sábado, 31 de agosto de 2019

AS CAUSAS DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NA AMAZÔNIA.

As causas dos incêndios florestais na Amazônia, artigo de Nelson Tembra


Sobre os recentes destaques no noticiário internacional para o “aumento dos incêndios florestais na Amazônia”, e de tanta bobagem sendo falada por especuladores, a titulo de colaboração, não poderia deixar de apresentar esta revisão, trazendo meu parecer com as conclusões próprias resumidas obtidas na Pesquisa Florestal Brasileira, Brazilian Journal of Forestry Research (http://pfb.cnpf.embrapa.br/pfb/ ) ISSN: 1983-2605 (online), pautada nos impactos do fogo sobre a vegetação úmida da Amazônia, objetivando contextualizar a ecologia dos incêndios na Amazônia em nível de ecologia do fogo global, buscando correlações e futuras hipóteses explicativas de uso das informações e da real mortalidade individual dos vegetais impactados.
Os incêndios florestais ocorrem não é de hoje, e podem acontecer em razão de diferentes causas como, por exemplo, pela imperícia humana na condução de certos processos produtivos envolvendo o uso da terra; ou de caráter acidental, no processo de agricultura de corte e queima; podendo ser criminoso, ou provocado intencionalmente e também, no caso recente, pode estar havendo manipulação política de interesses de acordo com as cartilhas comunistas.
Os incêndios também podem ser causados por fatores naturais, como os fatores climáticos. Entre 2001 a 2006, incêndios ocorreram em 40% da vegetação terrestre (Chuvieco et al., 2008), aparecendo naquelas regiões de vegetação muito densa ou muito úmida (florestas úmidas tropicais), ou muito esparsa (desertos) devido acúmulo de matéria necessária à combustão (Krawchuk et al., 2009). A distribuição dos maiores biomas do mundo – desertos, tundra, pradarias, savanas e florestas (tropical, temperada e boreal) – é tradicionalmente explicada pela temperatura e precipitação (Bond et al., 2005), compreendida como clímax climático no Brasil (Rizzini, 1963).
Em regiões úmidas e produtivas, como a floresta tropical, a quantidade de combustível não é fator limitante e a atividade de incêndios será determinada pelas condições climáticas, pois quanto mais seco e mais quente, maior a flamabilidade (Govender et al., 2006). A combinação do tempo de recorrência dos incêndios, a distribuição da frequência de incêndios em dado espaço, e a localização das áreas queimadas produz um mosaico de histórias de fogo ao longo de uma paisagem, que incluirão áreas que queimaram com diferentes tamanhos e frequências (Keeley et al., 2009).
Na perspectiva do fogo como um processo ecossistêmico, deverá haver um mínimo de produtividade primária suficiente para propagação do mesmo, ao mesmo tempo em que uma sazonalidade climática específica é necessária para converter o combustível potencial da vegetação em combustível disponível (Bradstock, 2010). A estrutura per se: densidade de biomassa, razão volume de biomassa por unidade de área, razão entre biomassa e necromassa, relação serapilheira grossa x fina, tempos de decomposição e continuidade sub-bosque – copa; e o resultado da intensidade dependerá da complexa interação entre: estrutura de combustível, clima e ambiente físico (elevação, topografia e tipo de solo, presença, velocidade e direção dos ventos) tendo grande variação entre os diferentes tipos de fogo.
Nos incêndios florestais a temperatura pode variar entre 50 ºC a >1.500 ºC, e a liberação de calor podem variar de 2.110 J Kg-1 até > de 2 milhões de J Kg-1 (kW m-1 = taxa de liberação de calor por metro linear na frente de fogo), enquanto a taxa de propagação varia de 0,5 m semana-1 no fogo subterrâneo até muito mais de 7 km h-1 nos grandes incêndios de copa (Bond & van Wilgen, 1996). O incêndio de copa, ou de substituição, é o tipo de fogo que apresenta maior intensidade, sendo que nas florestas de coníferas, ou no chaparral californiano, pode atingir até mais de 50.000 kW.m-1, e propagar-se por áreas de até mais de 100.000 ha (Gill & Allan, 2008).
