realmente aumentar devido a frequentes tempestades e desmatamento. No clima mais continental da Europa Oriental, as magnitudes das inundações tendem a diminuir devido a pacotes de neve mais rasos no inverno associados a temperaturas mais altas. “Os processos diferem em toda a Europa – mas todos os padrões regionais correspondem bem aos impactos previstos das mudanças climáticas”, diz Blöschl, “Isso nos mostra que já estamos no meio das mudanças climáticas.
Grandes mudanças
A magnitude das mudanças é notável: elas variam de um declínio de 23,1% por década (em relação à média de longo prazo) a um aumento de 11,4% por década. Se estas tendências continuarem no futuro, podem ser esperados efeitos importantes sobre o risco de inundações em muitas regiões da Europa.
Günter Blöschl defende a inclusão desses resultados nas estratégias de gestão de inundações: “Independentemente dos esforços necessários para a mitigação da mudança climática, veremos os efeitos dessas mudanças nas próximas décadas”, diz Blöschl. “O gerenciamento de enchentes deve se adaptar a essas novas realidades.”
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* Com informações do Prof. Günter Blöschl, Institute of Hydraulic Engineering and Water Resources Management, TU Wien
** Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
Referência
Changing climate both increases and decreases European river floods
Günter Blöschl, Julia Hall, […]Nenad Živkovi
Nature (2019)
DOI https://doi.org/10.1038/s41586-019-1495-6
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2019

PORQUE O BRASIL NÃO PRECISA DE ENERGIA NUCLEAR.

Porque o Brasil não precisa de energia nuclear, artigo de Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Vilasboas


radiação
[EcoDebate] Os atuais padrões de produção e consumo de energia estão apoiados nas fontes fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) que geram emissões de poluentes locais, gases de efeito estufa e põem em risco o suprimento do planeta a longo prazo, por serem finitas. É preciso mudar esses padrões, incentivar a economia de energia e estimular o uso das energias renováveis (solar, eólica e biomassa), sem gerar danos socioambientais. Nesse sentido, o Brasil apresenta uma condição bastante favorável em relação ao resto do mundo.
Não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento de radiação, não deve ser utilizada para produzir eletricidade.
Fica evidenciado que, desde 2005, a indústria nuclear intensificou seu agressivo lobby em diversos países da América Latina com forte influência nos setores legislativos e da política energética, tentando impor a implantação de usinas, sob o falso argumento de que a energia nuclear é uma fonte “limpa”, segura e contribui para evitar o aquecimento global.
Com a retomada discutível e equivocada do Programa Nuclear Brasileiro, direcionado a finalizar as obras de construção de Angra 3, e os planos do Ministério de Minas e Energia de instalar no Nordeste usinas nucleares – a região do Brasil com maior potencial eólico e solar – nada mais atual que discutir as razões contrárias à instalação de usinas nucleares no território nacional.
A opção nuclear para geração de energia elétrica no Brasil e no Nordeste, em particular, não permite resolver os atuais problemas energéticos, e contribuir para com outros problemas sem solução à vista.
A seguir são apresentadas, sucintamente, as razões para rejeitar as usinas nucleares, vistas sob os seguintes aspectos:
– segurança energética,
– econômico,
– ambiental,
– social,
– riscos,
– proliferação e militarização nuclear,
– sustentabilidade energética,
– democracia.
Segurança energética
A segurança energética é um fator prioritário para o país e aumentará com a diversificação da matriz energética. Do ponto de vista da produção de energia, segundo a Empresa de Planejamento Energético-EPE, o país tem folga no abastecimento, podendo suprir as necessidades de energia elétrica, com as atuais taxas previstas de crescimento. Portanto é puro oportunismo, criar uma relação direta entre os apagões que ocorreram, com a necessidade da instalação de usinas nucleares para evitá-los. Como se os atuais apagões fossem decorrentes do desabastecimento, e novamente repetiríamos 2001/2002. Os defensores desta tecnologia associam enganosamente a instalação das novas usinas nucleares como solução aos apagões, que são ocorrências recorrentes do próprio modelo mercantilista empregado no país.
