Foi apresentada a nova "geografia" das tensões sociais e dos conflitos no planeta, em colaboração com a Intersos, a maior ONG italiana dedicada a emergências humanitárias.
A reportagem é publicada por La Repubblica, 23-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nasce uma nova inédita colaboração entre a maior das ONGs italianas, a INTERSOS(a única italiana a tratar de maneira especializada e exclusiva de emergências) e a equipe editorial do Atlante dei Conflitti e delle Guerre nel Mondo [Atlas de Conflitos e Guerras no Mundo], que agora completa dez anos de vida. Uma sinergia importante para ambas as realidades, que se torna efetiva imediatamente e que se concretizará nas próximas semanas, em um enriquecimento de notícias no site e na próxima edição (a nona) do Atlas impresso, já em preparação.
Vamos marcar esta data: 10 de maio de 2019. É a abertura do preâmbulo do relatório escrito por Raffaele Crocco, diretor do Atlas das guerras e conflitos: "A partir daquele dia – podemos ler - a União Europeia está oficialmente em dívida com o planeta. Significa que a partir de 10 de maio, começou a consumir os recursos de 2020. A Itália não fica atrás: nosso Overshoot Day [Dia de Superação], o dia em que a biocapacidade do planeta pode ser considerada esgotada, foi 15 de maio, apenas cinco dias depois.
Para o resto do mundo - continua Crocco - a data fatal, a da dívida, chegou ao final de julho. Em 2018, tinha sido 1º. de agosto. Nós, europeus, que somos apenas 7% da população global, somos verdadeiros ricaços e gastamos os recursos de outras pessoas sem preocupação. Para manter nosso estilo de vida atual, precisaríamos de 2,8 Terras a cada ano. Pensem nisso: os índios, que são mais do que o dobro em relação a nós, usam apenas 0,70%".
Na origem a falta de direitos e desigualdades
Problema sério, este - lemos no prefácio - um dos muitos que estão na base das guerras. O clima que muda tem sido o verdadeiro ‘tema forte’ dos últimos tempos. Foi para alguns, para dizer a verdade, ou seja, para aqueles milhões de garotos que, em 2018, saíram às ruas para contar aos adultos: temos que mudar. Por enquanto, nada aconteceu. Assim, continuamos a ler o Planeta através de dois indicadores, dois sinais de aviso: as migrações e as guerras. Eles sempre se movem em paralelo, ou seja, pelas mesmas causas. Falta de direitos, distribuição injusta de riqueza, desperdício de recursos, devastação ambiental são os elementos que levam, inexoravelmente, a guerras - 30 são as que contamos este ano, com 18 situações de crise – ou à fuga de seres humanos .
Aqueles 258 milhões de seres humanos
Estas pessoas, aquelas em fuga ou em busca de um destino melhor, são cerca de 258 milhões - lembra ainda Crocco em seu prefácio – e quem o afirma é uma pesquisa das Nações Unidas, que também explica que as pessoas que deixaram seus países de nascimento e agora vivem em outros lugares aumentaram 49% em relação a 2000. Naquela época, eram "apenas" 173 milhões de migrantes planetários. A pesquisa mostra que mais de 60% de todos os migrantes vivem:
- na Ásia 80 milhões
- Europa 78 milhões
- América do Norte 58 milhões
- África 25 milhões
- Europa 78 milhões
- América do Norte 58 milhões
- África 25 milhões
A Itália está em 11º lugar. Dois terços desses emigrantes são distribuídos em apenas vinte países: 50 milhões estão nos EUA, depois na Arábia Saudita, Alemanha e Rússia, todos países que hospedam mais ou menos doze milhões. A Grã-Bretanha segue com 9 milhões. A Itália está na décima primeira posição - atrás inclusive dos Emirados Árabes Unidos, França, Canadá, Espanha - com 5,9 milhões de pessoas que vivem permanentemente no território nacional.
Fala-se sempre dos migrantes como "efeito"
Estes são os números do fenômeno migratório em 2019 – conforme é descrito ainda no prefácio - é interessante, no entanto, perceber que, como para as guerras, falamos dos migrantes quase sempre como 'efeito'. Perguntamo-nos: quantos são? Onde estão? Que problemas encontram ou provocam? Quase nunca falamos sobre migrações procurando as causas, investigando os motivos que levam um ser humano a deixar casa, afetos, história, para tentar viver em outro lugar. E, no entanto - continua Crocco – estão ali bem visíveis e são, repito, os mesmos que desencadeiam as guerras. Por exemplo: a má distribuição da riqueza. De acordo com a pesquisa mais recente da Oxfam, 1% da população mundial controla uma riqueza agregada, total, igual a 47,2% da riqueza mundial.
A pobreza absoluta está em ascensão novamente. Ao mesmo tempo, o prefácio diz: "50% da população mundial - ou seja, 3 bilhões e 800 milhões de indivíduos - todos juntos possuem 0,4% da riqueza do planeta. Em 2018, riqueza nas mãos dos 1.900 seres humanos mais ricos cresceu - no total - mais de 900 bilhões de dólares, ou seja, 12% ou 2,5 bilhões de dólares por dia. No mesmo período, a riqueza total da metade mais pobre do planeta caiu 11%. é que nos últimos três anos a pobreza absoluta começou a aumentar novamente. Neste momento, 3,4 bilhões de pessoas vivem com menos de 5,5 dólares por dia, quase 2,5 bilhões estão abaixo do limiar da pobreza extrema, ou seja, não atingem 1, 9 dólar por dia.