Nas florestas tropicais de solo úmido há variação de temperatura nos primeiros centímetros do solo, porém em profundidades abaixo de 15 cm o aumento de temperatura é desprezível: o calor latente da evaporação previne que a temperatura ultrapasse os 95 ºC (DeBano, 2000).Com relação aos aspectos físicos e regeneração de vegetação pós-fogo do tipo “derrubada e queima”, na Amazônia, podem-se destacar os experimentos de grande escala do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – Combustão de Biomassa da Floresta Amazônica (Carvalho Junior et al., 1995, 2010).
No período Cretáceo, por exemplo, iniciou o denominado “ciclo fogo-gramíneo”, resultado da nova estrutura da vegetação, que apresentava alta produtividade de biomassa das gramíneas C associada aos altos níveis de oxigênio e intensa atividade de relâmpagos (Bond & Midgley, 2012). Excluindo-se as atividades antropogênicas, as fontes potenciais de ignição estão relacionadas à relâmpagos, atividade vulcânica, faíscas de rochas, quedas de meteoros e combustão espontânea, decorrente de atividade microbiana ou oxidação nos depósitos de carvão (Bowman et al., 2011).
A estimativa das mudanças globais prevê o aumento da ocorrência de incêndios em regiões como da bacia Amazônica, onde o clima e as condições atmosféricas da maior parte da região, normalmente, impediriam esta ameaça (Ray et al., 2005). Os efeitos causados pela agricultura de larga escala, pelos grandes empreendimentos, e pela exploração madeireira, impactam a qualidade e resiliência dos diversos tipos de ecossistemas presentes na Amazônia (Nepstad et al., 1999, 2001).
Este impacto tem trazido para a Amazônia a ameaça de mudança do paradigma de ‘floresta imune aos incêndios’, o que invariavelmente resultará em um ciclo cada vez maior de depauperação do microclima e da vegetação, aumentando, portanto, o risco e suscetibilidade ao fogo. Estimativa recente da extensão do fogo de superfície, tomada por novas técnicas de detecção via satélite, informa que, no período compreendido entre 1999 e 2010 o fogo de sub- bosque afetou mais de 85.500 km2 de florestas ou 2,8% de toda a floresta amazônica (Morton et al., 2013). Solos com carvão vegetal indicam a ocorrência de fogo pelo menos durante os últimos 6.000 anos, período onde, em algumas regiões, o clima fica mais seco e a vegetação se encontrava notadamente escleromórfica e mais esparsa que a atual (Sanford et al., 1985). Muito diferente do que ocorre hoje em diversas regiões, este intervalo já pode ter sido reduzido para 25 ou até 10 anos de recorrência, em razão das mudanças do uso do solo e das fontes de ignição antropogênicas (Cochrane et al., 1999).
Em longo prazo, as respostas da vegetação às alterações climáticas (mudanças na flamabilidade) podem conduzir mudanças nos regimes de fogo (Coe et al., 2013), o que refletiriam em mudanças no tempo de recorrência, fator importante quando da perspectiva de uma floresta com baixa resiliência ao fogo (Holdsworth & Uhl, 1997). Nas florestas úmidas, quando há pouca precipitação e maior abertura do dossel, que são posições extremas de estresse, o microclima do sub-bosque modifica radicalmente, aumentando a temperatura ambiente e do solo e diminuindo as umidades relativas do ar e da serrapilheira (Cochrane & Laurance, 2002).
Na ecologia do fogo, os eventos e mecanismos que determinam a disfunção do pareamento entre a temperatura ambiente e aquela dos processos celulares, tais como o aquecimento do caule e folhas pelo fogo de superfície e o aquecimento de raízes pelo fogo subterrâneo, motivam estudos históricos e intensos debates (Starker, 1934). Quando o fogo atua na vegetação arbórea, pode haver a morte completa da parte aérea (top kill) por meio do fogo de substituição (fogo de copa), ou a morte seletiva, através do impacto do fogo de superfície.
A supressão da biomassa aérea da planta não implica em morte do indivíduo, pois muitas espécies possuem a capacidade de rebrota pós-fogo, com mecanismos que possibilitam a recolonização dos ambientes queimados (Vesk & Westoby, 2004). O aquecimento do caule ocorre por radiação e condução, e a conseguinte condução do calor no caule, através da casca da árvore, pode causar a necrose do floema e do câmbio vascular (Dickinson & Johnson, 2001).