O fundamento principal para a construção de novas usinas de geração é de que existe uma previsão de crescimento da economia (sem que se questione a natureza do crescimento) e de que, em função disso, há necessidade de se ofertar mais energia para atender a esta demanda, construindo novas usinas.
Projeções do consumo futuro de energia dependem do tipo de desenvolvimento e crescimento econômico que o país terá. Existem vários questionamentos sobre os cálculos oficiais que apontam para taxas extremamente elevadas de expansão do parque elétrico brasileiro para atender a uma pretensa demanda. O que essa previsão esconde é o fato de praticamente 30% da energia elétrica ofertada pelo país ser consumida por seis setores industriais: cimento, siderurgia, produção de alumínio, química, o ramo da metalurgia que trabalha com ferro e papel/celulose – 30% somente para seis setores. São exatamente eles que puxam o consumo da energia elétrica para cima, os chamados setores eletrointensivos. Precisamos urgentemente discutir: energia para quê? Para quem? E como produzir?
Temos de fugir dessa ideia míope de discutir qual a melhor fonte. A melhor fonte de energia é aquela que não é consumida. Não consumir energia significa ter uma política de aumento da eficiência energética, situação da qual estamos muito longe ainda. Os resultados oficiais apresentados nesta área são pífios.
No Brasil, o consumo de energia per capita ainda é pequeno e é indispensável que o consumo de energia cresça para promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, nada impede que o uso de tecnologias modernas e eficientes sejam introduzidas logo no início do processo de desenvolvimento sustentável, acelerando com isso o uso de tecnologias eficientes (aquecimento solar da água, eletricidade solar, geradores eólicos, geração distribuída… ). Combatendo assim o pensamento de que, para haver desenvolvimento, é preciso que ocorram impactos ambientais, devido à geração, transporte e uso da energia.
A conservação de eletricidade reduz o consumo e posterga a necessidade de investimentos em expansão da capacidade instalada, sem comprometer a qualidade dos serviços prestados aos usuários finais. A eficiência energética é, sem dúvida, a maneira mais efetiva de ao mesmo tempo reduzir os custos e os impactos ambientais locais e globais, garantindo assim, conjuntamente com as fontes solar, eólica e biomassa a segurança energética do país.
Aspectos econômicos
Do ponto de vista econômico, o custo de uma central nuclear de 1.000 MW é enorme, da ordem de 5 bilhões de dólares (R$ 20 bilhões). Geralmente este valor está aquém dos valores finais da obra. Nas planilhas de custos é subestimado (até não levado em conta) os custos de armazenamento dos resíduos, da desmontagem da central após sua vida útil e limpeza de locais contaminados, o reforço da linha elétrica para distribuição, e os serviços de fiscalização e segurança, entre outros. O chamado descomissionamento, representa o custo de desmontagem definitiva e descontaminação das instalações das usinas nucleares após o encerramento das suas operações. É preciso que se tenham garantias absolutas de que esse trabalho será levado a cabo com seriedade, e que as instalações e resíduos das usinas não serão simplesmente abandonados contaminados após o seu fechamento.
Como exemplo do que estamos falando, centrais nucleares que estão sendo planejadas atualmente na Finlândia, já estão custando o dobro do estimado antes do começo da obra. Já nos Estados Unidos, as usinas implantadas entre 1966 e 1986 tiveram, em média, custos 200% acima do previsto.
A história do nuclear mostra que esta sempre foi e continua a ser, mesmo com a nova geração de reatores, uma indústria altamente dependente de subsídios públicos. Isto significa que quem vai pagar a conta da imensa irresponsabilidade de se implantar estas usinas em nosso país, será a população de maneira geral, e em particular os consumidores, que pagarão tarifas cada vez mais caras.