Consequências devastadoras
Estima-se que todos os dias, no mundo, 10 mil pessoas morram, porque não conseguem acesso a cuidados médicos adequados devido à sua pobreza – ainda consta no prefácio - na Índia, uma mulher de alto nível social vive em média 15 anos a mais do que uma pobre. Em 137 países com uma economia instável, uma criança pobre tem duas vezes mais probabilidades de morrer antes dos cinco anos do que uma criança rica da mesma idade.
Quem tem menos, paga mais: a distribuição injusta dos impostos
Para aumentar as causas da desigualdade, há um fenômeno bizarro, mas extremamente conhecido - escreve Crocco - é a distribuição desigual dos impostos. Pode ser traduzida com um simples: 'quem tem menos, paga mais’. A tendência está presente há anos: é a erosão gradual da progressividade dos sistemas tributários e do deslocamento decidido da carga fiscal da tributação da riqueza e das rendas das empresas para aquela das renda do trabalho e dos consumo. Por exemplo: no mundo todo, em 2015 apenas 4 centavos de dólar por cada dólar arrecadado pelas autoridades fiscais estavam vinculados a impostos sobre patrimônio. Repito: 4 centavos por dólar. O restante vinha de taxas e impostos sobre rendas de trabalho ou do mercado.
Uma espécie de beco sem saída
Nos países ricos – afirma-se ainda no relatório - a alíquota de imposto para as rendas mais altas caiu de 62% em 1970 para 38% hoje. A alíquota de imposto de 90 empresas multinacionais caiu de 34% para 24 % nos últimos 18 anos. E a economia tributária não levou a um maior investimento, não gerou empregos. Uma espécie de beco sem saída, pelo menos para metade da humanidade. Pensem bem: se para o 1% da população mais rica fossem aumentados hoje os impostos em 0,5%, em apenas um ano resolveríamos na raiz os problemas de 2 bilhões e 400 milhões de seres humanos mais pobres. E os resolveríamos para sempre. Em vez disso - novamente aponta o relatório- 830 milhões de indivíduos correm o risco de morrer de fome. Quase 2 bilhões de pessoas têm problemas com a água, com o poço mais próximo a pelo menos meia hora de distância. 260 milhões de crianças não têm nenhuma possibilidade de ir à escola.
São razões para ter guerras? Sim, são
Sem dúvida, as coisas estão assim - Raffaele Crocco escreve no preâmbulo do relatório do Atlas das guerras – e demonstra a coincidência geográfica entre países em dificuldade, pobres e sem direitos e lugares onde há guerras e migrações. As outras razões, os outros motivos, estão nas muitas coisas que não estão bem. Em muitos países africanos, Libéria, Etiópia, Somália, para citar alguns, não se chega a ter um médico para cada mil habitantes. Nesses mesmos países, onde as pessoas morrem com facilidade, o população porém continua a crescer, em média a 3% ao ano.
As "cidades-monstros" de 60 milhões de habitantes
Até 2020 – consta no prefácio - os africanos serão 2 bilhões e meio, com idade média em torno de 20 anos. Serão jovens, muitos, em um continente que luta para criar boas condições de vida. O que eles farão? Continuarão a emigrar para as cidades, criando, em primeiro lugar, megalópoles de 60-90 milhões de habitantes, com problemas de alimento, água, assistência. Outros, deixarão suas terras e buscarão a sorte em outro lugar. O que os expulsará do campo será a desertificação: poluição, seca, desmatamentos são as principais causas. Nos últimos 45 anos, uma área de 1,2 bilhões de hectares, ou seja, 11% da superfície vegetal da Terra, não é mais utilizável para a agricultura.
Os milhões de hectares de terra que é impossível cultivar
Estima-se - diz o relatório - que todos os anos entre 5 e 12 milhões de hectares sejam perdidos. Uma superfície imensa. A mais afetada, como sempre, é a África, onde cerca de 65% das terras agrícolas são degradadas. Depois, América Latina (51%), Ásia(38%) e América do Norte (34%). Onde não chega o novo deserto, chega a grilagem de terras, o Land Grabbing - ver o artigo de Mondo Solidade. Segundo as estimativas oficiais são 88 milhões de hectares de terras cedidas em uso para governos ou multinacionais, equivalentes a 8 vezes os superfície de Portugal. Milhões de pessoas são expulsas dessas terras pela especulação financeira ou pelo controle do mercado. Não podem mais cultivar suas terras, substituídos pela força por outros trabalhadores.
Nessas condições, o planeta olha para o futuro
Porém, sabendo - escreve Raffael e Crocco - que se tem potencialmente nas mãos os instrumentos e as ideias para resolver problemas, criar justiça, enfrentar os conflitos antes que eles se tornem guerras. É apenas uma questão de entender o que devemos fazer e começar, como cidadãos deste planeta, a avançar para construir um mundo que possa nos hospedar, bem, a todos. Fazer isso não só é o correto. É conveniente, porque todos seríamos mais ricos. É inteligente, porque viveríamos melhor. É possível, porque sabemos quais são os fatores de conflito. Os garotos nas ruas em 2018, seguindo os passos de Greta Thunberg, nos explicaram. Vamos tentar ouvi-los.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos.
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