Os processos de 2ª ordem são desdobramentos dos efeitos de 1ª ordem, e podem determinar a mortalidade das plantas por meio de efeitos indiretos, como as alterações secundárias de processos fisiológicos e o aumento da predisposição à infecção por patógenos ou ataque de insetos (Michaletz & Johnson, 2008). A conjunção destes fatores, quando atuando de maneira negativa, pode acelerar a morte de muitos indivíduos, principalmente nos ecossistemas pirofóbicos (ecossistemas com um conjunto de espécies sem adaptação pretérita ao fogo), ou mesmo atuar de maneira positiva, nos ecossistemas pirofíticos (ecossistemas com conjunto de espécies com adaptações evolutivas ao fogo e mesmo dependente dos regimes de queima), selecionando positivamente espécies que apresentam morfologia e fisiologia melhor adaptadas à severidade do fogo (Bond & Midgley, 2012).
Os casos melhor estudados, na proteção do caule contra o fogo, são os que relacionam a espessura do ritidoma – e de uma maneira geral a espessura da casca – à capacidade do tronco em resistir ao fogo de superfície como isolante térmico (Gill & Ashton, 1968). A temperatura do câmbio vascular aumenta e decai logo em seguida em que a frente de chama passa pela árvore, sendo que a mortalidade das células do tecido acontecerá a partir de uma combinação do efeito do tempo de exposição e da temperatura (Dickinson & Johnson, 2001).
Como o tecido meristemático do câmbio vascular é anelar nas angiospermas, o fogo, ao circundar a árvore, pode causar o anelamento e resultar na morte da árvore, ou a necrose parcial do câmbio (Bova & Dickinson, 2005). Para compreender o anelamento é necessário quantificar a taxa de troca de temperaturas entre os tecidos, por meio da difusividade termal: κ (m2s-1) [divisão da condutividade termal k (kJ s-1 ºC-1), pelo produto do calor específico (kJ kg-1 ºC-1) multiplicado pela densidade específica do tecido ρ (kg m-3)].
Ao mesmo tempo, a área funcional dos vasos diminui devido ao calor deformar as paredes dos vasos de condução, por força do amolecimento térmico dos polímeros da parede celular (Balfour & Midgley, 2006).
Os modelos empíricos utilizam indicadores visuais, tais como grau de queima do caule (stem height scorch) e grau de queima das folhas (canopy scorch), relacionadas com diâmetro e/ou espessura do córtex, para prever a mortalidade das árvores (Bova & Dickinson, 2003, 2005). Florestas impactadas nestas regiões de padrões de precipitação decrescente, provavelmente, teriam a estrutura da vegetação modificada ocasionando a alteração de sua capacidade de resistir ao fogo, o que, em uma escala global, proporcionaria uma redistribuição das áreas piro-dependentes (Krawchuk et al., 2009).
A regeneração natural da floresta também é prejudicada, à medida que elementos florestais poderiam estar sendo beneficiados com os espaços deixados pelo fogo, como algumas lianas (Pinard et al., 1999), gramíneas (Silvério et al., 2013) e o caso extremo do bambu no Acre (Smith & Nelson, 2010). Este balanço competitivo que está ocorrendo atualmente na borda das florestas, justamente na interface campo de gramíneas (pasto de gado) e floresta úmida, requer maior atenção por parte da ciência (Silvério et al., 2013).
A partir daí, o fogo de superfície avança lentamente no sub-bosque, queimando a serapilheira com temperaturas não muito altas, mas perigosas o suficiente para matar seletivamente pelo caminho, aqueles indivíduos de espécies que não possuem nenhum tipo de defesa e/ou estratégia para sobreviver ou rebrotar. Assim sendo, a morfologia das espécies, bem como os atributos ecológicos, devem ser adicionados aos modelos globais de impacto do fogo na vegetação, agregando ainda informações das mudanças globais do clima ao nível de paisagem.
Nelson Tembra, Engenheiro Agrônomo, Consultor Ambiental e Pesquisador Independente, com 34 de experiência profissional. e-mail: nelsontembra@gmail.com
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Nelson Tembra Blog
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/08/2019

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