Desde 2005, um dos mais conceituados centros tecnológicos do mundo, Massachusetts Institute of Technology, tem assegurado que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. Estudos publicados pelos jornais The New York Times The Financial Times chegaram à mesma conclusão. Outro estudo, publicado pela National Geographic Brasil (agosto 2005) aponta na mesma direção. E mais recentemente a revista britânica New Scientist listou argumentos que desfavorecem a energia nuclear: não sobrevive sem subsídios, os custos para pesquisa e desenvolvimento são altíssimos e também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e do descomissionamento dos reatores, assim como a segurança nas usinas.
Para os brasileiros o maior impacto da instalação de usinas nucleares será nas tarifas. De 2001 a 2010, o aumento acumulado das tarifas de energia chegou a 186%, enquanto no mesmo período o IPCA (índice oficial de inflação do governo) acumulou 86%, segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace). Pagamos uma das mais altas tarifas do mundo, e com tendência de aumento. Sem nenhuma dúvida pode-se afirmar que o uso da eletricidade nuclear contribuirá ainda mais para a elevação das tarifas de energia elétrica no Brasil.
Para aqueles que afirmam que o Brasil deve manter-se aberto para todas as possibilidades de aproveitamento na geração e oferta de energia elétrica, a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país. O incentivo garantido às usinas nucleares deveria ser direcionado a outras fontes de geração de energia, muito mais seguras e menos impactantes do ponto de vista socioambiental, como a eólica, solar e a biomassa.
O governo brasileiro mostra mais uma vez que está disposto a bancar a construção de grandes empreendimentos contraditórios e de resultados duvidosos, contrariando interesses divergentes que não tem sido considerado e nem incorporado no processo de negociação e decisão.
No caso de Angra 3, além dos equipamentos obsoletos já adquiridos, a estimativa de custos da obra, que era de R$ 7,2 bilhões em 2008, pulou para R$ 10,4 bilhões até o final de 2010, de acordo com a Eletronuclear. Isso sem contar os R$ 1,5 bilhão já empregados na construção e os US$ 20 milhões gastos anualmente para a manutenção dos equipamentos adquiridos há mais de 20 anos. Hoje se estima ser necessário R$ 15 bilhões de reais para finalizar a obra. Os custos e gastos em usinas nucleares são um sumidouro de recursos públicos, e quem pagará por esta insanidade será o povo brasileiro.
Questão ambiental
Do ponto de vista ambiental é uma meia verdade, afirmações que as centrais nucleares não contribuem para os gases de efeito estufa, e que são “limpas”.
Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão nuclear de alta radioatividade, que podem trazer consequências catastróficas à vida. Embora pequeno, tal risco existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema do que fazer com os rejeitos de alta radioatividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante milhares de anos.
Na geração da eletricidade nuclear na usina a produção de CO2 é pequena, mas se levarmos em conta o conjunto de etapas do processo industrial (chamado ciclo do combustível nuclear), que transforma o mineral urânio, desde quando ele é encontrado nas minas em estado natural até sua utilização como combustível dentro de uma usina nuclear, quantidades consideráveis de gases de efeito estufa são produzidas. Portanto, se levarmos em conta todo o ciclo para preparar o combustível nuclear que será “queimado” nas centrais, pode-se afirmar que esta fonte energética é uma importante fonte de emissões, que são produzidas na prospecção do mineral, na extração e no transporte de urânio, no transporte dos resíduos para processamento ou armazenagem e no futuro descomissionamento. Além das elevadas emissões de carbono, esse ciclo gera resíduos tóxicos altamente radioativos e contribui com agressões ambientais.
Além de uma central nuclear consumir elevados volumes de água para sua refrigeração, tendo sua instalação obrigatoriamente de ser próxima a grandes recursos hídricos (rios, mares…).
Vários estudos científicos têm mostrado que o ciclo do urânio é um grande consumidor de energia e um forte emissor de CO2. O estudo americano Nuclear Power: The Energy Balance (2005), que compara as emissões de CO2 analisando o ciclo de vida de uma central nuclear e de uma central a gás natural (com uma potência equivalente), conclui que, no longo termo, com o decréscimo da qualidade das reservas de urânio, a eletricidade nuclear provoca muito mais emissões que o gás natural consumido na termoelétrica.
O cálculo que faz a Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh gerado. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás. Existe um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar de maneira parcial a realidade desta fonte de energia.
Já de acordo com a metodologia de Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos emite de 10 a 50 g CO2/kWh.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) considerando a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da usina e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado.
Verifica-se então grande contradição nos números relacionados às emissões, e que existem dúvidas sobre a capacidade de emissão de gases de efeito estufa, ao utilizar o urânio para gerar eletricidade. Creio que neste caso o aconselhável seja uma ação preventiva, de não utilização desta fonte de energia.
No caso brasileiro, embora a extração do minério utilizado pelas usinas ocorra em território nacional, o urânio vai para a Europa, onde é enriquecido. Reparem que só nos deslocamentos, terrestre e marítimo, não só existe a emissão de gases provenientes do transporte e do consumo de energia, mas também um grande risco da exposição dos materiais radioativos, ao realizarem viagens intercontinentais.
Aspectos sociais
É comum os defensores da tecnologia nuclear mencionarem com destaque, o impacto revolucionário que um empreendimento de R$ 20 bilhões, pode representar na economia local. Do ponto de vista da empregabilidade e dos ganhos financeiros para o município-estado que abrigar a usina nuclear, há uma falsa retórica de que os investimentos automaticamente favorecerão os moradores do entorno das instalações.
É bom lembrar aos desavisados que os vendedores da usina atômica são responsáveis pelo fornecimento do sistema de abastecimento de vapor, chamado Nuclear Steam Supply System (NSSS), e pelo layout da planta, o que representa aproximadamente 20% do custo total do capital. Os custos restantes são despendidos na contratação de empresas de engenharia e arquitetura e em fornecedores de sistemas e componentes.
A ausência de companhias com capacidade de projeto, fabricação e prestação de serviços de engenharia na região, ou mesmo no país, acaba exigindo a contratação de empresas do exterior e a realização de importações. Em geral, isso resulta em negociações que consomem tempo, extensões de prazos de entrega, dificuldades com a qualidade, transporte de equipamentos e outros problemas similares. Isso explica porque alguns vendedores de usinas têm procurado expandir suas responsabilidades para 50% ou 60% do orçamento total da obra, a fim de ter maior controle sobre a execução da usina.
Portanto não acreditem nestes benefícios mágicos trazidos “pelo progresso” representado por uma usina nuclear. Como exemplo, a construção de Angra 1 chegou a ter 11 mil homens trabalhando no período de maior movimentação da obra. Eles trouxeram também suas famílias e isso gerou um contingente humano imenso que a cidade teve que abrigar. Muita gente veio de outros estados. E se instalou o caos urbano sem que a cidade de Angra dos Reis pudesse atender os que chegavam com os serviços básicos. A migração desordenada em grandes obras no país é uma realidade incontestável.
Assim, acreditar que a mão de obra utilizada na construção e gerenciamento de uma usina nuclear no Brasil/Nordeste sejamão de obra da região, e que os royalties provenientes da usina serão maciçamente aplicados em ações sociais e ambientais, é a mesma coisa que crer em Papai Noel, Saci-Pererê, Mula sem Cabeça e tantas outras figuras do imaginário popular.
Em comparação com a tecnologia eólica ou solar, a energia nuclear cria poucos empregos. Energias renováveis empregam trabalhadores locais para a construção e para a manutenção. Os empregos são criados localmente e ficam no local, por isso as comunidades ganham.
Riscos
Atualmente são feitas afirmativas peremptórias de que as usinas nucleares apresentam alto grau de excelência tecnológica, como principal fator de garantia da segurança e o aumento da confiabilidade. Há uma tentativa de tranquilizar as pessoas, afirmando que a evolução tecnológica dos últimos 30 anos levou as usinas nucleares a se modernizarem e serem praticamente imunes em relação a acidentes. São citadas nos discursos “de perigo zero” as novas usinas que estão em estudos, chamadas de 4ª geração, que utilizam o conceito de “falha para a segurança”.
Afirmam que nestas usinas, quando ocorrem falhas de operação, estas são corrigidas, levando a uma condição mais segura do que a anterior. A correção das falhas seria automática, sem requerer necessariamente a intervenção dos operadores. Como se isto bastasse e fosse suficiente para impedir acidentes. É só verificar e comparar, que mesmo com os enormes avanços tecnológicos da indústria aeronáutica, acidentes ocorrem, como foi o caso do Airbus 330-200 da Air France/AF 477, pérola da indústria aeronáutica nos quesitos automatização e segurança.
E, mais recentemente, terremoto, seguido de tsunami, atingiu usinas nucleares no Japão, as mais seguras do mundo. Houve vazamento de radiação de um reator do complexo nuclear de Fukushima Daiichi, ao norte de Tóquio (250 km), após uma explosão ter arrebentado o telhado da instalação depois do grande terremoto (11/03/2011), com vazamento de radiação. Os efeitos imediatos deste acidente nuclear, anunciados oficialmente  foram de 160 pessoas contaminadas pela radiação, e 170.000 retiradas do entorno do reator, com uma área de exclusão que foi aumentando de 3 km, passando a 10 km e atualmente a 20 km de raio em torno do reator acidentado.
Sem dúvida a segurança das usinas nucleares teve avanços importantes, mas, seu relativo controle é suscetível a fatores humanos e da natureza. Não podemos apagar dos arquivos da memória, acidentes nucleares ocorridos nos últimos anos. Em Three Mile Island, na Pensilvânia – Estados Unidos (1979), e em Chernobyl, na Ucrânia, (1986). Nos dois casos, os acidentes foram causados por falhas que provocaram um superaquecimento no reator e vazamento de material radioativo para a atmosfera.
Sempre há um risco de contaminação com radiação, independente se a usina nuclear funciona perfeitamente com um bom sistema de segurança. Emissão de isótopos radiativos de césio e estrôncio sempre acontece. Isso é uma contaminação “normal”, conhecida na linguagem internacional como contaminação “standard” das usinas nucleares. Acidentes com vazamento de radioatividade já aconteceram em várias usinas nucleares no mundo. A população sofre mais tarde de doenças graves como leucemia, aumentando o nível de mortandade. Além da contaminação do lençol freático e das terras se tornarem impróprias ao plantio e criação de animais.
E mais: parte do lixo nuclear produzido na usina precisa ser depositado de forma totalmente isolada do meio ambiente por um tempo que pode chegar a mais de 240 mil anos. E até agora a tecnologia para garantir isso de forma perfeita ainda não existe.
A radioatividade dos resíduos do urânio processado nas centrais é muito elevada, com graves riscos para a saúde pública durante dezenas a centenas de milhares de anos. Ainda não foi encontrada uma solução satisfatória para o tratamento dos resíduos, hoje armazenados em locais temporários. Este é um pesado legado para as gerações futuras.
E, infelizmente, mesmo o controle rigoroso na operação da usina e em todo processo produtivo do elemento combustível não nos livra de outros tipos de risco como roubo de rejeitos radioativos, ataques terrorista, terremotos, falhas humanas e mecânicas. As consequências de um acidente nuclear são desastrosas, afetando a presente e futura geração.
A nova geração de reatores nucleares em construção na Finlândia (Olkiluoto 3) e na França (Flamanville 3), apresentados como a vanguarda do renascimento do nuclear, têm registrado uma série de atrasos, derrapagens orçamentais e problemas técnicos de segurança. Na Finlândia, o prazo de conclusão da central foi adiado por dois anos e os custos de construção quase que duplicaram para um valor de R$ 11,5 bilhões, com várias falhas na construção a implicar potenciais riscos de segurança. Na França, os problemas são semelhantes. Agência de Segurança Nuclear francesa já mandou parar a construção por vários problemas técnicos de segurança registrados.
Até agora não se tem notícias de que algum acidente em usinas de geração de energia tenha tido proporções semelhantes a Chernobyl e a Fukushima. Ainda que Itaipu fosse destruída, e a maior parte da Argentina fosse por água abaixo, não ficariam sequelas em gerações sucessivas a exemplo do que ocorreu na Ucrânia e no Japão.
Outro fator de extrema preocupação, descrito no Relatório sobre Fiscalização e Segurança Nuclear da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados (2006), é que o Estado brasileiro está longe de ter a estrutura necessária para garantir a segurança das atividades e instalações nuclearesNesse documento, são apontadas graves falhas na segurança em radioproteção, no controle, fiscalização e monitoramento do setor nuclear. Vale lembrar que, em setembro de 2019 a contaminação pelo Césio-137 em Goiânia, que vitimou milhares de pessoas completará 32 anos.
Proliferação e militarização nuclear
No Brasil, historicamente, a relação entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é muito estreita. O Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura militar e até hoje atende demandas de alguns setores das forças armadas, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Outros grupos de interesse fazem “lobby”, como setores industriais, “preocupados” com o risco de um apagão; grupos de cientistas em busca novas pesquisas, prestígio e pelo comando do processo; fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios.
A exportação e a proliferação contínua de tecnologia nuclear aumentam significativamente o risco de proliferação de armas nucleares, existindo o risco de novos Estados se tornarem novas potências nucleares.
Mesmo neste cenário de degradação ambiental e social, a ameaça de nuclearização da América Latina é real, com o Brasil dividindo com a Argentina a liderança nessa corrida. Ambos têm jazidas de urânio significativas, processo de enriquecimento em curso, usinas e minireatores. O Brasil já tem acordo de cooperação com a Venezuela, que firmou acordo com a Rússia para cooperação na produção de equipamentos. Outros países da América do Sul estão discutindo a fonte nuclear como alternativa para suas demandas de energia, como a Bolívia, Equador e Uruguai. O Peru e o Chile que planejam construir usinas nucleares.
A ressurreição do Programa Nuclear Brasileiro é mais um dos indícios da estratégia governamental de tornar o Brasil uma potência atômica. O dinheiro empregado no programa, para a construção e funcionamento de novas usinas núcleoelétricas, permitirá a lubrificação de todas as suas engrenagens. A cada usina que construirmos aumentaremos o volume de urânio que produzimos, ampliando a chance de virarmos sócio do Clube Atômico.  Para tal é necessário ter a bomba atômica.
Devemos evitar para nosso país problemas de geopolítica que são gerados pelo ciclo de combustível nuclear, a tal ponto que depois das tensões com a Coreia do Norte, atualmente o Irã está em sério perigo de ter seu território invadido militarmente porque está enriquecendo urânio para geração nuclear.
Abrir mão da energia atômica significa um importante passo para evitar o perigo de uma nova onda de proliferação nuclear, dada a natureza dual da energia nuclear, que se presta tanto para aplicações pacíficas como militares, sem falar dos problemas físicos de segurança nuclear. Não podemos esquecer do que afirmou o físico Robert Oppenheimer, responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil, em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a guerra, está mentindo“.
Sustentabilidade energética
Lamentavelmente, a atual política energética e ambiental adotada tem levado o Brasil a caminhar na contramão do que vem sendo implementado em várias partes do mundo, com o uso de fontes renováveis de energia, não só na geração de energia elétrica, mas também no aquecimento de água solar que evita o consumo de eletricidade nos chuveiros. A noção de sustentabilidade energética descarta a eletricidade de origem nuclear como uma solução sustentável.
Na atual política de expansão da oferta de energia para o país, fica evidente o tratamento especial dado para a construção de mega-hidrelétricas na região Amazônica, de termoelétricas a carvão mineral e óleo combustível e a instalação de usinas nucleares.
O fascínio pelo gigantismo das megaobras, típico de mentes tecnocráticas e autoritárias, beira à insensatez, pois, dada a atual crise ambiental global, são recomendadas obras menores, que valorizam matrizes energéticas com fontes de energia renováveis, menos agressivas ao meio ambiente, e com produção descentralizada.
Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular um outro mundo necessário para toda a Humanidade, este país é o nosso. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, do vento, do Sol, das marés, das ondas do mar e da biomassa.
Temos tudo isso em abundância. Entretanto, ainda não acordamos. Vivemos em permanente estado de letargia política, inconsciente, “deitado eternamente em berço esplêndido”. Não despertamos para nossas potencialidades e responsabilidade em face da preservação da Terra e da Vida.
Em nosso país existem várias alternativas para aumentar a oferta de energia sem a construção de novas centrais, uma delas é incentivando a eficiência energética. Também são evidentes a abundância dos recursos renováveis: solar, eólico e a biomassa para a diversificação e complementação da matriz energética. Simplesmente as vantagens comparativas destes energéticos renováveis não são levadas em conta.
Opções energéticas e a eficientização de processos e equipamentos são apresentadas pelos estudiosos da UNICAMP, USP, CHESF, UFPE, COPPE/UFRJ que indicam as possibilidades de redução da energia na demanda tanto do lado da oferta, como do lado do consumo. Além de apresentarem como fontes renováveis: a energia solar para aquecimento da água e para produção de eletricidade; a eólica; usinas térmicas a bagaço de cana (bioeletricidade) e restos de produtos agrícolas e as ondas do mar.
Democracia
A indústria nuclear é por sua natureza secreta e sem transparência. Em alguns países, foi criada uma polícia especializada para cuidar dos materiais radioativos contra o roubo pelos “terroristas”. Com este argumento, a indústria nuclear contribui para a diminuição dos direitos democráticos da sociedade, porque cria um “Estado de Segurança”.
A segurança das usinas geradoras e demais instalações nucleares (tratamento e enriquecimento de urânio, fabricação de elementos combustíveis, reprocessamento de combustíveis irradiados, depósitos de rejeitos etc.) implica importantes e custosos aparelhos policiais. Assim, países que optam pelas usinas nucleares em seus sistemas elétricos poderão ser forçados a adotar métodos próprios de Estados policiais.
É fundamental a necessidade de se discutir mais a questão energética. O debate de ideias e o confronto de interesses são instrumentos decisivos na formulação de uma estratégia energética sustentável e democrática. Daí a necessidade de ampliar os espaços de debate, hoje restritos aos gabinetes dos especialistas.
No Brasil, informações técnicas, econômicas, financeiras, de segurança, relatórios operativos e outros documentos sobre o ciclo de produção da energia nuclear continuam indisponíveis publicamente. Este fato ressalta o caráter autoritário na condução da política energética no país, o que viola o direito fundamental de acesso à informação que deve ser respeitadopela União, Estados, DF e Municípios como obriga a Lei de Acesso à Informação (2011).
Logo, para que não corramos o risco de material radioativo ser liberado pelas usinas nucleares em um acidente, a única decisão acertada seria não construir tais usinas. O Brasil não precisa de usinas nucleares.
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Heitor Scalambrini Costa, Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Físico, graduado na Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear na UFPE, e doutorado na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França. É integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
Zoraide Vilasboas, Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e integrante da Articulação Antinuclear Brasileira.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/08/2019